ENCONTROS
INESPERADOS – 3
Em
anteriores páginas do blog, contei alguns dos mais curiosos
“encontros inesperados” que se passaram durante a minha vida, e
fui deixando prever que haveria mais. E há. Alguns com muito
interesse e/ou graça. Aproveito para voltar a dar uma visão de cada
um dos “encontrados”, mesmo que já o tenha feito antes.
Vou
começar por um que mostra o quanto cada um espera para dar o seu
troco nas “ventas” de miseráveis funcionários.
Luanda
– 1963 (?)
Estava
eu na Cuca e um cliente do interior foi à cidade, onde só se
demoraria um dia e combinamos um encontro depois do jantar num salão
de bilhares, que havia no primeiro andar dum prédio na rua Rainha
Ginga mesmo ao lado da loja de artigos de desporto na esquina.
Lá
fui no meu carro, mas tinha havido um acidente com um caminhão que
perdera os freios na descida “da Robert Hudson” (rua Cirilo
Conceição e Silva) e fora esbarrar e entrar por aquela loja,
felizmente a horas tardias, ninguém na loja, não havendo acidentes
pessoais.
Muito
curioso à volta, os habituais babacas que ficam parados a olhar
para… nada, eu tento, bem devagar passar entre eles para estacionar
em frente do prédio dos bilhares.
Dois
“importantes” à paisana proíbem-me de passar, apesar de haver
diversos lugares para carros pararem. Chateado, arranco com o carro,
ando cem metros num declive acentuado (desce 10 metros em 100!), paro
no sinal vermelho em baixo, e vou dar a volta ao quarteirão para
estacionar onde queria.
Assim
que estaciono os mesmos dois importantes sujeitos abordam-me e
pedem-me os documentos.
-
Quem são vocês para me pedirem documentos? E a propósito de quê?
-
Somos os dois chefes de polícia e o senhor estacionou onde não
devia.
-
Onde está a placa a proibir o estacionamento? E os documentos,
“chefes” de polícia?
-
Somos nós que estamos a controlar a situação do acidente do
caminhão.
-
Ora passem bem.
Virei-lhes
as costas e fui fazer o que ali me levara.
Poucos
meses passaram recebo, pelo correio, um aviso de multa! Fdp estavam
melindrados. Esqueci.
Passado
mais um tempo uma convocatória para ir a tribunal pelo mesmo
assunto.
Telefono
a um amigo advogado para ir comigo. Não podia, porque tinha outro
julgamento à mesma hora, em outro lugar.
-
Deixa. É tão evidente o caso, que eu vou sozinho.
No
tribunal, o juiz sentado num estrado bem alto, os paisanos fardados,
é lida a acusação:
-
Desobedecer às ordens da polícia, e conduzir em alta velocidade!
Meus
Deus, que barbaridade! Respondi:
-
Meritíssimo o senhor conhece o local, acredita que alguém possa
atingir algum excesso de velocidade ao descer 100 metros e parar no
sinal vermelho? Além disso o que os policiais me disseram era que eu
não podia estacionar naquele local, onde toda a gente estaciona.
Entretanto
o juiz nomeia defensor oficioso um idiota qualquer que ali estava, e
a quem foi dada a palavra para me defender, que disse somente:
-
Não tenho nada a acrescentar.
Por
fim o juiz pronuncia a sentença:
-
Parece que efetivamente o senhor tem razão! (Evidente que tinha).
Mas como foi autuado por dois chefes de polícia, confirmo a multa,
custas do processo e 250$00 para o defensor oficioso.
Dei
um pulo na cadeira, ao meu lado o funcionário do tribunal diz, voz
baixa, para eu não reclamar que podia ser preso por desacato.
Saí
de lá com vontade de bater em alguém e encontro o miserável
“defensor”. Deito-lhe a mão à camisa:
-
Seu miserável passe para cá os 250$00. Você não diz uma palavra
para me defender e vai levar esse dinheiro. Dê-me já esses 250
paus.
O
cara tremia.
-
Não tenho dinheiro comigo.
-
Pois fique sabendo, quando receber eu vou atrás de você e vai ter
que me pagar.
O
desgraçado saiu dali correndo. Tive que pagar tudo, mas aquele juiz
ficou-me atravessado na goela.
Uns
tantos meses depois, quando da visita a Angola dos embaixadores de
Inglaterra, o Governo ofereceu aos ilustres vcisitantes um “copo
d’água” nos jardins do palácio, e eu fui convidado (a minha
irmã, em Lisboa, era a secretária particular dos embaixadores).
A
receber os convidados, um amigo meu, ajudante do governador, capitão
António Costa Macedo. Quando entrei estava a receber um baixinho…
o juiz! Perguntou-me:
-
Conheces o dr. juiz…
-
Conheci sim. Condenou-me
depois de
dizer que a razão estava
do meu lado. Não aperto
a mão a gente dessa.
Virei-lhe
as costas, e mais tarde fui pedir ao meu amigo que me desculpasse ter
feito aquela cena em frente dele.
Mas
foi um “encontro” em que limpei um pouco do fel que me ficara do
miserável baixinho.
Luanda
– 1962 (?)
Andando
numa rua de Luanda estranhei ver aparecer na minha frente um amigo de
infância que não via há muitos anos, e sabia que ele vivia em
Lisboa. Um bom abraço, o que fazes por aqui, etc.
Contou-me
então que um grupo de amigos a tomarem café na Brasileira do
Chiado, comentavam a guerra há pouco começada em Angola. Todos
“muito patriotas”, tipo um por todos, todos por um,
resolveram em conversa de bravata, criar uma “força voluntária”
para ir lutar.
No
dia seguinte... o único que se ofereceu foi este amigo! Os outros
amarelaram!
Mobilizado,
chega a Luanda como tenente, e vai despachado para Cabinda. Levou o
seu carrinho, em invejável MG TC 1947, a sua boa disposição e o
seu jeito especial para desenho e caricaturas.
Contratei
logo com ele que fizesse uns quadros com piadas para propaganda da
Cuca. Fez, muita coisa, entre elas uma série que ainda lembro com o
tema “Antes de… uma Cuca”, com três quadros cada. Começa com
um casamento: no primeiro quadro os noivos, no segundo eles em casa a
despirem-se e o terceiro o noivo a dizer: “Antes de… uma Cuca”!
Em
Cabinda, onde ficou quase dois anos, nos serviços administrativos –
já não tinha idade para andar na mata, aos tiros – pintou até
uma empena de um prédio (uma garrafa da Cuca), e para cuidar da sua
roupa e apartamento, contratou uma lavadeira, mulher da região.
Fez
contas quanto iria gastar em dois anos e concluiu que saía
mais em conta
casar com ela! Falou com os pais que exigiram o alembamento
tradicional – tributo
prestado
pelo noivo à família da noiva – composto
de garrafões de vinho, panos, farinha, algum
dinheiro, talvez
facas, e no Sul até vacas – e levou a esposa
para casa! Não foi para dormir com ele mas para o servir no
pequeno quarto onde vivia, r
fazer o mesmo trabalho
que já fazia em solteira
!
Nas
vésperas
de ser desmobilizado, foi reclamar com a família que a “esposa”
o traía com qualquer um e ia devolvê-la, para o que queria o
alembamento de volta! Recebeu um garrafão de vinho que bebeu com a
já
ex-família,
e regressou a Portugal.
Era
um indivíduo com uma graça especial. Conhecedor e colecionador de
cerâmica e antiguidades, escreveu sobre Portugal – Extremadura,
Alentejo, Minho, gastronomia, etc., - todos com muito interesse.
Irrequieto,
poeta e brincalhão, a última vez que o vi estava já muito doente.
Mais
um amigo a não esquecer. Quito. Francisco Hipólito
Raposo.
Luanda
- 1969
Lá
pelos anos 60 e tais estávamos a viver em Luanda. Vez por outra
juntavam-se uns amigos e amigas e saía uma grande noite de fados na
nossa casa, farras de que já falei aqui no blog, e que sempre me
enchem o coração de saudade, mais ainda lembrando que a maioria dos
convivas já está a descansar.
Eram
belas noitadas, rodeados de gente amiga, bons fados e muito boa
disposição.
Numa
dessas farras, lá pela meia-noite
chegou um retardatário, o muito querido Eduardo Cruz de Carvalho.
Tinha estado ocupado, etc., e levava com ele um amigo. Amigo do amigo
é, foi recebido com a mesma sem cerimónia habitual, e entrosado
como qualquer dos outros.
Infelizmente
esqueci o nome dele. Militar, tenente-coronel,
aí uns 15
anos mais do que eu, estava a comandar o Batalhão de Transmissões
em Luanda.
Conversa
vai e vem, soube que era do Porto. E
de Cedofeita! Como eu, e
lembrava-se do nosso nome, Gomes de Amorim. Coincidência. Também já
não sei como, de repente percebi quem ele era, e perguntei-lhe se
tinha casado com uma filha do senhor José Rosas, talvez o dono da
melhor ourivesaria do Porto, muito
amigo do meu pai, quando por lá
vivemos na primeira metade dos anos 30.
Era
ele.
Mas
surpresa maior chegou quando lhe disse que, teria eu uns 9
ou 10 anos, já vivendo em Lisboa,
tinha ido ao Porto (1941?)
com o meu pai e a minha irmã Zé, ao casamento dele! E mais, foi a
minha irmã que levou ao altar as alianças dos noivos.
Foi
uma alegria. Como comandante das Transmissões tinha o carro equipado
com um rádio especial, e logo fomos, mesmo àquela hora tardia,
tentar ligação para casa dele, no Porto, e contar isso à mulher.
Não funcionou porque naquele lugar, o rádio não apanhava bem. Ele
disse que ia todos os dias, no começo da noite, à ponta de Ilha e
de lá falava lindamente. Foi pena.
Uns
dias depois voltou, a dizer que lhe
tinha falado, e ela lembrava-se
sobretudo da menina que tinha entregue as alianças. Teria uns 7
ou 8 anos.
Passou
a ser mais um conviva que algumas vezes mais apareceu lá em casa,
sobretudo às quartas feiras, dia habitual do almoço dos solteiros.
Terminou a comissão de serviço e nunca mais soube dele.
Só
anos mais tarde encontrei, num site de genealogia o seu nome: Mário
Pinto da Fonseca Leitão!
O
tempo rolou. Há quase quatro anos fui almoçar com o Embaixador de
Portugal no Rio de Janeiro, Jaime Van Zeller Leitão. Um
almoço muito agradável, muita descontração e simpatia, mas na
ocasião nem me lembrava já do outro senhor Leitão. Conversámos
sobre diversas coisas, mas nada de genealogia.
O
Embaixador está hoje em outro país, ambos os nomes de repente
assomaram aos meus gastos neurónios e decidi escrever-lhe para saber
se haveria algum parentesco. Algo me dizia que sim!!!
Embaixador
Não
sei se se recorda de mim: Francisco Gomes de Amorim. Estivemos
almoçando, (em finais de 2018) no Palácio, no Rio, com a
Embaixatriz Sofia Pinto da França.
Aliás
foram momentos muito agradáveis que ali passámos.
O
pedido que venho fazer-lhe é muito simples e nada tem a
ver com serviços oficiais!
Há
muitos anos, aí por 1969, encontrei-me em Luanda com um militar,
Mário Leitão., que era casado com uma filha do conhecido ourives do
Porto, José Rosas
A
pergunta é simples: seria da sua família?
Fico-lhe
muito agradecido se me puder responder, até porque esse encontro se
revestiu de situações muito curiosas.
Os
meus cumprimentos a sua Senhora e peço-lhe que aceite um abraço
Francisco
Não
tardou a chegar uma simpática e alegre resposta:
Caro
Francisco Gomes de Amorim
Apreciei
ter notícias suas e fico satisfeito por saber que guarda simpáticas
lembranças daquela varanda.
Quanto
ao parentesco aqui vão algumas notas.
O
Mário Leitão, a que se refere, era de facto primo do meu Pai em
terceiro grau, dando –se a coincidência de que a Mulher dele,
Helena Ramos-Pinto Rosas, era Prima ainda mais próxima uma vez que
tinha com o meu Pai a mesma Avó, Virgínia de Castro, que
casou em primeiras núpcias com o meu bisavô Narciso Leitão (irmão
do Avô do referido Mário), joalheiro, e, depois de enviuvar, casou
com António Ramos-Pinto (dos vinhos), dos quais foi filha Maria
Antónia casada com o joalheiro Rosas, portanto sogros do Mário
Leitão. Aí tem pois uma confusão de Leitões e Pintos, enfeitados
com joias, a comer em malgas de prata, regadas a bom vinho com
perfume a flores.
Um
abraço,
Jaime
Leitão
Magnífica
resposta, cheia de informações e um humor que me fez rir com
vontade. Claro que já escrevi a agradecer!
Rio
– 1979
Em
Julho fizemos Bodas de Prata, e a todos aqueles que tinham estado no
nosso casamento, mandamos um simples convite para se juntarem a nós.
A totalidade vivia em Portugal, mas foi um meio de comunicarmos com
esses amigos.
Estávamos
viver em São Paulo, e eu, a fazer pela vida, a trabalhar no Rio,
durante um estafante ano e meio.
As
finanças da empresa eram um desastre – acabou em outro… total –
e eu tinha que me deslocar aos bancos, fazer aquele chorinho, porque
ainda não tinha aprendido a viver no Brasil, isto é, a sonegar o
mais que é possível. E assim uma semana o dinheiro ia todo para um
imposto, na outra para o pessoal, a seguir o custo social do pessoal,
depois outro imposto, e não sobrava uma migalha. Pelo contrário.
Uma canseira sem ver o fim do inferno.
Estou
no Centro do Rio, rua do Ouvidor, rua cheia de bancos e cheia de
pedestres, às centenas, e tinha que falar com dois dos membros da
alta agiotagem nacional e internacional. Passo por um, sigo em
frente, mas pensei que seria melhor voltar atrás. Rodo 180 graus e
estacado na minha frente, para não chocar comigo, um dos meus
maiores amigos de toda a vida, alfacinha (lisboeta), com quem sempre
estou quando vou à terrinha.
-
TONI ??? Aqui?
-
Cheguei ontem de Lisboa e amanhã vou para São Paulo. Tenho até
aqui no bolso o teu convite das Bodas. Ia telefonar-te logo à noite.
Já
não fui a banco nenhum. Entramos no primeiro boteco ou pastelaria e
ali ficamos um bom tempo no papo.
Pois
o Toni, António Tavares de Carvalho, padrinho de uma das
nossas filhas, tinha vindo ao Rio para negociar livros, ele talvez o
mais famoso bibliófilo português, que, na nossa mocidade me
emprestava a sua bicicleta (eu não tinha, nem dinheiro para isso)
para ir de Sintra a Santo Amora de Oeiras ver a pretendida, que
acabou por cair na minha conversa… até hoje!
Ao
chegar a São Paulo havia greve de taxis! Uma simpática (très
simpática) garota abordou-o ofereceu-se para o conduzir no seu carro
- tipo “Uber” de hoje. A “Dildinha” - ou nome algo parecido –
que viu no sujeito, todo lord, uma bela presa, não largou mais o
passageiro. Creio até que o levava ao hotel, estacionava o carro,
descia com ele e depois subia com ele até ao quarto, mas não vou
garantir porque não sou de fofocas, nem tenho nada com isso.
Sei
que o Toni, todos os dias enquanto esteve em SP, a partir de meio da
tarde ia para nossa casa, jantava, e só de lá saía, à noite,
quando nós nos queríamos ir deitar e o obrigávamos a telefonar à
Dildinha que o ia buscar e...
Um
dia, domingo, tive que ir visitar, fora de São Paulo um importante
cliente (meu), rico, casarão num sítio imenso. Levei o Toni comigo
e o senhor muito amável convidou-nos para almoçar.
A
casa cheia, uma filhinha pré casadoira, bonitinha, e o preposto
noivo, que se apresentou, mas o Toni não ouviu o nome dele e
perguntou-me. Eu disse-lhe:
-
Não é Dalton.
Logo
o Toni:
-
É Robespierre.
Era.
Ficaram todos com ar de espanto sem entender como ele poderia ter
adivinhado!
Meu
querido Toni, possas tu ler este pequenino apanhado das nossas vidas,
que tanto teriam para contar.
Vejam
lá se não é bom guardar estes encontros, mesmo que lembre que o
tal juiz miserável com medo dos polícias, que me traga uma saudade
grande do Quito, descobrir como o mundo é pequeno, quando ao fim de
mais de meio século venho a conhecer melhor dois Leitão, e quando
quase choco de barriga com um como irmão!
Tem
mais “Encontros”. Daqui a alguns dias.
08/05/22