terça-feira, 31 de maio de 2022

 

Os Meus Amigos


Os anos correm, alguns dos amigos dos tempos há muito passados foram percorrendo diferentes caminhos dos meus, e acabámos por quase esquecer ou perder a esperança de os voltar a encontrar.

Agora, então, que há muito passámos de idosos para entrar na classe dos velhinhos, mais difícil tem sido encontrar os que estavam “perdidos”… por mim.

Procurando nas chamadas redes sociais já encontrámos os descendentes de alguns desses que, de qualquer maneira compartilharam um pouco da nossa vida.

Há dias vi o nome, e a foto, de um deles, cabelo branco, mas não podia ser o amigo que fez o serviço militar comigo. Contactei-o. O mesmo nome do pai e o seu filho mais velho. O pai, infelizmente descansou já, há pouco tempo.

Conhecíamo-nos já em adolescentes, e entrámos para a tropa juntos, Regimento de Cavalaria 7, em Belém, onde estivémos um ano.

Lembro bem do seu carro, aliás o único que de todos nós tinha carro próprio, um Skoda verde, que não resisto de pôr aqui a foto de um, todo restaurado. Ainda demos uns passeios que ficaram na memória.


Há pouco ainda na militança, houve um baile chiquérrimo, que o Marquês da Foz, dava para “debute” da sua filha. Uma das minhas minhas irmã fazia parte das jovens que desse modo, à boa moda antiga, eram apresentadas à sociedade, foi também convidada, e eu, irmão mais velho tive que a acompanhar, mesmo estando com um pé engessado (tinha-me caído umas semanas antes um caixote com uma máquina agrícola em cima!!!)

Baile na sexta e, em princípio, militança no sábado. Fui falar ao major, contei-lhe uma balela qualquer e ele dispensou-me de comparecer no sábado. O meu “camarada” achou que ir mentir ao major lhe ficava mal e, também convidado, foi-lhe pedir dispensa. Tinha um baile que acabaria tarde… O major, todo macho, cavaleiro:

- No meu tempo nós saímos dos bailes e íamos diretos para o quartel.

E não o dispensou. Lembro que, já dia claro, quando eu regressava a casa, de taxi, cruzei-me com o tal Skoda e o meu amigo chateado!

Já mais tarde, valerosos cabos-milicianos, dia de grande chuvada, aproveitámos o pequeno intervalo do almoço para ir ver como estava o mar junto à estrada Marginal.

Tinha havido um grande deslize de terras que soterrara um combóio que ia de Cascais para Lisboa. Servir a Pátria e os aflitos, deixámos o carro na estrada e corremos para lá oferecer os nossos préstimos. Já lá estavam bombeiros e militares especializados e o chefe pergunta se éramos enfermeiros. Não. “Então por favor retirem-se que só podem atrapalhar o nosso trabalho.”

No final do tempo, um outro camarada-amigo-miltar, o José Luis Cardoso de Menezes (Margaride) (que também nunca mais vi) convida-nos para irmos às suas terras em Almeirim, porque estava na época dos melões (os melhores de Portugal) e terras dum vinho branco de alta qualidade.

Fomos sete, em dois carros, o outro era do Ernesto Lami (que também perdi de vista poucos anos depois de termos voltado a ser civis) e convidámos para ir conosco um cabo da Guarda Republicana que estava a fazer o curso para sargento. Homem simples, humilde, muito mais velho do que nós, atencioso.

Em Almeirim, na adega da casa Margaride, já nos aguardava uma larga mesa cheia de melões, copos e garrafas do famoso branco fresquinho. Comemos bem, bebemos muito melhor, e o Guarda ultrapassou os limites da sua capacidade. Tivemos que o carregar para o carro e ficou sentado no meio do bando traseiro. Eu à direita. Passadas umas quantas curvas o Guarda teve um vómito! Não houve tempo de abrir a janela toda e quem recebeu metade daquela “coisa horrorosa”… fui eu! Até chegar a casa carreguei aquele cheirinho…

Pouco depois acabava a nosso “guerra”.

Já paisanos, um pequeno jantar de despedida: Reconheço, eu, claro, por baixo do quadro do touro, à minha esquerda o Ernesto Lami, na extrema direita o Nani, ainda fardado um outro grande amigo que seguiu a vida militar, o Ramiro da Conceição Antunes, e de cara virada para o fotógrafo, o meu duplamente colega, de curso de Regente Agrícola e da “guerra”, o José Ravasco.

O Nani só voltei a vê-lo uma vez, em Luanda aí por 1965. Uma reunião dos Cursos de Cristandade. Eu tinha chegado um pouco atrasado e estava na entrada. De repente um senhor aproximou-se e parou ao meu lado.

Olhei para ver quem era e vejo um careca, uns restos de cabelo enquadrando a dita, branquinhos como os do meu avô, e quando, curioso, quis ver melhor quem era o velhote… era o Nani!

Grande abraço. Quis que almoçasse comigo no dia seguinte, mas estava só de passagem para São Tomé.

Nunca mais o vi. Saudade.

Naqueles tempos da tropa tinha mais ou menos esta cara que eu tentei guardar para o meu livro de Retratos de Amigos: o Nani, Jerónimo Carneiro.

Obrigado ao filho, também Jerónimo, que me fez rebuscar estas e ainda outras lembranças.



31/05/22


terça-feira, 17 de maio de 2022

 

Encontros Inimaginados - 4


Luanda 1967 ?

A história que se segue já a contei em “Contos Peregrinos” e não só, mas cabe uma vez mais aqui.

Nesse tempo trabalhava eu na firma J. Pinto Comercial.

Um dos clientes, Arnaldo era um homem simples, que fazia em sua casa, na cozinha, ajudado pela mulher, chapas metálicas para tipografia. Fotogravuras. Tudo muito artesanal. Um pequeno ampliador de amador, dois vidros presos com molas e fitas de borracha para as cópias, tinas de revelação remendadas, mas nada impedia que a qualidade do seu trabalho fosse bastante boa e reconhecida. Estava com muito serviço a que só com muito custo dava vazão. Precisava investir em algum equipamento. O primeiro que decidiu comprar custava naquela ocasião uns noventa contos, cerca de três mil e quinhentos dólares.

Foi à nossa loja, ar simples, modesto, pedindo um grande favor. O Cardoso, o colega que atendia clientes ao balcão, endossou-o para mim.

- Eu tenho pouco dinheiro, só posso dar de entrada tudo quanto tenho, vinte contos, e o resto, se me puderem fazer isso, pagaria em doze prestações. Não tenho outra condição e estou precisando muito dessa copiadora. Ficarei muito grato.

Conhecendo bem o que era esse tipo de trabalho, disse ao já cliente, mas de coisa pouca:

- Antes de prosseguirmos com qualquer negociação, quero ver em que condições você trabalha, o que faz, como faz, etc. Depois conversamos.

- Mas eu trabalho na minha casa. É uma casa modesta.

- Melhor. Se fosse casa de rico não tínhamos esta conversa. Vamos lá ver, se você não se incomoda que eu entre em sua casa.

- Não senhor.

Fomos. Morava perto, nas Ingombotas, um bairro antigo, a meio da encosta que leva para a parte alta da cidade e onde existiu em tempos idos uma cacimba que abastecia de água parte da cidade.

O seu trabalho era de ótima qualidade, os clientes que tinha angariado eram muito bons, estavam a dar-lhe cada vez mais serviço, e tudo levava a crer que com a aquisição de equipamento conveniente poderia multiplicar o seu movimento. Tudo visto e conversado:

- Muito bem. Vou pensar no seu caso. Como hoje já é tarde, volte amanhã à loja para conversarmos.

No dia seguinte, o Arnaldo, ar meio desconfiado, receoso que a sua proposta não tivesse sido aceite, cara de pedinte, entra na loja.

- Bom dia. Sente aí. Sabe uma coisa? Não lhe vou vender a máquina que você quer.

O homem empalidece ainda mais.

- Por quê. Acha que eu não vou pagar?

- Nada disso. Só com aquela máquina não vai longe. Só lha vendo se você comprar também a câmara vertical e a de contato.

- Mas se eu não tenho dinheiro nem para uma, como posso comprar três?

- Pode sim. Vamos fazer o negócio do seguinte modo: você dá de entrada o que propôs, isto é, os vinte contos. Depois as primeiras três prestações a seguir serão do valor de uma só máquina, como você tinha proposto, e o saldo total então dividido em oito parcelas a partir do quarto mês. Nessa altura você já estará com movimento suficiente para pagar tudo.

- Eu não vou poder pagar tudo isso. De maneira nenhuma. É muito dinheiro.

- Pelo que eu vi da qualidade do seu trabalho e conhecendo os seus clientes, vai pagar sim, e com uma perna às costas. A mim não me interessa nada afogá-lo em dívidas, como pode imaginar, nem procuro clientes que não paguem. O que eu quero é ajudar a resolver o seu problema.

- E se eu não puder pagar?

- Vai poder sim. Quer ou não?

- Bom... parece que não tenho outro remédio.

- Tem só uma condição no meio disto tudo. Só uma: eu sei que você vai ganhar muito dinheiro com o negócio, e não tarda está com os bolsos cheios, e ainda bem. Mas se algum dia entrar aqui feito calcinhas*, armado em rico, eu ponho-o fora da loja. Continue sempre como é hoje, um homem simples, trabalhador, respeitado, e não arme nunca em rico.

- Pelo amor de Deus. Eu alguma vez ia fazer uma coisa dessas!?

- Espero que não. Mas de qualquer modo não esqueça o que eu lhe digo.

Lá foram as máquinas todas para casa do nosso homem, que como previsto, não tardou a alargar muito o seu negócio. Pagou sempre com pontualidade, e sem apertos. Meia dúzia de meses depois já tinha até trocado o carro velho por um mais novo e conversível. Estava ficando ricaço!

Vinha com assiduidade à loja comprar material chamado consumível, as tais chapas, os produtos químicos, etc. O tempo foi passando. Tudo havia pago.

A sala onde eu trabalhava estava ligada à loja, sem no entanto ser visto nem avistar quem ali entrava. Um belo dia ouço alguém reclamando, voz grossa, quase agressiva, com o vendedor do balcão, o Cardoso, um homem amável, eficiente, simpático e sempre sorridente. Voz demasiado alterada e elevada, porque um produto qualquer que procurava estava em falta. O navio tinha atrasado, mas sempre havia em estoque alguma coisa que pudesse substituir o que estava em falta, de modo a que os profissionais não parassem.

O cliente, grosseiramente, perguntava se o dinheiro dele não era tão bom quanto o dos outros, porque na véspera se tinham vendido as últimas caixas do produto que ele procurava.

Chamei o Cardoso, e perguntei-lhe quem estava fazendo aquela gritaria.

- O Arnaldo.

O Arnaldo? Que maravilha! Logo este. Até parecia que eu adivinhara que um dia vinha a acontecer uma situação assim.

Levanto-me, atravesso a loja, abro o balcão e com ar de poucos amigos vou direto a ele:

-Tunda**! Ponha-se lá fora, já. TUNDA!

- Mas eu...

- Ponha-se lá fora. Aqui dentro ninguém grita. Ninguém tem melhor dinheiro do que qualquer outro. Isto é uma casa de trabalho e não uma taberna.

O homem envergonhado saiu, e eu atrás. Na rua:

- Você lembra-se qual foi a única condição que lhe pus quando lhe vendi todo aquele equipamento?

- Não. Não me lembro nada de especial. E aliás paguei tudo nas datas certas.

- Então vai já lembrar. Eu disse-lhe que você ia ganhar muito dinheiro, não foi?

- Foi.

- E disse-lhe ainda que se algum dia entrasse aqui feito calcinhas armado em rico que o punha pela porta fora! Lembra-se?

Com um ar de espanto e muito pendurado, confessa,

- Tem razão. Lembro, sim.

- Nós fazemos muito gosto em tê-lo a si, e muitos outros como nossos clientes. Mas não admitimos falta de educação a ninguém, do mesmo modo que não faltamos ao respeito a quem quer que seja. Desde o mais importante ao mais humilde. Se quiser continuar cliente desta casa, lembre-se que o seu dinheiro é igual ao de todo o mundo. E que aqui sempre o tratamos bem. Cada vez que vier com grosserias será posto fora.

O homem estava passado. Vermelho de vergonha. Pediu desculpa. Estaria nervoso, cansado, com um trabalho importante em mãos, e que o material em falta poderia impedir de o fazer, etc. Desculpas de arrependimento. O pior é que o arrependimento é próprio dos fracos!

Entrou novamente na loja e tratou com o Cardoso do que tinha a tratar como gente normal. Sempre se arranjou material substituto.

Rio de Janeiro. 1975.

Pouco depois de ter chegado ao Brasil, à procura de um carro para comprar, entro numa concessionária GM, ao fundo da Praia do Flamengo, que não existe mais porque ali hoje estão construídos uma série de prédios. No meio do salão um vendedor atende um outro cliente, barbado. Aguardo um pouco enquanto vou olhando os carros, que não apresentavam nada de novo de uma concessionária para outra, o que ainda hoje acontece, quando vejo o vendedor aproximar-se com o tal barbaças, e este, de repente:

- Olha o senhor Amorim. Que prazer em encontrá-lo aqui.

Olhei para aquela cara e disse-lhe:

- Estou a ver se reconheço alguém por detrás dessa barba, mas não vou lá!

Ele então virou-se para o vendedor da GM:

- Este homem deu-me um dia a maior lição da minha vida. Que eu nunca mais esqueci.

Era o Arnaldo. Obrigado a sair de Angola, como quase todos os angolanos de pele clara. Perdeu, como a maioria, quase tudo o que lá tinha, inclusive o tal equipamento. Como nos últimos anos conseguira juntar uns dinheiros, estava com algum respaldo para recomeçar vida nova no Brasil. Contou a história toda, passada em Luanda, quando foi posto fora da loja, que eu entretanto havia muito já nem lembrava, mas que depois daquela narração, feita pelo próprio, com um sabor real de verdade e saudade, não mais esqueci.

Demos um abraço forte, e depois disso nunca mais o voltei a ver. Era um bom profissional e de certeza não terá tido dificuldade em refazer a sua vida no novo país.

A lição que não esqueceu deve tê-lo ajudado a começar tudo de novo.

Espero bem que sim, e que esteja rico outra vez.

Sempre este caso me remete ao Cardoso que, pelas duas vezes que voltei a Angola em 1991, já não encontrei. Ótimo colega, tranquilo e eficiente. Um amigo.

******

Mais encontro e uma pequena história ligada às artes gráficas e ao meu tempo com o J. Pinto.

O Zé Pinto, começou a sua vida em Angola com material fotográfico. Dava-lhe para viver, mas era coisa pequena. Como tinha trabalhado primeiro, no Porto, empregado dum amigo que eu conhecia desde que nasci, fizemos conhecimento e amizade, e era a mim que chamava para que eu testasse produtos novos, como filmes, papeis para ampliar, máquinas fotográficas, etc. Acabei montando um estúdio em casa… no banheiro e fiz magníficas ampliações de fotos dos filhos, chegando a fotos com 50x60 cm. Começou em 1958!!!
Um dia recebe a proposta de
ser o agente para Angola do segundo maior grupo mundial de material fotográfico, a Agfa-Gevaert, e convida-me (já eu estava com a administração da Cuca atravessada na goela) para trabalhar com ele. Aceitei e fui gerir toda essa nova mercadoria, ficando o “patrão” com a parte financeira.

Só material fotográfico, mesmo que para amadores e profissionais, era um mercado pouco desafiador, e passei a interessar-me por artes gráficas, microscopia, raio x e outras especialidades, onde, para facilitar, não havia concorrentes habilitados. Passámos a ser os “chefes” incontestes dessas áreas.

Precisávamos de chapas de offset, para as gráficas, e a melhor de todas, - Ozazol - era vendida, quase por favor, pelo representante da Kodak, entretido com a marca maior da fotografia.

Decidi ir à Drupa - a maior exposição de equipamentos de impressão do mundo, realizada a cada quatro anos pela Messe Düsseldorf na Alemanha, procurar o que houvesse de melhor.

No dia em cheguei, fui, logo à Feira.

Eu a entrar e a sair um ex funcionário da Agfa, que eu havido conhecido dois anos antes, quando por lá andei a estagiar. Grande manifestação, o que faz por aqui, e lá contei que ia à procura de chapas offset.

Diz-me ele:

- Já não estou mais na Agfa. E tenho uma notícia boa: sou o gerente de exportação para África das chapas Ozazol! Mas agora tenho que sair. Amanhã de manhã venha ao nosso stand para conversarmos.

Fiquei até meio tonto. Ainda não tinha entrado na Feira e estava já com o indivíduo que mais me interessava contatar! Não precisava pesquisar mais nada. Mas entretanto fiquei o resto do dia na Feira, meti o nariz em tudo, onde sempre muito se aprende e guardei contatos para negócios futuros.

No dia seguinte tinha conseguido as melhores chapas! Um tiro na mosca!

*****

Vem a propósito de material fotográfico para utilizações muito especiais, um dos clientes, a Força Aérea. Filmes e material especial para fotografia aérea para fins cartográficos.

Visitei algumas vezes este cliente e era recebido por um funcionário, técnico, sempre mal encarado, ar de favor, mas como a nossa troca de ideias era somente técnica, acabávamos por nos entendermos.

Um dia este indivíduo, o Esdras, vai à nossa loja (J. Pinto) para falar comigo. Pensei que fosse sobre algum problema de filmes, mas ele foi direto a outro assunto.

Estava farto de trabalhar na Força Aérea, era cansativo, ele nem militar era, mas contratado, e queria sair de lá. Vinha oferecer-se para trabalhar conosco. Vendedor.

Eu fui direto:

- Esdras. Você é um sujeito rude, mal encarado, como pode conciliar esse seu feitio com o de um vendedor? Não estou a ver que se possa dar bem.

Parece ter levado um choque com a frieza com que o recebi. Digeriu a minha resposta e voltou:

- Eu posso tentar modificar-me.

Gostei da resposta. Humilde e sincera.

- Vamos fazer uma experiência. Você não se despede da F.A. Pede um mês de férias, a que tem direito e vem trabalhar esse mês conosco. Se ao fim desse tempo, você gostar e nós acharmos que está a fazer um bom trabalho, voltamos a conversar.

E assim foi. No final do mês o Esdras foi admitido.

E quando eu saí do J. Pinto e montei uma empresa para essas mesmas finalidades, o Esdras despediu-se para ir trabalhar comigo! Tínhamos nos entendido muito bem, e era um ótimo colaborador.

Entretanto em em 1971, já eu estava no banco em Luanda, e a empresa que abri com dois amigos, a REPRO, caminhava muito bem, sem termos roubado nenhuma representação ao J. Pinto, eu fui transferido para Moçambique para trabalhar na Mac-Mahon (cerveja e Coca-Cola) e não lembro mais de ter voltado a ver o meu amigo Esdras.

Onde quer que esteja um forte abraço, mesmo etéreo.


* Calcinhas – termo angolano que significa “homem modesto fazendo-se importante”

** Tunda – também termo angolano que significa “fora, sai, rua.”


Ainda faltam uns poucos Encontros.


16/05/22




segunda-feira, 9 de maio de 2022

 

ENCONTROS INESPERADOS – 3


Em anteriores páginas do blog, contei alguns dos mais curiosos “encontros inesperados” que se passaram durante a minha vida, e fui deixando prever que haveria mais. E há. Alguns com muito interesse e/ou graça. Aproveito para voltar a dar uma visão de cada um dos “encontrados”, mesmo que já o tenha feito antes.

Vou começar por um que mostra o quanto cada um espera para dar o seu troco nas “ventas” de miseráveis funcionários.

Luanda – 1963 (?)

Estava eu na Cuca e um cliente do interior foi à cidade, onde só se demoraria um dia e combinamos um encontro depois do jantar num salão de bilhares, que havia no primeiro andar dum prédio na rua Rainha Ginga mesmo ao lado da loja de artigos de desporto na esquina.

Lá fui no meu carro, mas tinha havido um acidente com um caminhão que perdera os freios na descida “da Robert Hudson” (rua Cirilo Conceição e Silva) e fora esbarrar e entrar por aquela loja, felizmente a horas tardias, ninguém na loja, não havendo acidentes pessoais.

Muito curioso à volta, os habituais babacas que ficam parados a olhar para… nada, eu tento, bem devagar passar entre eles para estacionar em frente do prédio dos bilhares.

Dois “importantes” à paisana proíbem-me de passar, apesar de haver diversos lugares para carros pararem. Chateado, arranco com o carro, ando cem metros num declive acentuado (desce 10 metros em 100!), paro no sinal vermelho em baixo, e vou dar a volta ao quarteirão para estacionar onde queria.

Assim que estaciono os mesmos dois importantes sujeitos abordam-me e pedem-me os documentos.

- Quem são vocês para me pedirem documentos? E a propósito de quê?

- Somos os dois chefes de polícia e o senhor estacionou onde não devia.

- Onde está a placa a proibir o estacionamento? E os documentos, “chefes” de polícia?

- Somos nós que estamos a controlar a situação do acidente do caminhão.

- Ora passem bem.

Virei-lhes as costas e fui fazer o que ali me levara.

Poucos meses passaram recebo, pelo correio, um aviso de multa! Fdp estavam melindrados. Esqueci.

Passado mais um tempo uma convocatória para ir a tribunal pelo mesmo assunto.

Telefono a um amigo advogado para ir comigo. Não podia, porque tinha outro julgamento à mesma hora, em outro lugar.

- Deixa. É tão evidente o caso, que eu vou sozinho.

No tribunal, o juiz sentado num estrado bem alto, os paisanos fardados, é lida a acusação:

- Desobedecer às ordens da polícia, e conduzir em alta velocidade!

Meus Deus, que barbaridade! Respondi:

- Meritíssimo o senhor conhece o local, acredita que alguém possa atingir algum excesso de velocidade ao descer 100 metros e parar no sinal vermelho? Além disso o que os policiais me disseram era que eu não podia estacionar naquele local, onde toda a gente estaciona.

Entretanto o juiz nomeia defensor oficioso um idiota qualquer que ali estava, e a quem foi dada a palavra para me defender, que disse somente:

- Não tenho nada a acrescentar.

Por fim o juiz pronuncia a sentença:

- Parece que efetivamente o senhor tem razão! (Evidente que tinha). Mas como foi autuado por dois chefes de polícia, confirmo a multa, custas do processo e 250$00 para o defensor oficioso.

Dei um pulo na cadeira, ao meu lado o funcionário do tribunal diz, voz baixa, para eu não reclamar que podia ser preso por desacato.

Saí de lá com vontade de bater em alguém e encontro o miserável “defensor”. Deito-lhe a mão à camisa:

- Seu miserável passe para cá os 250$00. Você não diz uma palavra para me defender e vai levar esse dinheiro. Dê-me já esses 250 paus.

O cara tremia.

- Não tenho dinheiro comigo.

- Pois fique sabendo, quando receber eu vou atrás de você e vai ter que me pagar.

O desgraçado saiu dali correndo. Tive que pagar tudo, mas aquele juiz ficou-me atravessado na goela.

Uns tantos meses depois, quando da visita a Angola dos embaixadores de Inglaterra, o Governo ofereceu aos ilustres vcisitantes um “copo d’água” nos jardins do palácio, e eu fui convidado (a minha irmã, em Lisboa, era a secretária particular dos embaixadores).

A receber os convidados, um amigo meu, ajudante do governador, capitão António Costa Macedo. Quando entrei estava a receber um baixinho… o juiz! Perguntou-me:

- Conheces o dr. juiz…

- Conheci sim. Condenou-me depois de dizer que a razão estava do meu lado. Não aperto a mão a gente dessa.

Virei-lhe as costas, e mais tarde fui pedir ao meu amigo que me desculpasse ter feito aquela cena em frente dele.

Mas foi um “encontro” em que limpei um pouco do fel que me ficara do miserável baixinho.

Luanda – 1962 (?)

Andando numa rua de Luanda estranhei ver aparecer na minha frente um amigo de infância que não via há muitos anos, e sabia que ele vivia em Lisboa. Um bom abraço, o que fazes por aqui, etc.

Contou-me então que um grupo de amigos a tomarem café na Brasileira do Chiado, comentavam a guerra há pouco começada em Angola. Todos “muito patriotas”, tipo um por todos, todos por um, resolveram em conversa de bravata, criar uma “força voluntária” para ir lutar.

No dia seguinte... o único que se ofereceu foi este amigo! Os outros amarelaram!

Mobilizado, chega a Luanda como tenente, e vai despachado para Cabinda. Levou o seu carrinho, em invejável MG TC 1947, a sua boa disposição e o seu jeito especial para desenho e caricaturas.

Contratei logo com ele que fizesse uns quadros com piadas para propaganda da Cuca. Fez, muita coisa, entre elas uma série que ainda lembro com o tema “Antes de… uma Cuca”, com três quadros cada. Começa com um casamento: no primeiro quadro os noivos, no segundo eles em casa a despirem-se e o terceiro o noivo a dizer: “Antes de… uma Cuca”!

Em Cabinda, onde ficou quase dois anos, nos serviços administrativos – já não tinha idade para andar na mata, aos tiros – pintou até uma empena de um prédio (uma garrafa da Cuca), e para cuidar da sua roupa e apartamento, contratou uma lavadeira, mulher da região.

Fez contas quanto iria gastar em dois anos e concluiu que saía mais em conta casar com ela! Falou com os pais que exigiram o alembamento tradicional – tributo prestado pelo noivo à família da noiva – composto de garrafões de vinho, panos, farinha, algum dinheiro, talvez facas, e no Sul até vacas – e levou a esposa para casa! Não foi para dormir com ele mas para o servir no pequeno quarto onde vivia, r fazer o mesmo trabalho que já fazia em solteira !

Nas vésperas de ser desmobilizado, foi reclamar com a família que a “esposa” o traía com qualquer um e ia devolvê-la, para o que queria o alembamento de volta! Recebeu um garrafão de vinho que bebeu com a já ex-família, e regressou a Portugal.

Era um indivíduo com uma graça especial. Conhecedor e colecionador de cerâmica e antiguidades, escreveu sobre Portugal – Extremadura, Alentejo, Minho, gastronomia, etc., - todos com muito interesse.

Irrequieto, poeta e brincalhão, a última vez que o vi estava já muito doente.

Mais um amigo a não esquecer. Quito. Francisco Hipólito Raposo.

Luanda - 1969

Lá pelos anos 60 e tais estávamos a viver em Luanda. Vez por outra juntavam-se uns amigos e amigas e saía uma grande noite de fados na nossa casa, farras de que já falei aqui no blog, e que sempre me enchem o coração de saudade, mais ainda lembrando que a maioria dos convivas já está a descansar.

Eram belas noitadas, rodeados de gente amiga, bons fados e muito boa disposição.

Numa dessas farras, lá pela meia-noite chegou um retardatário, o muito querido Eduardo Cruz de Carvalho. Tinha estado ocupado, etc., e levava com ele um amigo. Amigo do amigo é, foi recebido com a mesma sem cerimónia habitual, e entrosado como qualquer dos outros.

Infelizmente esqueci o nome dele. Militar, tenente-coronel, aí uns 15 anos mais do que eu, estava a comandar o Batalhão de Transmissões em Luanda.

Conversa vai e vem, soube que era do Porto. E de Cedofeita! Como eu, e lembrava-se do nosso nome, Gomes de Amorim. Coincidência. Também já não sei como, de repente percebi quem ele era, e perguntei-lhe se tinha casado com uma filha do senhor José Rosas, talvez o dono da melhor ourivesaria do Porto, muito amigo do meu pai, quando por lá vivemos na primeira metade dos anos 30.

Era ele.

Mas surpresa maior chegou quando lhe disse que, teria eu uns 9 ou 10 anos, já vivendo em Lisboa, tinha ido ao Porto (1941?) com o meu pai e a minha irmã Zé, ao casamento dele! E mais, foi a minha irmã que levou ao altar as alianças dos noivos.

Foi uma alegria. Como comandante das Transmissões tinha o carro equipado com um rádio especial, e logo fomos, mesmo àquela hora tardia, tentar ligação para casa dele, no Porto, e contar isso à mulher. Não funcionou porque naquele lugar, o rádio não apanhava bem. Ele disse que ia todos os dias, no começo da noite, à ponta de Ilha e de lá falava lindamente. Foi pena.

Uns dias depois voltou, a dizer que lhe tinha falado, e ela lembrava-se sobretudo da menina que tinha entregue as alianças. Teria uns 7 ou 8 anos.

Passou a ser mais um conviva que algumas vezes mais apareceu lá em casa, sobretudo às quartas feiras, dia habitual do almoço dos solteiros. Terminou a comissão de serviço e nunca mais soube dele.

Só anos mais tarde encontrei, num site de genealogia o seu nome: Mário Pinto da Fonseca Leitão!

O tempo rolou. Há quase quatro anos fui almoçar com o Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, Jaime Van Zeller Leitão. Um almoço muito agradável, muita descontração e simpatia, mas na ocasião nem me lembrava já do outro senhor Leitão. Conversámos sobre diversas coisas, mas nada de genealogia.

O Embaixador está hoje em outro país, ambos os nomes de repente assomaram aos meus gastos neurónios e decidi escrever-lhe para saber se haveria algum parentesco. Algo me dizia que sim!!!

Embaixador

Não sei se se recorda de mim: Francisco Gomes de Amorim. Estivemos almoçando, (em finais de 2018) no Palácio, no Rio, com a Embaixatriz Sofia Pinto da França.

Aliás foram momentos muito agradáveis que ali passámos.

O pedido que venho fazer-lhe é muito simples e nada tem a ver com serviços oficiais!

Há muitos anos, aí por 1969, encontrei-me em Luanda com um militar, Mário Leitão., que era casado com uma filha do conhecido ourives do Porto, José Rosas

A pergunta é simples: seria da sua família?

Fico-lhe muito agradecido se me puder responder, até porque esse encontro se revestiu de situações muito curiosas.

Os meus cumprimentos a sua Senhora e peço-lhe que aceite um abraço

Francisco

Não tardou a chegar uma simpática e alegre resposta:


Caro Francisco Gomes de Amorim

Apreciei  ter notícias suas e fico satisfeito por saber que guarda simpáticas lembranças daquela varanda.

 Quanto ao parentesco aqui vão algumas notas.

O Mário Leitão, a que se refere, era de facto primo do meu Pai em terceiro grau, dando –se a coincidência de que a Mulher dele, Helena Ramos-Pinto Rosas, era Prima ainda mais próxima uma vez que tinha com o meu Pai a mesma Avó,  Virgínia de Castro, que casou em primeiras núpcias com o meu bisavô Narciso Leitão (irmão do Avô do referido Mário), joalheiro, e, depois de enviuvar, casou com António Ramos-Pinto (dos vinhos), dos quais foi filha Maria Antónia casada com o joalheiro Rosas, portanto sogros do Mário Leitão. Aí tem pois uma confusão de Leitões e Pintos, enfeitados com joias, a comer em malgas de prata, regadas a bom vinho com perfume a flores.

Um abraço,    

Jaime Leitão

Magnífica resposta, cheia de informações e um humor que me fez rir com vontade. Claro que já escrevi a agradecer!

Rio – 1979

Em Julho fizemos Bodas de Prata, e a todos aqueles que tinham estado no nosso casamento, mandamos um simples convite para se juntarem a nós. A totalidade vivia em Portugal, mas foi um meio de comunicarmos com esses amigos.

Estávamos viver em São Paulo, e eu, a fazer pela vida, a trabalhar no Rio, durante um estafante ano e meio.

As finanças da empresa eram um desastre – acabou em outro… total – e eu tinha que me deslocar aos bancos, fazer aquele chorinho, porque ainda não tinha aprendido a viver no Brasil, isto é, a sonegar o mais que é possível. E assim uma semana o dinheiro ia todo para um imposto, na outra para o pessoal, a seguir o custo social do pessoal, depois outro imposto, e não sobrava uma migalha. Pelo contrário. Uma canseira sem ver o fim do inferno.

Estou no Centro do Rio, rua do Ouvidor, rua cheia de bancos e cheia de pedestres, às centenas, e tinha que falar com dois dos membros da alta agiotagem nacional e internacional. Passo por um, sigo em frente, mas pensei que seria melhor voltar atrás. Rodo 180 graus e estacado na minha frente, para não chocar comigo, um dos meus maiores amigos de toda a vida, alfacinha (lisboeta), com quem sempre estou quando vou à terrinha.

- TONI ??? Aqui?

- Cheguei ontem de Lisboa e amanhã vou para São Paulo. Tenho até aqui no bolso o teu convite das Bodas. Ia telefonar-te logo à noite.

Já não fui a banco nenhum. Entramos no primeiro boteco ou pastelaria e ali ficamos um bom tempo no papo.

Pois o Toni, António Tavares de Carvalho, padrinho de uma das nossas filhas, tinha vindo ao Rio para negociar livros, ele talvez o mais famoso bibliófilo português, que, na nossa mocidade me emprestava a sua bicicleta (eu não tinha, nem dinheiro para isso) para ir de Sintra a Santo Amora de Oeiras ver a pretendida, que acabou por cair na minha conversa… até hoje!

Ao chegar a São Paulo havia greve de taxis! Uma simpática (très simpática) garota abordou-o ofereceu-se para o conduzir no seu carro - tipo “Uber” de hoje. A “Dildinha” - ou nome algo parecido – que viu no sujeito, todo lord, uma bela presa, não largou mais o passageiro. Creio até que o levava ao hotel, estacionava o carro, descia com ele e depois subia com ele até ao quarto, mas não vou garantir porque não sou de fofocas, nem tenho nada com isso.

Sei que o Toni, todos os dias enquanto esteve em SP, a partir de meio da tarde ia para nossa casa, jantava, e só de lá saía, à noite, quando nós nos queríamos ir deitar e o obrigávamos a telefonar à Dildinha que o ia buscar e...

Um dia, domingo, tive que ir visitar, fora de São Paulo um importante cliente (meu), rico, casarão num sítio imenso. Levei o Toni comigo e o senhor muito amável convidou-nos para almoçar.

A casa cheia, uma filhinha pré casadoira, bonitinha, e o preposto noivo, que se apresentou, mas o Toni não ouviu o nome dele e perguntou-me. Eu disse-lhe:

- Não é Dalton.

Logo o Toni:

- É Robespierre.

Era. Ficaram todos com ar de espanto sem entender como ele poderia ter adivinhado!

Meu querido Toni, possas tu ler este pequenino apanhado das nossas vidas, que tanto teriam para contar.


Vejam lá se não é bom guardar estes encontros, mesmo que lembre que o tal juiz miserável com medo dos polícias, que me traga uma saudade grande do Quito, descobrir como o mundo é pequeno, quando ao fim de mais de meio século venho a conhecer melhor dois Leitão, e quando quase choco de barriga com um como irmão!


Tem mais “Encontros”. Daqui a alguns dias.


08/05/22

quinta-feira, 5 de maio de 2022

 

Dois Livros

Tão diferentes e tão interessantes


Há cerca de dois meses, estando em Portugal, foram-me oferecidos dois livros de grande qualidade, além daqueles a que já me referi, do grande jornalista/poeta/escritor e amigo Ricardo de Saavedra.

No regresso a casa vinha de tal forma cansado que levei alguns dias primeiro que baixasse a poeira da cabeça para começar… a soletrar! Finalmente recuperei e fui lendo tudo cada vez com mais interesse e mais tristeza por ver que não tardava a ficar sem esse prazer. Os bons livros terminam rápido!


Arquitetura, Política e Representação

Começo por mencionar o livro “Três Embaixadas Portuguesas”, porque se refere aos irmãos Rebelo de Andrade (Carlos e Guilherme), primos direitos do meu pai, que eu conheci muito bem (o que não admira, já estou com 90 anos!) que me foi oferecido por uma das netas do Carlos, sobrinha querida.

O autor é arquiteto, doutorado, professor da Faculdade de Arquitetura do Porto, Dr. Luis Soares Carneiro, e o livro editado por Almedina.

Não sou arquiteto e, apesar de me ter sensibilizado a oferta, fiquei na dúvida se teria folego para ler “aquilo” tudo!

Como gosto de ler qualquer livro, bom, desde a primeira página, após o Prefácio e a Introdução, não o larguei mais, e além de me ir “encontrando” com os primos, ainda lá vi o Dr. Armindo Monteiro que também conheci (fui muito amigos de dois dos seus filhos), o que deu para misturar uma brilhante descrição das arquiteturas ali descritas, como escreveu, e muito bem, com a politiquice que sempre existiu em Portugal, hoje, infelizmente mais acerbada com a força destruidora das esquerdas.

Das Três Embaixadas só conheço o “Palácio” do Rio - aqui vivo desde 1975 – onde estive em 1976/77 com o então Consul Geral e depois Embaixador e grande amigo António Pinto da França, bem mais tarde lá jantei, era já o consul com status de embaixador, António Tanger, e, há pouco mais de três anos acompanhando a nossa hóspede, Embaixatriz Sofia Pinto da França, almoçamos com o Embaixador Jaime Leitão. Sempre encantado com aquele interior grandioso.

Como bem diz, aquela casa é um palácio, imensamente admirado por todos, e a nova área da Chancelaria para os serviços burocráticos, onde tive que ir também renovar o passaporte, é notável. Muito bem arquitetada, em nada interfere com o “palácio”, com a solução de ter o teto a fornecer toda a iluminação necessária.

Na arquitetura, tenho um filho e uma nora, mais dedicados a interiores, e os velhos primos de quem me lembro muito bem, assim como dos descendentes do Guilherme, alguns quais foram muito chegados. Filhos do Guilherme e Carlos já todos descansam. Bem mais velhos do que eu.

A leitura do livro foi um prazer, penetrar nas tramas e nas vaidades de cada um, esquecendo o objetivo principal que é o serviço ao país, o que parece ser cada vez mais evidente.

Imagino a habilidade do Guilherme, espírito muito vivo e alegre (como me lembro dele) para aguentar toda a luta que teve.

Parabéns pelo livro. Muito interessante, para um público restrito, mas uma boa página da nossa história.

Prof. Luis Soares Carneiro, aceite os meus cumprimentos.

N.- Quem estiver interessado, pela Internet custa só 12,00. Em Portugal.



*********

Depois de tanta obra e tanta politicada, vamo-nos sentar numa daquelas poltronas Luis XV e apreciar o que há de melhor no campo da enologia. Leiam bem o que vem a seguir.

Vinho, Qualidade e Elegância

O outro livro, também oferecido por uma já célebre jornalista, escritora, dinamizadora do enoturismo e, como se na Internet, colabora frequentemente com várias publicações, é membro de júri de diversos concursos de vinho e gastronomia nacionais e internacionais, e é autora de livros, entre os quais «Memórias do Vinho» e «Guia do Enoturismo em Portugal», este último premiado o melhor do mundo nos Gourmand Awards. Foi condecorada pela Ordem Soberana dos Cavaleiros de Santo Urbano e São Vicente e é membro da prestigiada Confraria do Vinho do Porto. Em 2009, lançou o seu site www.mariajoaodealmeida.com, uma referência nas áreas dos vinhos, gastronomia e turismo, e a VinhoTV, o primeiro canal on-line dedicado ao vinho na web. É ainda formadora de cursos de prova de vinhos e editora da revista Escanção.

Enfim uma sobrinha mais célebre do que o presidente dos EUA. Merecido.

Há muitas obras de arte bibliográficas magnificamente ilustradas, como a Bíblia dos Jerónimos (sete volumes, sec. XV), o livro do Beato de Liébana (sec. XII), O Martirológico de Usuardo (c. 1400) e até o Theriaka e Alexispharmaka de Nicandro (sec. X), mas não há nenhum que se compare com o presente que recebi. Capa de madeira, rótulo em bronze, ótima impressão, fotos de fazer roer as unhas, e o estilo da escrita direto, técnico, impecável que nos leva a procurar saborear aquelas “pomadas” via holografia espiritual!

E assim tive que escrever à autora:

Tenho a comunicar-lhe, hoje, 24 de Abril, véspera da catástrofe que aconteceu em 1974, o seguinte:

Não há o direito de escrever e, sobretudo publicar, um livro como o 

“100 GRANDES VINHOS DE PORTUGAL

 a que eu chamo “100 VINHOS MUITO PORREIROS” !!!

É um desaforo a quem vive com o fundo dos bolsos mais secos do que garrafa vazia.

Fica-se deslumbrado, agoniado, irritado, chateado e, como é evidente, admirado. E, vá lá, invejoso e frustrado!

O palato é enganado em 100 páginas, magnificamente descritas e outras tantas com imagens que só servem para quem, como eu, longe desse eflúvios divinos está longe física e financeiramente.

A edição é sublime, lindíssima, uma obra de arte. Mas ler e deixar o cérebro seguir as batonnages e as maloláticas, para se enganar no fim com o paladar estruturado, o final longo e persistente, o aveludado, o complexo e evolvente, etc., são um castigo para quem a seguir tem que sujeitar ao vinhozinho corrente, apesar de honesto, mas onde não persiste coisa alguma, nem é aveludado nem persistente!
E o prazer de ler e apreciar a beleza das imagens deixa uma sensação de frustração que nem a hipótese de ganhar a loteria poderia resolver.

Moral da história, vê-se como Portugal tem crescido em qualidade e quantidade, que há mais enólogos do que vinhas, dezenas, centenas de jovens e antigos produtores, alguns que fazem a festa com o “Gran Vin” num 1 hectare de vinha, outro que só produz o melhor nos anos “bãos” mas não enche mais do 27 garrafas, e eu fico a pensar: “Aqueles gajos bebem bem, mas é só para eles”.

E ficam a ranger os dentes aqueles que, ou vivem longe e pior de finanças apertadas sem conseguirem nem chegar perto das preciosidades ali descritas.

Pior ainda no Brasil onde só de impostos o vinha para aqui entrar paga uns 30% de impostos, e os importadores, distribuidores, vendedores, e retalhistas, que todos têm famílias para alimentar ( e devem comer muito bem) transformam estes desejados nectares em objetos como o Santo Graal: muito se fale nele, mas ninguém o encontra.

É como querer oferecer uma joia à garota que conquistou seu coração - e o resto - e não ter dinheiro para comprar o “Koh-í-noor” ! Muitas vezes nem para uma simples flor!

Quando acabei de ler o livro, lindo, uma obra de arte, estavam de parabéns a autora, o fotógrafo e a editora.

Maria João, muito, muito obrigado por esta joia bibliográfica. Vou até lamber as fotos! Talvez tenha lá umas gotinhas...


04/05/022