No Afeganistão
Este texto foi escrito em 2014 e perdido, ou esquecido, dentro do computador... até hoje.
Aqui vai, sem retoques, mas um imenso desejo que muitas situações já tenham sido alteradas ou comecem a ser
A notícia despertou a curiosidade e ao fim duma
série de troca de informações, que começou com o prório jornal, foi possível
reconstituir a história.
Dr. David, natural daquela cidade, jovem médico, judeu,
fora incorporado no exército para servir por dois anos no Afeganistão. Como
todos os que por lá procuram defender a liberdade, David trabalhava num pequeno
hospital de campanha perto de Qoliapol, Mizarka, junto a um posto de controle
na estrada de acesso a Kabul.
A região, a seguir ao posto era praticamente
dominada pelos talibãs, e portanto de difícil ou quase impossível acesso.
Um dia, o sol a caminho do poente, uma pequena
camionete que para lá se dirigia, parou no controle, desceram os homens e
mulheres que nela seguiam, e após vistoria foi mandada seguir.
A cerca de meia milha dali a estrada minada, a
camionete acerta uma das minas e foi atirada ao ar, desfazendo-se. Do posto saiu
logo uma patrulha, e uma ambulância com o Dr. David e um colega afegão Dr. Issur Danielovitch;
ao chegarem, o espetáculo era lastimável: um homem, e uma garota que aparentava
uns doze, treze anos, mortos, um outro gravemente ferido, além duma mulher e
duas adolescentes também muito feridas, com as burcas rasgadas e
ensanguentadas..
Segundo a macabra lei imposta pelos Talibãs é
proibido às mulheres serem tratadas por médicos homens, o que o médico afegão
lembrou a David, que lhe respondeu e perguntou:
- Tratamos desta gente ou vamos embora e os
deixamos aqui a morrer?
Carregaram os quatro feridos e não quiseram saber
de leis bestas.
No hospital as enfermeiras despiram e prepararam a
mulher e as duas adolescentes, que já usavam também a maldita burka, para que
os médicos depois cuidassem delas.
O homem tinha uma perna toda esfacelada, que foi
amputada, e uma série de estilhaços espalhados pelo corpo. O estado dele era desesperador.
Ao fim de muitas horas de trabalho foi possível salvar-lhe a vida.
As mulheres não estavam em estado muito melhor, com
exceção da mais nova só com um braço fraturado. As outras tiveram intervenções
bem mais complicadas, mas depois de ter nascido um novo dia todas estavam fora
de perigo.
O problema que se punha a seguir era o saber-se que
se elas regressassem para junto dos seus, uma vez que tinham sido tratadas por
homens médicos, a sua sorte estava traçada: morte.
Posto o problema ao comandante do regimento em que
David estava integrado, a única solução encontrada era dar-lhes asilo político
e levá-las para os Estados Unidos, se elas explicitamente requeressem.
Mulheres, sinónimo de escravas nos
fundamentalistas, logo que começaram a recobrar consciência, pediam por Alá que
não as devolvessem aos talibãs. Sabiam da sorte que as aguardava.
Assim que possível foram transferidas para o
hospital em Kabul, em total segredo e nomes falsos para evitar que os selvagens
as fossem ali matar, onde ficaram em convalescença.
O homem, Abdul
Kalili, com cerca de cinquenta anos, e não guerrilheiro, foi
também transferido para Kabul e não quis mais voltar à sua terra. Quando teve
alta, agradeceu muito, de joelhos, aos médicos que o salvaram, e que lhe colocaram
uma prótese provisória, sumiu da cidade e não se soube mais do seu paradeiro.
Como para qualquer dos feridos a recuperação foi
lenta, deu tempo a que se requeresse o seu estatuto de refugiados políticos
que, contra o habitual, foi rapidamente concedido.
Punha-se depois outro problema: o que fariam uma
mulher e duas jovens, acolhidas num país de que desconheciam tudo, sobretudo a
língua, para sobreviver?
Mais uma vez o Dr. David, repete-se, judeu, falou
com a sua família e pediu que recolhesse estas mulheres. Muçulmanas, mas nem
por isso deixavam de ser seres humanos.
Zarguna, a mãe, Rahime,
Nilofar, embarcaram para os Estados Unidos todas com novas identidades para que
as não pudessem mais encontrar, e foram recebidas em casa dos pais do Dr.
David, criando na pequena cidade de Orangeburg quase uma revolução! Nunca
alguém daquela cidade havia visto gente do Afeganistão e todos queriam ver como
eram aquelas desgraçadas que eram obrigadas a usar vestes mais infames do que
eles tinham dado aos escravos.
Foi grande o espanto ao
verem uma mulher interessante, alta, que não conseguia mais do que chorar, e as
duas garotas, suas filhas, sempre bonitas nas idades de dezesseis e dezoito
anos.
Não tardou muito que
aparecesse no mesmo posto de controle no Afeganistão um homem, aparentando uns
cinquenta anos, que queria falar com o médico americano. Minuciosamente
revistado pelos soldados, foi levado até ao hospital de campanha e recebido
pelo Dr. David. Queria falar-lhe, a sós, mas foi necessária a presença do Dr.
Issur, como intérprete.
Zalmai Musa, o seu nome, era o chefe talibã daquela
região de combate. Sabia que contrariando as leis dos talibãs, a sua mulher e
as duas filhas tinham sido salvas por um médico homem, e o que mais o admirava
era saber que esse homem era judeu.
Quando soube, a sua primeira vontade foi preparar um
ataque ao hospital, o que teria sido extremamente difícil porque estava bem
guarnecido de tropas, mas à medida que ia pensando nisso o seu coração amainava
e estava feliz sabendo que a família, sem essa intervenção teria morrido.
Vinha agradecer e também sabendo que não podia
voltar para trás, porque seria considerado traidor e certamente morto.
Como fazer para se juntar à família? Tinha concluído
que aquela guerra era uma bestialidade.
O caso dele era bem mais complicado, sobretudo por
ter sido sempre um ativo guerrilheiro, o que dificultaria a obtenção do
estatuto de refugiado.
O Dr. David disse-lhe que se quisesse escrever à
família faria o possível por lhes fazer chegar a carta às mãos, mas nem sabia
do seu paradeiro, depois recomendou-lhe que fosse para Kabul apresentar o seu
problema pessoal à embaixada dos EUA, sabendo que o assunto seria de duvidosa
solução.
O Dr. David, quando me forneceu todas estas informações,
tinha perdido o contato com Zalmai Musa, e as três mulheres também já não
estavam a viver com os pais dele, mas sabia que estavam bem, tendo as duas
garotas até casado com americanos, um deles de origem afegã.
9-mai-14
Só
para se ver o inferno comandado pelos covardes, que tão abertamente mostram o
medo que os “machos islamitas” têm da emancipação das mulheres:
1. É
absolutamente proibido às mulheres qualquer tipo de trabalho fora de casa,
incluindo professoras, médicas, enfermeiras, engenheiras etc.
2. É
proibido às mulheres andar nas ruas sem a companhia de um “mahram” (pai, irmão
ou marido).
3. É
proibido falar com vendedores homens.
4. É
proibido ser tratada por médicos homens.
5. É
proibido o estudo em escolas, universidades ou qualquer outra instituição
educacional.
6. É
obrigatório o uso do véu completo (Burqa) que cobre a mulher dos pés à cabeça.
7. É
permitido chicotear, bater ou agredir verbalmente as mulheres que não estiverem
usando as roupas adequadas (burqa) ou que estejam agindo em discordância com o
que o Talebã quer, ou ainda que esteja sem seu “mahram”.
8. É
permitido chicotear mulheres em público se não estiverem com seus calcanhares
cobertos.
9. É
permitido jogar pedras publicamente em mulheres que tenham tido sexo fora do
casamento (vários amantes foram apedrejados até a morte).
10.
É proibido qualquer tipo de maquiagem (muitas mulheres tiveram seus dedos
cortados por pintar as unhas).
11.
É proibido falar ou apertar as mãos de estranhos.
12.
É proibido à mulher rir alto (nenhum estranho pode sequer ouvir a voz da
mulher).
13.
É proibido usar saltos altos que possam produzir sons enquanto andam, já que é
proibido a qualquer homem ouvir os passos de uma mulher.
14.
A mulher não pode usar táxi sem a companhia de um “mahram”.
15.
É proibida a presença de mulheres em rádios, televisão ou qualquer outro meio
de comunicação.
16.
É proibido às mulheres qualquer tipo de esporte ou mesmo entrar em clubes e
locais esportivos.
17.
É proibido às mulheres andar de bicicleta ou motocicleta, mesmo com seus
“mahrams”.
18.
É proibido o uso de roupas que sejam coloridas ou, em suas palavras, “que
tenham cores sexualmente atrativas”.
19.
É proibida a participação de mulheres em festividades.
20.
As mulheres estão proibidas de lavar roupas nos rios ou locais públicos.
21.
Todos os lugares com a palavra “mulher” devem ter seus nomes modificados; por
exemplo: “o jardim da mulher” deve passar a se chamar “jardim da primavera”.
22.
As mulheres são proibidas de aparecer nas varandas de suas casas.
23.
Todas as janelas devem ser pintadas de modo às mulheres não serem vistas dentro
de casa por quem estiver fora.
24.
Os alfaiates são proibidos de costurar roupas para mulheres.
25.
Mulheres são proibidas de usar os banheiros públicos (a maioria não tem
banheiro em casa).
26.
Ônibus públicos são divididos em dois tipos, para homens e mulheres. Os dois
não podem viajar em um mesmo ônibus.
27.
É proibido o uso de calças compridas mesmo debaixo do véu.
28.
Mulheres não podem se deixar fotografar ou filmar.
29.
Fotos de mulheres não podem ser impressas em jornais, livros ou revistas ou
penduradas em casas e lojas.
30.
O testemunho de uma mulher vale a metade do testemunho masculino; a mulher não
pode recorrer à Corte diretamente – isso tem que ser feito por um membro
masculino da sua família.
31.
É proibido às mulheres cantar.
30.
É proibido a homens e mulheres ouvir música.
31.
É completamente proibido assistir filmes, televisão, ou vídeo.
18/11/2021
Obrigada, Francisco, por mais um contributo para a nossa reflexão. Estamos, muito rapidamente, a esquecer-nos que pertencemos ao grupo dos Homo Sapiens, sapiens. Mais que agirmos como se tivéssemos sido privados da mais leve centelha de humanidade, estamos perigosamente a atingir o nível de irracionalidade das mais feras bestas.
ResponderExcluirGrato e saudoso abraço. Helena