quinta-feira, 11 de novembro de 2021

 

Encontro com Caronte

 

Ontem foi um daqueles jours para esquecer. Tinha passado uma noite sem dormir, sentindo-me mal, mas sem dores, sem febre, com o coração batendo dentro dos parâmetros normais.

Durante a manhã quis dormir antes do almoço, e nada. Depois tentei a sesta e... nada. Só queria dormir um pouco.

Estava muito cansado, com frio, mesmo bem agasalhado, uma fraqueza absurda, tentando entender o que se passava comigo. Telefonei ao médico, que não consegui encontrar, e não me atrevi a ir ao hospital porque me lembrei do que aconteceu com o Carlos Lacerda. (Um político brasileiro, sempre na oposição a tudo, esteve exilado, regressou com a anistia e, com 63 anos sentia-me muito cansado. 1977. Decidiu ir passar um fim de semana na clínica de um médico amigo, para descansar. Entrou, e não se sabe bem como, adormeceu... até hoje!).

Eu fiz de forma diferente. A meio da tarde depois de ter pesquisado tudo na internet (onde se aprende um bocado de choses) pesquisando até se não seria o fim da picada, a tal SEPSE (que não me atrevo a dizer o que é para não assustar ninguém). Mas como não coincidiam os sintomas, Grazie a Dio, decidi que não me entregava assim sem dar luta.

Levantei-me, fui andar no jardim, quase duas horas, e sentia que ia melhorando um pouco. Pouco, mas era já positivo,

Nesse meio tempo apercebo-me que no meio de uma escuridão surgia uma fraca luz que se ia aproximando. Vinha na proa de uma barca, uma candeia de luz amarelada e triste que parecia sair de um túnel.

A bordo um só homem, velho, milenar, que não foi difícil reconhecer: Caronte! Aquele cheira a mortos.

 Aqui já tinha apagado a luz!

 

Quando se aproximou fui logo dizendo ao velho barqueiro para Hades:

- Cumpadre, a mim nã me levas já!

- Vieni con me. È il tuo momento.

- No, non lo è. Torna tra qualche altro anno. (Eu já falava italiano como Dante!)

- Ma tu eri vecchio e malato.

- Vecchio ma vivo. Malata è tua madre.

Aí Caronte, irritou-se, porque falei da mãe dele. Mas como eu sabia que ele não podia sair da barca, afastei-me um pouco da margem, não fosse levar uma remada na cabeça, e soltei uma gargalhada. Caronte estava furioso. Tinha perdido uma viagem.

- Tornerò domani, maledetto.

- Vieni domani e avremo qualche bicchiere di vino toscano. Qui, a terra. Non sulla barca.

Caronte soltou um gritou, um grunhido de centos de decibéis, e começou a dar a volta para ir embora. Mas antes ameaçou:

- Hades ti sta aspettando. So che hai freddo e lì sarai sempre molto caldo.

- Grazie mille, ma carne grigliata preferisco mangiare qui.

Foi-se a barca, a escuridão clareou, eu voltei para dentro de casa e fui beber um copo, à minha saúde.

Comi umas frutas e fui-me deitar cedo.

Dormi doze horas e já mandei um e-mail ao Caronte a dizer-lhe que vai demorar para nos voltarmos a encontrar.

Assim o espero.

 

11/11/2021

 

5 comentários:

  1. Sem pressa meu querido tio, sem pressa.
    Tenho ouvido dizer que é muito dificil enviar textos pró lado de cá e a mim, os seus, continuam a fazer-me falta

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  2. Tio ainda me ri....ainda bem que deu conta desse barqueiro 🤣. Ainda bem que já se sente bem bjs

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  3. Adorei a sua conversa com Caronte Tio Chico.O barqueiro foi para outras freguesias, que aí ainda se fala de vida. Aliás, como dizia não sei que filósofo grego: "A morte não me diz respeito. Onde ela está eu não estou. Onde eu estou ela não está." Um grande abraço e brindemos à vida.

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  4. Alma até Almeida...! Votos de uma pronta recuperação .

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