quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

 

Um dos Últimos da Minha Juventude

 

Há muito que venho constatando que os 90 anos devem ser uma espécie de plano de Deus, porque raros são os que os passam e ainda se aguentam um pouco mais.
Eu, que estou já a trilhar essa senda, olho à volta, com os olhos húmidos, e dos tantos e bons amigos que tive, tantos anos, só cinco conseguiram passar essa “meta” a que chamo “o Cabo das Tormentas”!
Acabamos de perder mais um em vésperas de chegar aos 91.
Amigo dos mais chegados, um irmão que conheci teríamos uns 14 ou 15 anos, que viveu em Luanda, e de quem jamais nos separámos, porque era fundamental, nas idas a Portugal que estivéssemos juntos.
Uma das pessoas mais sociáveis que conheci. Um simples, daí o ser Grande, com quem tive largos e diversos momentos que nos levaram a lembrar histórias divertidas desses tempos, sabia como poucos receber em sua casa.
Dum primeiro casamento, que só terminou quando a mulher, querida amiga Leonor Verde, o deixou bem cedo, com o miserável Alzheimer, tiberam cinco filhos

 que continuam a ser sobrinhos queridos e como irmãos dos meus filhos, depois uma boa porção de netos e bisnetos. Viúvo, pouco tempo depois encontrou outra parceira, ótima pessoa, viúva também, a Kau, Maria Carlota Moreira Rato, com quem esteve ainda mais de 20 anos e que a maldita “zona” levou há pouco tempo. Outra que se tornou nossa muito amiga.
Carinhoso, desde que regressou de Angola para Portugal, instituiu um mais que simpático jantar de Natal, para algumas amigas viúvas, a quem dava sempre uma lembrancinha. Todos os anos.
Quando em Portugal, numa altura em que ele esteve só, a Leonor num lar já sem conhecer ninguém, várias vezes passei em sua casa ao fim do dia. Num instante estávamos na cozinha onde ele preparava um petisco para nos entretermos na conversa enquanto bebíamos uns copos. Momentos de bons papos.
Tinha um maneira muito pessoal de dizer que estava tudo bem: “à maneira”! Estribilho que nos deixou e que, cada vez que o usamos, esse grande amigo está presente... à maneira!
Pelos anos 50/60, em Luanda, com frequência tínhamos amigos para almoçar ou jantar na nossa casa. Não havia tv, nem telefones celulares (que maravilha) e apesar de adultos e com vários filhos, muito vez nos divertíamos com um joguinho de crianças: jogar à mímica. Um dia calhou ao António explicar, só por gestos Nabucodonosor! Muito gesto fez, sobretudo apontando para o traseiro como se a sílaba “cu” ajudasse a resolver. De repente um dos parceiros, cansado de ninguém acertar soltou a palavra: Nabucodonosor. Foi uma farra. Durante muito tempo quando encontrava um amigo na rua ou até no trabalho (Banco de Angola), chamavam-lhe o Nabucodonosor!
Quando comprei uma barraca de campismo foi com ele, o Armando Avillez, e os nossos filhos mais velhos que a estreámos acampando lá para os lados do Mussulo. No dia seguinte as senhoras apareceram com os outros filhos e com um belo almoço. Isto há uns 60 anos!
Artista, grande desenhador, pouco se dedicou a essa sua arte natural. Abaixo, um cartão de Natal, de 2005, mostrando a casa onde nasceu e viveu, na Cruz Quebrada. Podia ser de Roque Gameiro. Uma beleza.


 O outro desenho foi uma brincadeira que lhe pedi para o meu livro “Quem descobriu o quê”, para um dos capítulos sobre uma viagem interplanetária no futuro! Mandou-me estes desenhos, ótimos, com os “astronautas (!) mas disse que não tinha entendido nada da “história”!


Teria muitas outras histórias para contar das nossas vivências e da muito grande amizade que nos unia e que os 10.000 quilómetros do Atlântico jamais esfriou.
Vou guardar sempre essa amizade, mesmo sabendo que não nos voltamos a ver.
Mas um lugar, grande, nos nossos corações, está há muito ocupado por ele.
 

06/01/2021



3 comentários:

  1. TOCA A CHEGAR AOS 90| NESSA ALTURA, FALAREMOS. ABRAÇO.

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  2. Muito obrigado Tio Chico. Além do Pai gostar muito de si e da sua inseparável Tia Bela,sempre o admirou pela cultura,enciclopedismo e sobretudo a sabedoria.
    Vocês eram tema de conversa,histórias, recordações,momentos de uma vida entercortada por hiatos de tempo,quase sempre geográficos e que nunca desvaneceu uma enorme amizade de que eu sou testemunha. Bem hajam!
    O Pai descansa em Paz junto da Mãe e de quem o acompanhou na sua vida. Abraço. Vosso sobrinho que vos adora,Teca

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  3. Parabéns pelos 90 "kilómetros" e que continue a acelerar. Mas para começar, o desejo dum bom ano de 2021 para si.

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