Vovô Giuseppe
Siciliano, apesar de nunca ter sido mafioso, imigrou muito jovem com os pais que não quiseram participar da guerra nem das máfias.
Foram para São Paulo, alojaram-se numa modesta casinha no bairro Bexiga, onde o pai, Gabriel, arranjara trabalho numa pequena pizzaria. Com o tempo e muito tento nas despesas, acabou tendo o seu próprio negócio, também uma cantina, onde ajudado pela mulher, dona Paola, o movimento crescia bem.
Quando Gabriel Zelante faleceu, seu filho Giuseppe ficou à frente da casa durante muito tempo, com a ajuda da mamma, reconhecida e admirada como a melhor cozinheira do bairro.
Um dia mamma Paola... se foi também, Giuseppe ficou solo na cantina, já um grande restaurante, ele que tinha casado e descasado duas vezes e não tivera filhos. Lutou, muito, para manter a qualidade e a quantidade de clientes, mas ao fim de alguns anos sentiu que não tinha mais condições para continuar e vendeu o negócio.
Ficou com dinheiro, folgado, mas sem família.
De dia visitava as cantinas dos colegas e amigos, bebia uns copos com um ou outro, era bem recebido em todo o lado, almoçava as pastas, e à noite, quase sempre, como desde há muitos anos, visitava umas casas onde meninas e menos meninas, vendiam seus corpos por alguns momentos de prazer. Tornou-se um habitué, quase um viciado, mas sobretudo conhecido e querido de todas aquelas simpáticas que o acolhiam sempre muito bem.
A maioria das vezes só ia lá tomar café e jogar um pouco de conversa fora, e nunca esquecia o aniversário de qualquer uma, levando-lhes sempre um presentinho, que podia ser um perfume.
Vez por outra chegava com uma caixa de bombons, às vezes um ramo de flores, e nos anos da patroa eram pelo menos duas garrafas de champanhe!
Aos setenta e alguns anos não podia andar por ali feito garanhão, mas sempre carregava no bolso uma daquelas pílulas azuis para o caso de se entusiasmar com alguma das “bonecas”.
A casa que mais frequentava tinha em média cinco a seis meninas, que oscilavam entre os dezoito e quase cinquenta anos! A patroa... tinha-se-lhe perdido a conta, era segredo guardado a vinte chaves, mas não fugia a tratamentos plásticos, sempre que via pelancas de mais a sobrar-lhe em algum lugar.
Refez os chamados glúteos, levantando a bunda, seios firmes com 200 ml várias vezes substituídos, os liftings da cara, botox nas beiças, enfim tudo quando aparecesse de novidade, dona Garotinha mandava aplicar, – nome de guerra, e ninguém lhe conhecia outro – (Bambina, como carinhosamente lhe chama Giuseppe, que a conhecia desde... desde quando mesmo? Desde que um dia ela lhe aparecera lá no restaurante e... conversa puxa conversa, acabaram conversando deitados!) quando olhava para fotografias suas de quando tinha uns trinta anos dizia: não faço ideia de quem é esta. Volta e meia contava que em tempos... tinha tido um importante papel na política... um amante rico... muito nova casara com um sujeito que era um garotinho, metido, filho de papai, mas que não valia nada. Não tardou a que o vizinho se engraçasse com ela, deixou o estúpido e desonesto garotinho. Com o vizinho também não foi bem, arranjou um outro, e sempre lembrava aquele “tropeço” com o Giuseppe. E assim começou... aliás, continuou.
Estava agora outra pessoa, mas não queria desistir de dar a melhor assistência possível, principalmente a velhos amigos e clientes, a muitos dos quais ela mesma, amável, fornecia a pilulazinha, que enquanto não fazia o esperado efeito, aproveitava para falarem sobre bobagens e tomar um cafezinho. Forte.
Giuseppe conhecia as garotas todas, e quando chegava uma nova fazia questão de ser o primeiro a experimentar. A sua antiguidade na casa dava-lhe esse privilégio.
Tinha até um caderninho onde anotava tudo, dando uma nota a cada item: seios, bunda, coxas, cara, barriga, até cabelo, sorriso e desempenho, muito importante o desempenho, conhecimentos, exercícios preliminares, etc.
Com aquele caderninho, que guardava em segredo, conhecia os mínimos detalhes de cada “generosa” e, quando repetia a visita, voltava a analisar cada um dos pontos para ver se elas tinham melhorado ou deixado cair a nota geral.
Um dia, já noite, aguardando a hora do pique, meninas quase todas na sala, Giuseppe tomando o seu café e rindo com histórias que algumas sempre tinham para contar, entram três bandidos, assaltantes, armas nas mãos, exigindo dinheiro, procurando pela grana delas e dos clientes que não haviam ainda chegado.
Giuseppe, seu cabelo branco, não se mexeu nem se levantou, nem os bandidos lhe ligaram importância, e na falta de grana, decidiram que iam “comer” algumas das garotas. Uma rapidinha, para depois darem o fora.
Escolheram as garotas pegaram-lhes com força nos braços, levaram-nas para as alcovas e avançaram sobre elas, que berravam porque ninguém gosta de ser estuprado, e Giuseppe, sentadão foi bolando um esquema.
- Bambina! Onde tem o seu laquê? Quantas latas?
Rapidinha ela foi buscar, duas latas de spray.
Na sala de entrada havia uma espécie de moca, presente há anos oferecido a Bambina por um cacique da Amazônia que a visitou e quase se apaixonou por ela.
Giuseppe, spray numa mão e porrete na outra entra no primeiro quarto, o bandido prestes a adentrar o objetivo, ouve a porta abrir, olha para trás, leva uma sprayada nos olhos, levanta-se, grita e leva uma paulada na cabeça. Num instante a parceira pega no cinto do roupão rosa florido e amarra-o pelas costas. Depois o segundo, num outro quarto recebeu o mesmo carinho e por fim o terceiro.
Nenhum teve tempo para se livrar do azarado assalto.
Num instante estavam os três sentados no chão da sala, mãos amarradas atrás das costas, lenços bem apertados nas bocas para não dizerem bobagens, pés também amarrados, aguardando a polícia chegar, sem que algum tivesse entendido o que lhes tinha acontecido.
Giuseppe só fazia sinais às meninas para que não falassem.
A polícia, olhos arregalados carregou os três, e a festa, em honra do herói, começou. Todas queriam oferecer os seus préstimos amorosos porque, no fundo, era tudo o que possuíam.
Giuseppe recebeu inúmeros beijos na face, na testa, mas não passou disto.
Como a casa da Garotinha era num primeiro andar, e a porta da rua ficava somente encostada, não passou uma semana e nova invasão. Desta vez eram dois matulões, armados de pistolas. Encostaram à parede um cliente que acabara de entrar a quem despejaram a carteira, e depois de escolherem as garotas para completar a farra, e de muito terem ameaçado quem os atrapalhasse, levaram-nas para o quarto.
- Bambina... os sprays!
Lá vai Giuseppe e repete o que tinham feito já uma vez.
Bandidos amarrados, polícia chegando, mas ninguém explicava como tinham conseguido tal façanha.
- Bambina, vamos montar um esquema especial.
- Como?
- Eu fico sentado numa cadeira lá na entrada, todas as tardes, até umas oito ou dez da noite. Quando alguém quiser entrar eu pergunto o que querem, e se vir que é assalto, vá de sprays em cima. Mas não vai ser o seu laquê, não. Tenho um amigo da polícia, já aposentado, a quem contei o que se passou e ele vai arranjar uns sprays especiais, imobilizantes! Os miseráveis caem para o lado instantaneamente, e como isso é proibido para uso civil, depois encho-lhes a cara com os laquês, para disfarçar.
- Giuseppe, meu querido, isso é perigoso.
- Não. Deixa comigo.
- E se forem clientes?
- Ah! Isso é outro negócio. Eu vejo o que exatamente eles procuram, e como conheço bem estas queridas e sei de todas as especialidades de cada uma, já lhes recomendo qual devem procurar. Aos seus amigos, como têm livre trânsito, nem pergunto nada.
- Isso é loucura! E não esqueça que aqui há sempre uma ordem de atendimento.
- Vai ser muito divertido. E essa da ordem é falsa porque o cliente não é obrigado a ir com quem estiver na frente.
A partir desse dia, Giuseppe, ar de velhinho caquético e sonolento ficava na entrada do prédio, prédio de dois pisos acima das lojas, ambos ocupados pelas alcovas da “Maison Garotinha”.
Quando aparecia uma cara nova, era submetido a rápido interrogatório:
- O que o senhor procura?
- A casa da dona Garotinha.
- Mas quer o que?
- Uma garota, uai. Se possível bonitinha, coxa gorda, bunda generosa, aquele peitão, sabe como é, não?
- Sei.
- Olhe, quando lá chegar acima diz que quer a Georgetty. Ela gosta de supliciar quem lhe aparece, mas não desarma de jeito nenhum. E pode repetir quantas vezes quiser, porque no fim, quem saí de queixo caído é você. Tal qual o que você procura.
À saída, o minêro, porque era minêro mêmo, passava por Giuseppe, levantava o polegar e dizia:
- Vósmicê acertou na mosca.
- E você não?
Riam, e a vida seguia.
Novo assalto. Desta vez vinham cinco, entre eles um dos que lá estivera da primeira vez, raivoso, disposto a vingar-se.
- “Elas, e eles se lá estiverem, que se cuidem. Não voltam a brincar comigo.”
Viram o velhinho ali sentado, parecendo cabecear, mas que lhes perguntou o que procuravam.
- Velho. Nóis vem para dar porrada naquelas moças e sacar tudo quanto lá tiverem. Não voltam a brincar comigo, não. Desta vez vai tudo no pau.”
Giuseppe, que parecia dormitar tinha sempre o spray especial à mão. Em poucos segundo os cinco jaziam ali estendidos, parecendo mortos.
- BAMBINAAAA!!! Gritou. Manda as garotas todas aqui, rapidinho, per favore.
Pressurosas vieram com os trajes que tinham vestido, sexys, quase um nada, à espera dos fregueses. Só lá ficaram duas, ocupadas no serviço.
- Vamos pôr este lixo todo na rua e chamar a polícia. Mas vamos pôr mais abaixo. Uns cinquenta metros daqui, porque eles vão demorar só uns quinze minutos para acordarem.
Procissão de garotas, meio despidas, rua abaixo, cada duas carregando seu fardo. Transeuntes que passavam, se sós, vinham correndo ajudar as beldades, oferecer seus préstimos, nunca rejeitados, e depositar aquele “lixo”, na esquina abaixo.
Alguns aproveitavam e seguiam depois direto para o primeiro andar, agarrados à boneca que haviam ajudado.
Foi um sucesso.
A polícia, quando chegou só viu um velhinho sentado em frente a uma porta, parecia dormir, mas de olho aberto.
- Boa noite.
- Huumm!
- O senhor sabe o que se passou aqui?
- Só vi uma kombi parar e descarregar esses sacos, sacos mesmo, né? e ir embora. Não fizeram barulho, nem disseram nada.
Nessa noite, Giuseppe, folheou o seu caderninho e conferiu quem estava com a nota mais alta.
Subiu, tomou a pílula azul enquanto festejavam, e... não adiantou escolher pela nota.
Bambina estava louca para agradecer e recompensar o seu herói, mas sobretudo para se consolar pelo excitamento que o velho amigo lhe despertara, sumiu com ele para o seu quarto, todo forrado de cetins, lantejoulas, abajures com luzes coloridas, cortinas de flores com bambinelas e até ar condicionado.
Despiu-se ao som de um tango, rodopiou à volta da cama, despidona, os silicones acompanhando o ritmo, só com uma echarpe de plumas lilases em volta do pescoço, rebolando o pouco que a sua coluna já meio empedernida lhe permitia, e olhava, glamorosa, nos olhos do seu herói.
Não era o que Giuseppe planejara, mas a pílula estava a fazer efeito e quando chegou o momento agarrou a dançarina, deitou-a na cama cheirosa e florida e avançou. Bambina voava nas alturas da felicidade. Logo ela que tinha milhares de quilômetros percorridos nestas sendas, naquela noite sentia que jamais tinha tido algo tão excitante. Chorava de emoção. Mas não revelou a idade!
Giuseppe fez o que pôde.
O caderninho guardado, para uns dias mais tarde voltar para a escolhida, a da melhor nota que ele tinha ainda anotada.
Nota: Esta história foi-me contada aí por 1980, por um policial, o tal, já aposentado, cujo nome guardaria, mas já está esquecido. Estava eu com um cliente a tomar café quando ele chegou com um amigo. Sentaram na nossa mesa e logo lhe pediram para contar a história do spray.
Muito rimos. Ainda perguntei pelo tal vovô. Mas ou estava já velho demais, ou... porque havia uns anos que o tinha perdido de vista.
07/04/2014
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