Troquei a série! Foi primeiro Amigos 23 e agora o 22.
Amigos – 22
Quem tem família grande, consanguínea ou colateral,
sempre encontra mais ou menos afinidade com alguns dos parentes. Desta vez vou
lembrar alguns primos, dos quatro costados, três do meu lado e dois por virtude
conjugal! Vou lembrar por ordem... de idades... ou não.
O mais velho, francês, médico, vivia em Salies-de
Béarn, un très bel et sympathique petit
village, nos Pyrénées-Atlantiques,
fazendo parte ainda do país basco francês, Baixa Aquitânia, local de termas.
O seu nome
Salies, do Occitane Salias – sal –, devido
às suas águas ricas em sais que deram origem às termas muito conhecidas e de
grande qualidade.
A uma tia,
irmã de minha mãe, por razões de saúde foram-lhe recomendadas tais termas e aí
vai ela, durante alguns anos fazer o seu tratamento termal. Praticamente sempre
acompanhada da sua única filha, uma muito simpática e bonita garota, por quem o
nosso médico em questão não demorou a ficar de beiça caída. E ela também!
Muito
correto, quando decidiu que estava na hora de casar, foi a Portugal falar com o
futuro sogro, milionário, homem de poucas falas e poucos sorrisos, que estava
bravo com a ideia de ver a filha que iria herdar uma gorda maquia, casar com um
zé mané médico de termas! Ele queria
um genro do mesmo padrão financeiro!
O noivo
não se intimidou e avançou para uma conversa, a sós, porta fechada com o terrível futuro sogro, para expor as
suas intenções.
Lá dentro
o sogro disse que estava a reservar a filha para um marido que a pudesse
sustentar sem que ele ficasse preocupado com isso. O noivo, sempre tranquilo,
só lhe disse que após o casamento quem tinha que se preocupar com ela era ele, o
marido, e que não precisava nada do dinheiro do sogro, o que este não gostou.
Nós, os
primos, sabíamos que a seguir a esse pedido
iriamos todos comemorar, aguardávamos, em profundo silêncio, juntos com a
futura sogra, nervosa, o desfecho do difícil diálogo. Não demorou muito. De
repente o pai da noiva sai da sala, monco caído, e quando a tia lhe perguntou “e então?” a única resposta que ele deu
foi “o gajo é muito feio”!
Estava
resolvida a parada. Fomos para uma boite,
no Estoril, comemorar, conversar, rir e dançar e, poucos meses depois, 1956, aconteceu
o esperado casamento, e o casal foi viver na casa dele, em França.
A noiva,
minha prima direita, era a maior amiga da minha mulher, de modo que cada vez
que íamos a França (e por razões de trabalho tive que ir diversas vezes, e de
carro) sempre fazíamos pontaria para ficar um, dois dias lá em Salies, com
eles.
O novo
primo até podia não ser bonito, e não sendo eu especialista nisso, prefiro
fixar-me nas suas verdadeiras qualidades.
Muito
amável, alegre e sempre educado, muito estimado lá nas termas, cuidava de rico
e pobre, não tardou que entre nós se estabelecesse um vínculo que foi sempre
muito forte e gratificante.
Conseguia
tirar umas horinhas, enquanto as primas ficavam no papo, para ir comigo, por
exemplo a um negociante de vinhos, já bem serra acima, Pirinéus, que além de
ter uma adega muito bem fornecida, para o simpático docteur os preços eram sempre especiais. Saí de lá um dia, de
regresso Angola, via Lisboa, com duas caixas de vinho... que hoje não teria
dinheiro para comprar, como Bourgogne
Nuits Saint George e outros néctares!
Numa das
vezes que mais me demorei em Paris, a sua terra natal, o casal foi lá passar
uma semana conosco. Eu estava ocupado durante o dia, o casal e as primas
visitavam familiares e museus, e ao fim do dia juntávamo-nos todos em boa e
alegre convivência.
Eu corria
Paris de carro, rodava o Arco do Triunfo sem abrandar e ainda a contar
histórias o que muito o divertia.
Lembro dum
carro que ele teve, um DKW Junior, 1960, 796 cm³, três cilindros, dois
tempos, que era uma bomba na estrada! Não deixava que alguém lhe pusesse as
mãos, mas quando lá passei e quis num dia ir com a minha mulher ao Santuário de
Lourdes ele fez questão que fossemos no carro dele e lhe deixasse o meu velho
Simca Aronde. Cerca de 100 kms. Na estrada aquele carro voava! Era só tocar no
acelerador que ele parecia um Ferrari. Um espetáculo de carro que ganhou quase
todos os ralis em que entrou!
Era igualzinho a este, cor e tudo!
No final de 61 nasceu
o nosso quinto filho, o João, e em casa deles o segundo e último,
François. As duas mães trocaram cartas
que se cruzaram pelo ar, cada uma convidando a outra para serem madrinhas do
novo neófito. E foram.
Guardo muita saudade de
ambos.
A querida prima/irmã
Maria Joana Frick Gonçalves e o querido médico Joseph Oliveau.
* * * *
Vamos seguir com a
mesma família. Fica mais fácil.
Primo direito, mais
novo dois anos do que a irmã, e menos sete do que eu, sempre muito brincalhão,
muito alegre, ótimo companheiro, apesar de pai rico, tentou toda a vida seguir
os seus próprios passos, o que o trazia em inúmeros desentendimentos com o pai,
que ele, com seu espírito alegre e bom, conseguia ir resolvendo, e
entusiasmou-se muito quando conseguiu a representação da Estée Lauder, e até
fazer alguns destes produtos famosos na fábrica de sabonetes da família, a
Santa Clara, do famoso Feno de Portugal (que Deus haja), fábrica que o tempo
“comeu”!
Quando nosso avô
comum morreu, e muito pouco deixou, não sei como ele conseguiu ficar com alguma
coisa dele, porque a viúva, a nossa avódrasta,
uma saloia espertalhona, jamais devolveu à minha mãe o que lá estava em
casa e era da minha avó! Coisas!
Pois o primo ficou
com a espingarda de caça, que era boa, e mais uns cinco pequenos copos de
cristal. Quando um dia, em Lisboa passei em casa dele, mostrou-me a espingarda
e os cinco copos, eu lhe disse: “ficaste
com TUDO que era do avô. Eu não tenho nada!” Amável deu-me dois desses
copos! Uma simpática recordação.
Nós vivíamos em
Luanda e um dia por lá apareceu e, como é evidente, ficou em nossa casa. E foi
descobrindo “coisas” novas! Uma delas foi o maracujá que nunca tinha comido! E
havia na cidade uma senhora que fazia um maravilhoso sorvete com esse fruto.
Pois todos os dias fazia questão de ir comer um belo sorvete e comprar uns
quantos frutos que comia com especial prazer.
O fito da viagem era
arranjar clientes para os produtos Estée Lauder. Apresentei-o aos donos das
melhores casas da terra – sobretudo Quintas & Irmão e Armazéns do Minho – deixando
um dos Quintas com interesse no negócio, e a mim como seu “representante,
apesar de eu estar já no banco. Mas era assunto que me ocupava só uns instantes
de quando em vez.
Regressa a Lisboa,
prepara uma gorda dose de produtos de toda a qualidade e feitio, homme e femme (não sei se já existia unissex!!!),
despacha para Angola, manda os documentos para mim e que avisasse o
Quintas.
Quando fui levar o
assunto para os Quintas, a coisa se complicou, dando eles uma desculpa toda
esfarrapada: “Ah! Nós somos representantes da Gilette... e eles não querem que
trabalhemos produtos concorrentes... de modo que não podemos trabalhar a Estée
Lauder.” Caso encerrado e uma montuêra de perfumes na Alfandega.
Telefono-lhe: “O Quintas... nhã, nhã, nhã, não quis ficar
com a mercadoria!”
- Guarda em tua casa. E vamos abrir aí uma boutique.
- ?!?!?!?!?
- Vou-te mandar o dinheiro para pagar os direito da
alfandega (diziam que Angola
era o mesmo que Portugal, Minho, Alentejo, etc., mas mercadoria que circulasse
entre os dois territórios tinha que pagar direitos!!!). Entretanto vocês procuram aí uma loja para alugarmos, e eu vou mandando
daqui roupas de marca, o mais chique que conseguir.
- ?!?!? Engoli em seco e disse ‘então vamos nessa’.”
Guardei tudo lá em
casa, no andar térreo onde era suposto ser o quarto de uma criada... que não
tínhamos! O cheiro daquela perfumaria toda, que seria de alto nível, invadiu a
casa e foi por todos os andares, que até hoje, quase sessenta anos passados, o
cheirete da Estée Lauder ainda me enjoa!
Um pouco mais tarde
mandou-me um representante de maiôs de praia (em Portugal fatos de banho!) para
que eu escolhesse e encomendasse os que se deveriam vender na loja. Eu jamais
havia comprado semelhantes artefatos (nem hoje o faço!) e pensei reunir em casa
umas amigas da minha mulher para que, em assembleia
dessem a sua “abalizada” opinião quando chegasse o vendedor! Foi uma farra. As senhoras
olhavam, discutiam e concluíam que tal modelo ficada muito bem à amiga “a’, um
outro à outra amiga “b”, etc. e ao fim de mais de meia hora tinham escolhidos
uns seis maiôs, para as amigas (!) que o vendedor cheio de paciência me fazia
compreender com o seu olhar que aquilo jamais se venderia. Então tomei o
comando, e perguntei: “O que se vende?”
E ele mostrou os bikinis mais “escandalosos” que tinha, dizendo que quem
comprava aquilo eram as “boazudas” das boates e outras de “convivência fácil”! Indicou
quais os tamanhos convenientes e fechei a compra.
Estes, “escandalosos”
venderam-se num instante. Os especiais para as amigas, se a loja existisse
ainda lá estariam!
A seguir pedi para
não me mandarem comprar nada de artigos para a loja porque é assunto que
continua a não me interessar minimamente!
A minha área nessa
nossa sociedade eram microscópios, artes gráficas, equipamentos de raios X, e
outros o que, na realidade não tem muito a ver com modas.
Pouco tempo depois abríamos
em Luanda a mais simpática e elegante boutique da cidade, a “Chimene” – nome em homenagem a mulher
do grande Cid, El Campeador, Don Rodrigo
Dias de Bivar!
Olhem a beleza do pequeno envelope para embrulhar uma
pulseira ou algo pequeno... mas bonito!
Aí por 1970 descobri
num ferro velho um carro abandonado por um babaca que tinha estado em Angola no
serviço militar. Um (ex magnífico) MG TC de 1947, bastante maltratado, mas,
carro dos sonhos de todo o jovem dos anos 50/60, comprei-o. Fui arrumando umas
coisas, precisava de um painel novo e mais uns quantos outros arranjos, mas
quando soube que tinha que ir para Moçambique decidi vender aquela relíquia.
Quem a comprou? O primo, que o levou para Portugal. Lá o teve muitos anos.
(E ainda vendi outra!
Um Morris Minor, 1932, 640 cc!)
Luanda 1970 – Com os oito filhos
Tinha brincadeiras
malucas: gostava de aparecer numa sala metendo a mão por dentro das calças e
fazendo aparecer um dedo no meio da braguilha, e ele mesmo se divertia com
isso.
Uma noite, quando
jantávamos em Luanda, com um grupo de amigos, pedimos vinho, tinto. Ele pediu
também uma garrafa de água porque sempre misturava um pouco de água no vinho. O
que foste fazer! Alguns dos amigos presentes, os do “politicamente certo” começaram logo a sentenciar que ninguém mistura água no vinho, que estraga o
vinho, que isso não se faz, e outras similitudes verbais, ao que ele
responde com o ar mais calmo:
- É assim que eu gosto. É assim que eu bebo.
Todos meteram a viola
no saco, e hoje é assim que eu quase sempre faço!
Sempre brincalhão,
ele e a irmã na meia idade sofreram duma terrível doença pulmonar que levou a
ambos. Primos direitos, irmãos. Muita saudade Teddy – Eduardo Frick
Gonçalves
* * * *
Para o texto não
ficar muito longo, os outros primos vão esperar mais uns dias!
26-jan-19
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