quarta-feira, 21 de novembro de 2018



Pensando !

Quando nada de mais urgente me chama, onde se inclui reparar coisas em casa como matar cupim, consertar e montar molduras, cadeiras e outros, reparar janelas, pintar algumas coisas, fazer de chef na cozinha e etc., a única hipótese de descanso para continuar vivo é somente pensar.
Ver o que se passa à volta, em casa, no país, no mundo, tentar analisar e procurar compreender, o que me leva a carregar a cabeça cheia quando me vou deitar e ficar grande parte da noite com sonhos estranhos, daqueles que nada têm a ver com nada, mas cansam.
E os pensamentos são como as personagens de romances: vão-nos levando por caminhos estranhos e complicados, difíceis, que por vezes nos ajudam a descobrir novas maneiras de sentir e ver o mundo.
Há dias, por exemplo, “descobri” que, em total desacordo com todas as religiões, não foi Deus que criou o homem “à sua imagem e semelhança”, mas sim o homem que criou um ou mais deuses à sua imagem! Não descobri a pólvora, mas fiquei com isso na cabeça.
E o argumento mais lógico e radical para confirmar esta suspeita, é que é quase impossível conceber um deus que, simultaneamente, seja do bem e do mal.
Deus sendo incognoscível, teve que ser criado pelos homens.
Além disso Deus jamais deixou algum escrito, ninguém o viu, mas inventou-se!
E os homens, imperfeitos como são, precisavam justificar as suas ações, sobretudo as más, como guerra, inveja, traição, etc. e, em vez de se confessarem culpados, jogam para o ar, para o poderoso deus por eles criado.
Assim os hindus, os que parece terem sido os primeiros a criar um tipo de religião, começaram desde logo por atribuir todas as regalias a um grupo de nobres, os brâmanes, baseando o seu pensamento sobre uma “alma universal”, mas resguardando para si a superioridade sobre todos os outros, dividindo o povo em castas de acordo com as suas próprias vontades, chegando ao absurdo de deixar os mais miseráveis abandonados à sua sorte e repudiados, os párias. Habilidade para conseguirem quem os servisse, por nada, escravos.
Os egípcios montaram também sistemas religiosos de tal forma complexos e poderosos que os próprios faraós acabaram presos das decisões desses eleitos e inescrupulosos. Criaram até o famoso Livro dos Mortos, para ajudar o defunto na sua viagem para o outro mundo, afastando eventuais perigos que este pudesse encontrar na sua viagem para o Além. Papo furado.
Mas o Livro dos Mortos estava reservado só aos “grandes”, sobretudo faraós e, talvez, aos vigaristas sacerdotes, que, quase de certeza, não acreditavam naquilo que haviam preparado, mas era mais uma forma de controle para dominar os maiores e, de certeza os menores. Aos pobres ou menos afortunados não era permitido ler esse livro, o que significava que o belo Além lhes estava vedado, e enquanto vivo serviam nobres e os tais sacerdotes.
Zoroastro, o primeiro que concebe um Deus único e universal, divide os seus princípios doutrinários em duas áreas: a que trata da criação do mundo, teologia e filosofia, e do inferno, dos demónios e dos castigos, tendo, deste modo, nas mãos, a quem atribuir as culpas dos seus erros. Do mesmo modo essa linha de pensamento, essas regras, foram seguidas, adaptadas pelos hebreus, depois pelo cristianismo e agora o islão.
A Bíblia está recheada de lutas, guerras, assassinatos, sodomia e prostituição, traições. Invocam “o Deus da Guerra e da Vingança”, quando querem submeter outros povos, matam-se aos milhões e para isso fazem oferendas quase sempre sanguinárias. Conta até que o próprio Noé foi mandado pelo Deus para dizimar milhões que se comportavam mal! Isso é coisa de um Deus?
A seguir aparece o cristianismo, e logo alguns homens que se diziam, e dizem, seguidores de Cristo, os chamados pensadores e teólogos, criam mais leis onde procuram, atabalhoadamente, equilibrar a recompensa eterna com os castigos do inferno e do purgatório para que o povo, temente, lhes obedecesse. Foram ao ponto de inventar o absurdo “limbo” onde criancinhas não batizadas teriam que aguardar a boa vontade do Deus para entrarem no Éden.
Surge por fim o Islão cuja principal virtude é acumular todos os erros das religiões mais anteriores e manter os fiéis sob total controle, sempre com um imenso pavor de represálias, prometendo-lhes o céu e as virgens desde que se mantenham em cega obediência. Seguem, sobretudo o Deus do mal e da vingança.
Levou milhares de anos para que os hebreus se livrassem do temor a Deus. Mantém-se unidos, não querem prosélitos, porque continuam perseguidos, mas, mesmo que os ortodoxos não queiram facilmente perder as suas vantagens e teórico poder, já não estão muito longe de aceitarem outras gentes como iguais.
O mesmo com o cristianismo que atravessou épocas de verdadeiro terror, que em nome de Cristo cometeu as maiores barbaridades, dividindo os fiéis e afastando crentes. Nem cabeças pensantes admitiam, e não descansavam enquanto as não liquidassem.
O cristianismo, para atingir a perfeição de Cristo, ou a humildade de Francisco de Assis, ainda tem um longo, longo caminho pela frente.
Ainda há “religiosos”, muitos, que não aceitam o Papa, que brigam por misérias teológicas, deixando a prioridade do amor ao próximo... e até os que da religião fazem uma rendosíssima profissão.
Tudo pelo poder, pela hierarquia, por aquilo que não tem qualquer valor moral.
Quando os jesuítas, missionários, chegaram à China, em começos do século XVI, com o objetivo de cristianizarem aquele povo, prepararam-se profundamente para aprenderem a língua e até a filosofia do Oriente.
Homens de excecional qualidade, teólogos e cientistas, em breve dialogavam com alguns dos grandes filósofos chineses, que viram nesses missionários uma nova religião, próxima do budismo, mas mais profunda nalguns aspetos. Na sua concepção do “Senhor dos Céus”, que ali dominava e teria criado o mundo, não havia lugar para o lado negativo, da maldade e da vingança.
Não foram capazes de compreender que Deus tivesse mandado um Filho à terra para ser assassinado, mesmo que os missionários tivessem querido explicar que a Ressurreição O qualificava como filho de Deus. Nem aceitavam a história do “Limbo” onde criancinhas e homens de bem, não batizados, tivessem que aguardar a “boa vontade de Deus” para gozarem a companhia do “Senhor dos Céus”.
Poucos foram os batizados, porque o exemplo de um dos missionários, sobretudo o Padre Matteo Ricci, que com os seus conhecimentos e imensa humildade cativaram.
Não demorou muito até à chegada de nossos missionários de outras ordens católicas, os dominicanos, que na “guerra” pela supremacia do catolicismo acabaram por “matar” o cristianismo daquelas terras. Já mais tarde, no século XVIII, o golpe infligido, igualmente por inveja, em Portugal, Brasil e resto da Europa, aos jesuítas, foi o golpe de misericórdia.
Deus estaria assistindo a tanta baixaria? Será que Deus queria mesmo que só alcançassem os Céus quem fosse seguidor de alguma religião, ou simplesmente cumpridores das máximas que se podem conceber tão claramente, como um dia um pastor protestante que classificou como “o milagre da normalidade” em:
   1.- Amai aos outros como a ti mesmo;
   2.- Respeitai a natureza.
Nietzsche, que, filosofando, quis reproduzir as “falas” de Zoroastro, Zaratustra, nos indica algumas situações curiosas:
   - Este deus que eu criei era obra humana e humano delírio;
   - Falo-vos do amigo que leva em si um mundo disponível, um invólucro do bem, do amigo que tem sempre um mundo disponível para dar;
   - Sobre o matrimónio: é o respeito recíproco, dos que coincidem com a vontade. Mas os que consideram isto supérfluo... é uma imundície de alma entre dois. Fique-se por lá bem longe de mim esse deus que vem coxeando abençoar aquilo que não uniu.
Tudo isto, e muito mais leva-me a considerar que serei um agnóstico teísta, e como tal incapaz de discutir a existência de Deus. Não de a negar, mas jamais de a discutir e aceitar o modo como as diferentes religiões se arrogam o direito de O interpretar, mesmo considerando o absurdo de que Deus terá deixado aos homens a liberdade de escolha.
Cristão, seguidor de Cristo, dos seus ensinamentos, da sua humildade, sinónimo inigualável de grandeza.
A seguir coloco em primeiro lugar entre os homens – deixando Cristo... onde? – o Poverello, aquele louco Francisco de Assis, louco de amor pelos pobres e pela simplicidade de vida, mas que não conseguiu evitar que até hoje, haja franciscanos de... segunda qualidade. É o homem em sua eterna fraqueza, na luta entre o bem e o mal, assistindo à esmagadora maioria dos humanos a deixar que o mal vença, esperando pela hora da morte para se arrepender.
Por tudo isto também sinto que o meu lado do mal se indigna e lute contra o que vejo, ou me parece, errado.
Gostaria de fechar os olhos lembrando as palavras de São Paulo (de quem Nietzsche não gostava!):
Combati o bom combate, - quase - completei o meu percurso, não perdi – totalmente – a fé.”

20 nov. 2018

3 comentários:

  1. Francisco,
    Mais um belo texto.
    Essa de Deus feito à imagem do homem é de Feuerbach, um filósofo prussiano do séc. XIX que ainda hoje se lê com proveito.
    Os debates sobre "Deus", desde as escolas helenísticas, é mais sobre a imagem que sobre Ele construímos do que outra coisa qualquer. Sendo Ele "O completamente Outro", como disse argutamente Morin, tudo o que se debata é só sobre a imagem que d' Ele cada um faz.
    É interessante notar que a religião de Israel e Judá, nos seus primórdios, não era monoteísta: era politeísta. A novidade trazida é que só a YHWH se devia adorar - isto é, fazer sacrifícios. Quanto aos outros, de uma conversinha de pé-se-orelha de vez em quando, uma conta-corrente de promessas, não viria mal ao mundo. É frequente os estudos bíblicos ignorarem este aspecto.
    No tempo do imperador manchú Kangxi, o cristianismo este quase a ser escolhido como a religião da Família Imperial, logo, do Império do Meio. Foi a "Questão dos Ritos", uma intriga lançada por jesuítas italianos e franceses contra os jesuítas portugueses que deitou tudo a perder.
    Falando de jesuítas, eles também não seriam flor que se cheirasse. Fanáticos da religião católica e de Maria, não descansaram enquanto não introduziram a Inquisição no Oriente e nos Brasis (África, por esses tempos, não contava para nada). O problema de Misiones, felizmente, não foi por causa da Inquisição. Foi sim porque os jesuítas nas Américas, à imagem do n/ Padre António Vieira, eram pouco seguidores da rigidez de Iñaki de Loyola e, mais, herdeiros do pensamento dos Fioristas (Joachino dei Fiori) e de Savonarola. Em suma, eram uma ameaça para o Poder Absoluto e a subjugação do Outro (vulgo, servidão e escravatura).
    O Cristianismo, desde cedo, quis confundir "Igreja/Comunidade" com "Igreja/Hierarquia" - um movimento a que as decisões de Constantino não foram estranhas, muito pelo contrário. Aliás, é esta confusão que prevalece, tanto no Cristianismo Ortodoxo, como no Cristianismo Romano - o que revela quão antiga é. Que, ainda no séc VII, a confusão era motivo de conflito entre as diversas correntes do cristianismo prova-o Mohammed e o Corão: no Islão não há sacerdócio (o papel dos ulemas tem outra origem e diferente alcance).
    Pelo que percebi, V. está muito próximo do paradigma judeo-cristão dos primeiríssimos tempos, que Paulo não seguia inteiramente, mas que ainda muito o caracterizava. É o paradigma helenístico do cristianismo, com Orígenes e outros, que começa a deitar tudo a perder.
    Abraço
    APM

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