quarta-feira, 24 de outubro de 2018



Amigos – 12 a

Vou fazer como nalguns lugares que evitam o número 13 por causa dos supersticiosos, o que não deve perturbar muito o espírito dos amigos a quem dedico estas pequenas passagens pela vida.
Começo por um membro da minha família.
Tinha mais uns cinco anos do que eu. Pertenceu a uma numerosa família, e na devida altura foi estudar agronomia. Forte, gostava de luta, fanático jogador de rugby, um dia pegou-se de razões com um professor, deu-lhe uns tapas e... foi expulso do Instituto, quando estava a meio do curso!
Ainda solteiro, ele e eu, ambos desempregados, sem sabermos um do outro, no mesmo dia fomos oferecer a nossa força de trabalho a um tio milionário, mas mesquinho.
Comecei por lhe dizer que gostava de ir para África e sabia que eles tinham lá uma imensa propriedade, onde eu poderia bem desenvolver os meus conhecimentos. Respondeu-me mais ou menos assim: Angola é uma mééé... e eu não quero saber daquilo para nada! Depois diz-me com ar que me dispenso de classificar que fosse vendo os anúncios dos jornais e se aparecesse alguma coisa, ele, que disse, conhecia muita gente poderia dar uma mãozinha!
Fiquei p. da vida e saí de lá com vontade de o mandar... para Angola!!!
À noite encontrámo-nos em minha casa, casa da minha mãe, e ele eufórico diz-me que tinha ido falar com o mesmo tio “m” e que ele o nomeou logo gerente de uma fábrica de farinhas!
Eu, o sobrinho – por afinidade – que ele mais elogiava, mandou ver os anúncios nos jornais, o outro, pretendente a sobrinho foi logo admitido!
Coisas.
Casou dois anos depois de mim. Uma noite, já não sei se casados ou solteiros fomos a uma boite lá prás bandas do Estoril, devemos ter dançado, bebido uns copos e não lembro porque nos desentendemos. Ele era bem mais forte do que eu, ameaçou-me logo de me “dar porrada”! Como é evidente não nos íamos envolver ao tapa ali dentro e disse-lhe: Se isso te dá muito gozo, o melhor é dares-me logo um soco e pronto. Acalmou. Rimos e o assunto ficou resolvido.
Carnaval de 1956. A minha irmã ainda solteira, eu, casado e segundo filho a caminho, tinha comprado um “carrão”: um Rugby 1926. Uma delícia. Saímos à noite para a farra, acompanhados da noiva e ainda da minha mãe.
Começámos por tomar um café na “Versailles”, Lisboa. À saída o carro não pegou, mas como o velhinho fazia muito sucesso, saíram logo uns quantos clientes voluntários que empurraram o carro e lá seguimos os cinco, para uma boite em Paço de Arcos. O prédio da boite tinha, já dentro, uma escadaria que levava ao âmago da “farra”. Quando começámos a subir aparece um casalinho, vestido de Arlequim ele e ela de Columbina, que pareciam querer ir embora. Ela tropeça ao descer o primeiro degrau, voa pelo ar e cai nos braços do meu (futuro!) cunhado. E ali fica ele, parado a meio da escada com uma Columbina, muito bem instalada nos braços, braços do valeroso salvador, o Arlequim entupido, sem graça, pensando já perder para o salvador a sua amante, e o restante de nós à gargalhada.
O Carnaval podia ter acabado ali. Uma cena destas não se repete na vida de ninguém.
Nos jantares de família, irmãos, a sua presença era fundamental. Sempre bem disposto. Houve vezes em que depois do jantar nos sentávamos os dois no sofá, abríamos a lista telefónica e “cantávamos os nomes e endereços” que ali apareciam em “ritmo” gregoriano! Um cantava o nome e o outro a morada! Uma beleza!
Era um sujeito generoso e com uma tremenda sorte no jogo. Tinha até visões estranhas. Mais de uma vez, seguindo de carro pela estrada, fixava os olhos na placa do carro da frente, gostava do número e comprava a loteria com esse número. E saia-lhe! Depois distribuía o dinheiro pela mulher, irmãos, o que calhasse.
Um dia a minha irmã e ele foram estar conosco uns dias em Lourenço Marques - Maputo  - depois da desgraça que se tinha abatido sobre nós com a perda de um filho. Entretanto fomos a Johannesburg onde havia a feira anual de agricultura.
Saímos cedo do hotel, deixando as mulheres ainda no descanso. Quando entrámos no elevador já descia uma família de fazendeiros sul africanos, boers, papai, mamã e um casal de filhos na faixa dos 15, 16 anos. Enormes, todos! Nós os dois, na faixa de 1,77m. parecíamos, e éramos, os baixinhos!
Depois na exposição, ele jamais imaginou o quanto aquele país, africano, ainda em pleno apartheid, estava desenvolvido, e se extasiou perante a maravilha dos animais exibidos: gado vacum, porcos, carneiros, etc., todos enormes, lindos. Imponentes. E mais as máquinas e a organização. Não esperava encontrar aquele nível de desenvolvimento, e ao fazer comparações com Portugal... Esquece!
Não demorou depois disto a chegar o famoso tempo dos cravos nas espingardas, que arruinou tanta gente. Empresas que fecharam, ou foram nacionalizadas e espoliadas, gente perseguida porque não era da cor, e a vida tornou-se difícil para muita gente, incluindo para ele. Ainda lutou uns anos, mas a sua alegria de viver tinha sido abalada. Foi entristecendo e deixando-se ir.
Grande parceiro. Guilherme d’Orey Mouzinho de Albuquerque Gaivão, o Gui.



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Não foi esquecimento, mas por falta de espaço que deixei para diante outro colega.
Feitio complicado, o que não impediu que a nossa amizade, por vezes com aparência de acabada, perdurasse sempre.
Nos primeiros anos dormiamos no mesmo quarto, e o "artista" já começava a mostrar a sua faceta "rabo de saia". Tinha uma namorada em Lisboa, mas tinha ido nesse dia a Évora e houve por lá uma festa não sei onde. Voltou eram umas duas horas da manhã, boa dose de copos no bucho, acorda-me, e diz-me que era "um infanticida"! - Eu estremunhado: Mataste alguém? - Não mas pedi namoro à "X" e tenho uma namorada em Lisboa. Além disso esta é muito mais nova do que eu"! - Dorme. Amanhã vamos discutir esse complicado assunto"! O que eu queria mesmo era continuar a dormir!
Um dia, não sei que desaguisado nos opôs, certamente na discussão de algumas “profundas e filosóficas” opiniões, quase terminámos à chapada. Uma besteira qualquer a que eu não dei importância, mas que para ele foi o suficiente para deixar de me falar, o que para mim não fez qualquer diferença.
A Escola estava a 12 quilómetros de Évora, dinheiro de bolso para gastar era coisa rara, tanto mais que para irmos farrar precisávamos de um taxi que nos fosse buscar e outro levar de volta. E isso já era muita grana!
Já no último ano, quartos individuais, as antigas e austeras celas dos monges capuchos que ali se tinham instalado no século XVI, num edifício sempre belíssimo, quando já nos preparávamos para dormir, ouço chegar um carro. Coisa rara àquela hora. Corremos para ver o que era. Um taxi trazia um professor.
Moral da história, tínhamos transporte de borla até à cidade e só teríamos que pagar o regresso.


O Colégio Velho. Antigo mosteiro, Século XVI

Fui desafiar o meu “inimigo” para que nos acompanhasse.
- Eu não falo contigo.
- Nem é preciso. Vamos para Évora, bebemos uns copos e tu falas com quem quiseres.
- E ainda te dou porrada.
- Então resolve isso rápido porque o taxi está ali parado à nossa espera. Dá logo a porrada, mas vem embora.
Foi e acabou-se a “profunda questão” que nos separara e que nem ele sabia porque! Nem eu.
Já o curso terminado estávamos muita vez juntos. Ele era vendedor dos automóveis Simca e um dia desafiou-me para ser seu co-equipier num rally da Shell. Aceitei a ideia; a minha missão era cronometrar todo o trajeto para não passarmos em controles secretos fora da média imposta. Para isso entregou-me um painel com quatro cronómetros ligados dois a dois: quando parava um o outro começava a contar e assim fomos sempre muito bem classificados. Mas... numa saída apressada para carimbar a ficha de controle, tropecei, deixei cair aquela preciosidade e dois cronómetros ficaram com seis – 6 – segundos de diferença dos outros. Qual deles estava certo? Tivémos que escolher.
Azar o nosso, escolhemos o que estava desregulado, e daí para a frente fomos penalizados em 6 segundos em todos os controles! Não fosse isso teríamos ganho o rally na categoria dos carros de passeio!
Não chorámos, rimos!
Durante anos, entre 1948 e 50 fomos sempre parceiros nas touradas: eu feito “espada” ou “bandarilheiro”, ele forcado. Depois passou a fazer parte do Grupo dos Forcados de Santarém onde seu pai sempre pegara.
Antes de embarcar a segunda vez para Angola comprei com ele um belo Simca Aronde, 1957, que fui buscar a Paris, e nas poucas vezes que ia a Portugal muito rapidamente e raras vezes nos encontrámos.
Pouco depois ele decidiu entrar nas corridas de automóveis em Monsanto, na mesma categoria dos carros de passeio. Entregou-me o conjunto de cronómetros para que eu controlasse os seus treinos; ; a seguir a esta categoria entravam os carros de corrida que deram origem, depois à Fórmula 1. Eu, entretido com os cronómetros ia controlando um ou outro, até porque no meio deles havia um primo nosso com um belo Ferrari (que nunca ganhou nada!). Um desses corredores chamou a minha atenção porque, fez umas quantas voltas sempre exatamente com o mesmo tempo. Todos os outros faziam uns segundos a mais, uns segundos a menos, mas aquele era matemático. Fui ver quem era: o Fangio. Só podia; o maior de todos os tempos.
Casou, descasou, tornou a casar e nada lhe correu muito bem. Um feitio complicado acabou porque lhe provocar a terrível doença, que atinge as pessoas já desinteressadas.
Acompanhei-o um pouco neste seu final, mas era um castigo tirá-lo de casa para irmos a um tasco qualquer comer um petisco, distrai-lo, conversar. Estava azedo.
Meu querido e complicado amigo e colega de curso Carlos Mariano de Carvalho.
Estudante ainda – Évora 1950

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Diretor da Mobil em Angola, como se pode imaginar vivia bem. Muito simpático, sempre amável.
Em 1961 estava eu por França a fazer uma série de estudos e visitas a fábricas e feiras especializadas, para o que a Cuca me dava generosamente 500,00 escudos, o equivalente a US$ 20, por dia. Nesse tempo o Franco Francês, valia 0,80 de Escudo. Com essa fortuna eu, e minha mulher tínhamos que pagar o hotel e comer. Fomos de carro e os quilómetros a companhia pagava à parte.
Começámos por ficar numa Pension de Famille em Versailles (era ali o primeiro curso) mas como em Paris é que estava o by night, museus, ópera, etc. decidimos procurar hotel na capital. Num posto de turismo deram-me um livro com os hotéis todos, pesquisámos e encontrámos o ideal. Ao lado da Gare Sant Lazare, para eu poder ir para Versailles sem ser de carro. Só atravessar a rua. Um hotel de uma única *, mas um quarto ótimo, espaçoso, um quarto de banho enorme com banheira “quase olímpica” e por um preço muito baixo. Um verdadeiro achado, e quase no centro de Paris.
Numa visita a um dos museus encontramos o senhor diretor da Mobil, que estava em Paris a trabalho e, claro, hospedado num dos hotéis mais caros. Custava bem mais o hotel do que a ajuda de custo que eu recebia!
- Vem ver o hotel que nós descobrimos.
Fui mostrar-lhe. Ficou boquiaberto,
- Só te digo que este quarto é muito melhor do que o meu, que custa “x” vezes isto. E então o quarto de banho, também sem luxo, é um luxo!
Ficou tão entusiasmado que depois foi contar a todos os nossos amigos a descoberta que nós havíamos feito em Paris.
De bolso recheado, nesse dia pagou-nos o jantar! Haja Deus. Pagou a Mobil.
Não tenho uma foto dele, mas saudades, sempre ficam. Guilherme José da Camara Ferreira Pinto Basto. Outro Gui, Pinto Basto

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Mais um da Mobil. Engenheiro, uma das pessoas que sempre me fizeram inveja! Não pelo cargo, bem remunerado, que desempenhava, mas pela facilidade com que adormecia.
Deslocavam-se a miúde, os técnicos das companhias de petróleo, à Europa, América, etc. A maioria chegava ao destino cansada de longas viagens, e bem antes dos aviões a jato, nos Super Constelation, muito confortáveis, mas que ao atravessar o continente africano sacudiam como aqueles shakers para gelo e coquetails. Eu experimentei algumas dessas viagens e chegava a pensar que para acabar com aquilo o melhor era mesmo o avião cair!
Mas o nosso amigo creio que já subia a escada do avião com, pelo menos, um olho fechado. Sentava, fechava o outro, e no destino, avião parado, todos os passageiros saídos, as aeromoças tinham que ir acordá-lo!
Viagem santa! Que inveja!
O primeiro casamento, um dia, acabou. A mulher era um bocado ciumenta. Um bocado é favor, e o nosso engenheiro era um homem alto, elegante, simpático, alegre e certamente bonito, e nem consta que andasse a saltar a cerca.
Fez um Curso de Cristandade e passou a querer compartilhar as reuniões semanais. A mulher fazia-lhe a vida difícil. Desconfiava até daquelas saídas à noite! Por vezes tinha que pedir a um amigo, como fez comigo, para lhe telefonar a convocá-lo para uma importante reunião. Passava o telefone à mulher e eu tinha que lhe explicar que tipo de reunião estava prevista, quem eram os outros participantes, e como nenhum tinha fama – nem proveito – de ser rabo de saias... lá fechava a boca e deixava o marido sair.
Era uma bela folga, para ele, uma vez por semana, quando não tinha que ouvir sermão da mulher.
Tanto falou que um dia ficou a falar sozinha!
Ele, um cara extremamente simpático, tranquilo, amigo. O Jorge Viegas.


Um “boa praça”!

23 out. 18


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