Amigos – 12 a
Vou fazer como nalguns lugares que evitam o número 13
por causa dos supersticiosos, o que não deve perturbar muito o espírito dos
amigos a quem dedico estas pequenas passagens pela vida.
Começo por um membro da minha família.
Tinha mais uns cinco anos do que eu. Pertenceu a uma
numerosa família, e na devida altura foi estudar agronomia. Forte, gostava de
luta, fanático jogador de rugby, um dia pegou-se de razões com um professor,
deu-lhe uns tapas e... foi expulso do Instituto, quando estava a meio do curso!
Ainda solteiro, ele e eu, ambos desempregados, sem
sabermos um do outro, no mesmo dia fomos oferecer a nossa força de trabalho a
um tio milionário, mas mesquinho.
Comecei por lhe dizer que gostava de ir para África e
sabia que eles tinham lá uma imensa propriedade, onde eu poderia bem
desenvolver os meus conhecimentos. Respondeu-me mais ou menos assim: Angola é uma mééé... e eu não quero saber
daquilo para nada! Depois diz-me com ar que me dispenso de classificar que
fosse vendo os anúncios dos jornais e se aparecesse alguma coisa, ele, que
disse, conhecia muita gente poderia dar uma mãozinha!
Fiquei p. da vida e saí de lá com vontade de o
mandar... para Angola!!!
À noite encontrámo-nos em minha casa, casa da minha
mãe, e ele eufórico diz-me que tinha ido falar com o mesmo tio “m” e que ele o
nomeou logo gerente de uma fábrica de farinhas!
Eu, o sobrinho – por afinidade – que ele mais elogiava,
mandou ver os anúncios nos jornais, o outro, pretendente a sobrinho foi logo
admitido!
Coisas.
Casou dois anos depois de mim. Uma noite, já não sei
se casados ou solteiros fomos a uma boite lá prás bandas do Estoril, devemos
ter dançado, bebido uns copos e não lembro porque nos desentendemos. Ele era
bem mais forte do que eu, ameaçou-me logo de me “dar porrada”! Como é evidente
não nos íamos envolver ao tapa ali dentro e disse-lhe: Se isso te dá muito gozo, o melhor é dares-me logo um soco e pronto.
Acalmou. Rimos e o assunto ficou resolvido.
Carnaval de 1956. A minha irmã ainda solteira, eu,
casado e segundo filho a caminho, tinha comprado um “carrão”: um Rugby 1926.
Uma delícia. Saímos à noite para a farra, acompanhados da noiva e ainda da
minha mãe.
Começámos por tomar um café na “Versailles”, Lisboa. À
saída o carro não pegou, mas como o velhinho
fazia muito sucesso, saíram logo uns quantos clientes voluntários que
empurraram o carro e lá seguimos os cinco, para uma boite em Paço de Arcos. O
prédio da boite tinha, já dentro, uma escadaria que levava ao âmago da “farra”.
Quando começámos a subir aparece um casalinho, vestido de Arlequim ele e ela de
Columbina, que pareciam querer ir embora. Ela tropeça ao descer o primeiro
degrau, voa pelo ar e cai nos braços do meu (futuro!) cunhado. E ali fica ele, parado
a meio da escada com uma Columbina, muito bem instalada nos braços, braços do
valeroso salvador, o Arlequim entupido, sem graça, pensando já perder para o
salvador a sua amante, e o restante de nós à gargalhada.
O Carnaval podia ter acabado ali. Uma cena destas não
se repete na vida de ninguém.
Nos jantares de família, irmãos, a sua presença era
fundamental. Sempre bem disposto. Houve vezes em que depois do jantar nos sentávamos
os dois no sofá, abríamos a lista telefónica e “cantávamos os nomes e
endereços” que ali apareciam em “ritmo” gregoriano! Um cantava o nome e o outro
a morada! Uma beleza!
Era um sujeito generoso e com uma tremenda sorte no
jogo. Tinha até visões estranhas. Mais de uma vez, seguindo de carro pela
estrada, fixava os olhos na placa do carro da frente, gostava do número e
comprava a loteria com esse número. E saia-lhe! Depois distribuía o dinheiro
pela mulher, irmãos, o que calhasse.
Um dia a minha irmã e ele foram estar conosco uns dias
em Lourenço Marques - Maputo - depois da
desgraça que se tinha abatido sobre nós com a perda de um filho. Entretanto
fomos a Johannesburg onde havia a feira anual de agricultura.
Saímos cedo do hotel, deixando as mulheres ainda no
descanso. Quando entrámos no elevador já descia uma família de fazendeiros sul
africanos, boers, papai, mamã e um casal de filhos na faixa dos 15, 16 anos.
Enormes, todos! Nós os dois, na faixa de 1,77m. parecíamos, e éramos, os
baixinhos!
Depois na exposição, ele jamais imaginou o quanto
aquele país, africano, ainda em pleno apartheid, estava desenvolvido, e se
extasiou perante a maravilha dos animais exibidos: gado vacum, porcos,
carneiros, etc., todos enormes, lindos. Imponentes. E mais as máquinas e a
organização. Não esperava encontrar aquele nível de desenvolvimento, e ao fazer
comparações com Portugal... Esquece!
Não demorou depois disto a chegar o famoso tempo dos cravos nas espingardas, que arruinou tanta
gente. Empresas que fecharam, ou foram nacionalizadas e espoliadas, gente
perseguida porque não era da cor, e a vida tornou-se difícil para muita gente,
incluindo para ele. Ainda lutou uns anos, mas a sua alegria de viver tinha sido
abalada. Foi entristecendo e deixando-se ir.
Grande parceiro. Guilherme
d’Orey Mouzinho de Albuquerque Gaivão, o Gui.
§ § § § §
Não foi esquecimento, mas por falta de espaço que
deixei para diante outro colega.
Feitio complicado, o que não impediu que a nossa
amizade, por vezes com aparência de acabada, perdurasse sempre.
Nos primeiros anos dormiamos no mesmo quarto, e o "artista" já começava a mostrar a sua faceta "rabo de saia". Tinha uma namorada em Lisboa, mas tinha ido nesse dia a Évora e houve por lá uma festa não sei onde. Voltou eram umas duas horas da manhã, boa dose de copos no bucho, acorda-me, e diz-me que era "um infanticida"! - Eu estremunhado: Mataste alguém? - Não mas pedi namoro à "X" e tenho uma namorada em Lisboa. Além disso esta é muito mais nova do que eu"! - Dorme. Amanhã vamos discutir esse complicado assunto"! O que eu queria mesmo era continuar a dormir!
Um dia, não sei que desaguisado nos opôs, certamente na discussão de algumas “profundas e filosóficas” opiniões, quase terminámos à chapada. Uma besteira qualquer a que eu não dei importância, mas que para ele foi o suficiente para deixar de me falar, o que para mim não fez qualquer diferença.
Um dia, não sei que desaguisado nos opôs, certamente na discussão de algumas “profundas e filosóficas” opiniões, quase terminámos à chapada. Uma besteira qualquer a que eu não dei importância, mas que para ele foi o suficiente para deixar de me falar, o que para mim não fez qualquer diferença.
A Escola estava a 12 quilómetros de Évora, dinheiro de
bolso para gastar era coisa rara, tanto mais que para irmos farrar precisávamos
de um taxi que nos fosse buscar e outro levar de volta. E isso já era muita
grana!
Já no último ano, quartos individuais, as antigas e austeras
celas dos monges capuchos que ali se tinham instalado no século XVI, num
edifício sempre belíssimo, quando já nos preparávamos para dormir, ouço chegar
um carro. Coisa rara àquela hora. Corremos para ver o que era. Um taxi trazia
um professor.
Moral da história, tínhamos transporte de borla até à
cidade e só teríamos que pagar o regresso.
O Colégio Velho. Antigo mosteiro, Século XVI
Fui desafiar o meu “inimigo” para que nos acompanhasse.
- Eu não falo
contigo.
- Nem é
preciso. Vamos para Évora, bebemos uns copos e tu falas com quem quiseres.
- E
ainda te dou porrada.
- Então
resolve isso rápido porque o taxi está ali parado à nossa espera. Dá logo a
porrada, mas vem embora.
Foi e acabou-se a “profunda questão” que nos separara
e que nem ele sabia porque! Nem eu.
Já o curso terminado estávamos muita vez juntos. Ele
era vendedor dos automóveis Simca e um dia desafiou-me para ser seu co-equipier
num rally da Shell. Aceitei a ideia; a minha missão era cronometrar todo o
trajeto para não passarmos em controles secretos fora da média imposta. Para
isso entregou-me um painel com quatro cronómetros ligados dois a dois: quando
parava um o outro começava a contar e assim fomos sempre muito bem classificados.
Mas... numa saída apressada para carimbar a ficha de controle, tropecei, deixei
cair aquela preciosidade e dois cronómetros ficaram com seis – 6 – segundos de
diferença dos outros. Qual deles estava certo? Tivémos que escolher.
Azar o nosso, escolhemos o que estava desregulado, e
daí para a frente fomos penalizados em 6 segundos em todos os controles! Não
fosse isso teríamos ganho o rally na categoria dos carros de passeio!
Não chorámos, rimos!
Durante anos, entre 1948 e 50 fomos sempre parceiros
nas touradas: eu feito “espada” ou “bandarilheiro”, ele forcado. Depois passou
a fazer parte do Grupo dos Forcados de Santarém onde seu pai sempre pegara.
Antes de embarcar a segunda vez para Angola comprei
com ele um belo Simca Aronde, 1957, que fui buscar a Paris, e nas poucas vezes
que ia a Portugal muito rapidamente e raras vezes nos encontrámos.
Pouco depois ele decidiu entrar nas corridas de
automóveis em Monsanto, na mesma categoria dos carros de passeio. Entregou-me o
conjunto de cronómetros para que eu controlasse os seus treinos; ; a seguir a
esta categoria entravam os carros de corrida que deram origem, depois à Fórmula
1. Eu, entretido com os cronómetros ia controlando um ou outro, até porque no
meio deles havia um primo nosso com um belo Ferrari (que nunca ganhou nada!).
Um desses corredores chamou a minha atenção porque, fez umas quantas voltas
sempre exatamente com o mesmo tempo. Todos os outros faziam uns segundos a
mais, uns segundos a menos, mas aquele era matemático. Fui ver quem era: o
Fangio. Só podia; o maior de todos os tempos.
Casou, descasou, tornou a casar e nada lhe correu
muito bem. Um feitio complicado acabou porque lhe provocar a terrível doença,
que atinge as pessoas já desinteressadas.
Acompanhei-o um pouco neste seu final, mas era um
castigo tirá-lo de casa para irmos a um tasco qualquer comer um petisco,
distrai-lo, conversar. Estava azedo.
Meu querido e complicado amigo e colega de curso Carlos Mariano de Carvalho.
Estudante
ainda – Évora 1950
§ § §
Diretor da Mobil em Angola, como se pode imaginar
vivia bem. Muito simpático, sempre amável.
Em 1961 estava eu por França a fazer uma série de
estudos e visitas a fábricas e feiras especializadas, para o que a Cuca me dava generosamente 500,00 escudos,
o equivalente a US$ 20, por dia. Nesse tempo o Franco Francês, valia 0,80
de Escudo. Com essa fortuna eu, e minha mulher tínhamos que pagar o hotel e
comer. Fomos de carro e os quilómetros a companhia pagava à parte.
Começámos por ficar numa Pension de Famille em
Versailles (era ali o primeiro curso) mas como em Paris é que estava o by night, museus, ópera, etc. decidimos
procurar hotel na capital. Num posto de turismo deram-me um livro com os hotéis
todos, pesquisámos e encontrámos o ideal. Ao lado da Gare Sant Lazare, para eu
poder ir para Versailles sem ser de carro. Só atravessar a rua. Um hotel de uma
única *, mas um quarto ótimo, espaçoso, um quarto de banho enorme com banheira
“quase olímpica” e por um preço muito baixo. Um verdadeiro achado, e quase no
centro de Paris.
Numa visita a um dos museus encontramos o senhor
diretor da Mobil, que estava em Paris a trabalho e, claro, hospedado num dos
hotéis mais caros. Custava bem mais o hotel do que a ajuda de custo que eu recebia!
- Vem ver o
hotel que nós descobrimos.
Fui mostrar-lhe. Ficou boquiaberto,
- Só te
digo que este quarto é muito melhor do que o meu, que custa “x” vezes isto. E
então o quarto de banho, também sem luxo, é um luxo!
Ficou tão entusiasmado que depois foi contar a todos
os nossos amigos a descoberta que nós havíamos feito em Paris.
De bolso recheado, nesse dia pagou-nos o jantar! Haja
Deus. Pagou a Mobil.
Não tenho uma foto dele, mas saudades, sempre ficam. Guilherme José da Camara Ferreira Pinto
Basto. Outro Gui, Pinto Basto
§ § § §
Mais um da Mobil. Engenheiro, uma das pessoas que sempre me fizeram
inveja! Não pelo cargo, bem remunerado, que desempenhava, mas pela facilidade
com que adormecia.
Deslocavam-se a miúde, os técnicos das companhias de petróleo, à Europa,
América, etc. A maioria chegava ao destino cansada de longas viagens, e bem
antes dos aviões a jato, nos Super Constelation, muito confortáveis, mas que ao
atravessar o continente africano sacudiam como aqueles shakers para gelo e
coquetails. Eu experimentei algumas dessas viagens e chegava a pensar que para
acabar com aquilo o melhor era mesmo o avião cair!
Mas o nosso amigo creio que já subia a escada do avião com, pelo menos,
um olho fechado. Sentava, fechava o outro, e no destino, avião parado, todos os
passageiros saídos, as aeromoças tinham que ir acordá-lo!
Viagem santa! Que inveja!
O primeiro casamento, um dia, acabou. A mulher era um
bocado ciumenta. Um bocado é favor, e o nosso engenheiro era um homem alto,
elegante, simpático, alegre e certamente bonito, e nem consta que andasse a
saltar a cerca.
Fez um Curso de Cristandade e passou a querer
compartilhar as reuniões semanais. A mulher fazia-lhe a vida difícil. Desconfiava
até daquelas saídas à noite! Por vezes tinha que pedir a um amigo, como fez
comigo, para lhe telefonar a convocá-lo para uma importante reunião. Passava o
telefone à mulher e eu tinha que lhe explicar que tipo de reunião estava
prevista, quem eram os outros participantes, e como nenhum tinha fama – nem
proveito – de ser rabo de saias... lá fechava a boca e deixava o marido sair.
Era uma bela folga, para ele, uma vez por semana,
quando não tinha que ouvir sermão da mulher.
Tanto falou que um dia ficou a falar sozinha!
Ele, um cara extremamente simpático, tranquilo, amigo.
O Jorge Viegas.
Um “boa praça”!
23 out. 18
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