segunda-feira, 29 de outubro de 2018


Do Brasil                                                   por Francisco G. de Amorim

aos “artistas” e “intelectuais” portugueses

Finalmente acabou aquele terrível ambiente de tensão, desagregação, típico perfil da EXTREMA esquerda vomitando ódio e mentiras sem parar, dividindo as famílias, os amigos, o povo. Um povo conservador, mas inculto, que não consegue enxergar onde a esquerdíssma quer alcançar.
Há anos que a esquerda lhe vem mentido (e sempre roubando) comprando votos sem criar empregos, financiando sindicatos que ficam nas mãos de apaniguados (no Brasil há mais de 117.000 sindicatos!), financiando grupos terroristas como o MST, aparelhou todas as universidades públicas com reitores e dirigentes comunistas que abusaram de mentalização dos jovens, nomeou para cargos de alta responsabilidade indivíduos pouco mais do que analfabetos, e conseguiu com isso manter-se no PODER, com os sonoros aplausos de quase toda a mídia esquerdista mundial.
Até a Universidade de Coimbra, vetusta, infiltrada, infeliz, entregou o barrete de “Honoris Causa” a um ladrão que começou já a cumprir pena, mas que ainda falta ser condenado por mais de 80 bilhões com que se locupletou.
Cargos de “confiança” são mais de 50.000. Quiseram impor a “ideologia do género” para alunos a partir dos 11 anos, informando os pais que podiam ter relações sexuais com os seus próprios filhos a partir dos 6 anos de idade.
Avalizou empréstimos do Credit Suisse a Moçambique e à Venezuela que não pagaram, e agora o Brasil teve que desembolsar US$ 1,6 bilhões. O Morales da Bolívia nacionalizou a NOSSA refinaria de gás, não pagou e Lula “ofereceu-a”. Etc., etc., etc.
Com tudo isto, e muito, muito mais, passou a ser o líder querido da esquerda, aliás extrema esquerda, da América Latina, aplaudido, referenciado e protegido pela Internacional Comunista.
O PT ultimamente estava a ser financiado pelos bandos de narcotráfico.
Continuamos com mais de 60.000 assassinatos por ano.
Em dois anos o desemprego passou de 5 para 12 milhões de trabalhadores.
O país estava, e ainda está, num completo caos.
Aparece um homem, sozinho, sem dinheiro nem ninguém que o financiasse e desafiou não só a esquerda brasileira, mas toda a esquerda internacional que não aceita perder.
E começam a surgir, de todo o lado retratos desse homem, honesto, determinado e valente, com as mais vis mentiras, comparando-o a Hitler e outros infantis absurdos.
Artistas e pseudo-intelectuais fizeram inúmeros manifestos, atirando-se ao candidato como hienas esfaimadas, cheios de veneno, insultando, mentindo, mostrando até um misto de xenofobia e de colonialismo irritados por terem perdido a jóia da coroa, o Brasil, com que se arrogam ainda o direito de quererem dar ordens neste país.
Não esqueçam senhores pseudo artistas e intelectuais, que foram mais de 55 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro, e meia dúzia de complexados portugueses têm o descaramento de insultar os que, conscientemente souberam exatamente o que estavam a fazer. Julga essa pobre pseudo elite que só ela tem o poder de saber o que é bom para OUTRO país?
Que arrogância, que descaramento, e sobretudo que vergonha.
Felizmente, no entanto, o povo daqui nem lê essas patacuadas do Manel e Joaquim.  Além de os ignorarem, desprezam-nos.
Eu que sou português e vivo no Brasil há mais de 43 anos, envergonho-me, e neste momento, estou completamente ao lado do novo presidente eleito, a quem vou procurar ajudar com tudo quanto possa.
O candidato que perdeu, por fim discursou. Mal educado, péssimo perdedor, porque a esquerda não quer, não sabe perder, em vez de ter mostrado um mínimo de dignidade cumprimentando o vencedor e desejando, para bem do país, um bom governo, continuou a vomitar ódio, a assegurar que vão ferozmente lutar contra... para defender a democracia, palavra tão gasta já, que na boca dessa gente, chama-se impor a ditadura bolchevique.
Por fim, 12 horas passadas mandou uma mensagem ao presidente eleito: "Presidente Jair Bolsonaro. Desejo-lhe sucesso. Nosso país merece o melhor. Escrevo essa mensagem, hoje, de coração leve, com sinceridade, para que ela estimule o melhor de todos nós. Boa sorte!"  Deve ter sido a única atitude decente na sua vida!
Não se iludam senhores intelectuais lusitanos.
O “golpe”, a vitória da decência, não foi só no Brasil. Foi mundial, onde o marxista disfarçado continua a estender a sua teia, e por isso se vêem tantos “crâneos” dos eleitos fazerem previsões catastróficas, apocalípticas, para o novo governo.
Permita Deus que tudo corra bem.
A tarefa é imensa. A economia está de rastos, o desemprego, a saúde, a educação, a segurança, o narcotráfico, mas uma das tarefas a enfrentar desde já, talvez a mais difícil, seja desmontar toda a máquina administrativa.
Deixo só mais uma pequena mensagem para esses “assinantes de manifestos”: não venham ao Brasil, não fazem aqui falta nenhuma. Se quiserem passar férias e adular os da vossa laia, vão à Venezuela e entretenham-se a conversar com o “intelectual” Maduro. Talvez ele ainda se lembre como se conduz um ónibus.

29.10.18
  


domingo, 28 de outubro de 2018


Amigos – 14

Afinal o que é um amigo? Tem uma definição magnífica de Vinícius de Moraes, muito divulgada, e uma simples que diz que “o amigo é quem está contigo, quer estejas rico ou pobre. Mais ainda se estiveres pobre ou doente”.
Estes de quem vou lembrar hoje, teria, um, talvez mais de cento e cinqüenta anos; o outro cento e vinte e um.
Um com a idade do meu avô, outro do meu pai.
Teria eu poucos anos, muito poucos, aí três ou quatro e, quando chegava o verão, uma alergia extremamente incómoda, atacava-me as curvas dos braços e pernas, o que me dava uma tremenda coceira, que acabavam feridas. Para evitar que me coçasse ligavam-me as mãos, formando uma espécie de luvas, e o tratamento, era com um líquido pastoso (creio que uma mistura de oxido de zinco, ácido bórico, enxofre coloidal e talco ???) com que me pincelavam com uma brocha de pintar paredes. Punham-me nu em cima de uma mesa e vá de fazer a criança sofrer! Ardia p’ra caramba!
Secava um pouco as feridas, mas só passava esta maleita quando o verão chegava ao fim.
Os meus pais lá encontraram um médico, que na altura teria talvez uns sessenta anos (isto é bem chutado, mas era bem mais velho do que o meu pai) que passou a cuidar de mim.
Casado, pai de dois filhos já homens, independentes, fora de casa, sem netos, ao fim de algum tempo, mesmo sem me ir visitar como médico, passava lá em casa e pedia aos meus pais que o deixassem levar-me para dormir lá em casa dele. Lá ia, ele e a mulher, de quem não me lembro, tratavam-me como neto, cheio de  atenções e mimos, e no dia seguinte quando saía para o consultório, deixava-me em casa.
Numa dessas vezes parou no caminho, numa loja de brinquedos e comprou talvez um carrinho para me dar. Enquanto ele dentro da loja fazia o pagamento, eu esperava na porta, onde havia um monte de outros brinquedos, coisa pequena, mesmo à mão. Eu era o terceiro filho, e achei que se ele me dava um brinquedo eu poderia muito bem levar alguns mais para os meus irmãos, e passei a mão em dois ou três, certamente com o ar de inocência que essa idade permite, sem sequer os ter escondido.
Entrámos no carro, um belo e grande Renault, deixou-me em casa e à tarde telefonou à minha mãe para perguntar quantos brinquedos eu tinha levado.
-Três ou quatro. Porquê? – O dono da loja disse que eu lhe devia um dinheiro, porque o menino tinha levado mais uns brinquedos!
Quando me perguntaram eu respondi que peguei um para cada irmão. Nada mais simples.
Como é evidente ninguém se zangou comigo, o médico achou a maior graça e foi lá pagar a imensa dívida.
Quando uns bons anos depois fui ao Porto, talvez em 1950, a primeira pessoa que quis visitar foi o meu velho amigo e médico, desta vez ao seu consultório na Avenida dos Aliados. Estava velhote e muito zangado com a Renault, porque toda a sua vida só tivera carros desta marca e por último um lindo Viva Sport, mas que já velho tivera que trocar.


Acontece que a Renault, com a guerra, só voltou a fabricar automóveis em 1944, mas fazendo um carrinho minúsculo, aliás ótimo, o 4CV, que não servia para um senhor que teria talvez oitenta anos, e era um homem alto. A Renault não o deixou comprar um carro de outra marca. Enquanto não saiu o novo Fregate, só no fim de 1951, o representante do Porto pôs às ordens dele um carro seu, grande e confortável.
Foi a última que o vi e depois nada mais soube deste senhor, de quem até hoje, guardo na memória a sua simpatia e ternura.
Chamou-se Dr. Vasco Nogueira de Oliveira, e acreditem ou não, ainda hoje me lembro onde ele morava: na Estrada da Circunvalação, e nós na Rua Faria Guimarães!
Descanse em paz, querido amigo. Não tarda que nos voltemos a encontrar!
E eu prometo que não vou “roubar” mais brinquedos.
Esta coisa de memórias de amigos é como quem come pinhões, dumas coisas passa-se a outras.
Já em Lisboa, 1937, tínhamos uma empregada “ótima”, alta, desembaraçada, que se chamava Conceição. Era ela que me pincelava, e eu chorava com a ardência do tratamento. Estava ela um dia a torturar-me quando a minha mãe entra no quarto e vê a sobredita a enfiar-me aquele imenso pincel na boca quando eu chorava!
Mamãe não era para brincadeiras! Deu umas bem assentes chapadas na besta e correu com ela porta fora!
A minha alergia de criança só passou, teria eu uns catorze anos, e até lá em todos os verões era a mesma farra de me pincelarem.
Foi um médico em Sintra que sugeriu fazer um “auto-sangue”: tirar da veia e introduzir intramuscular. Mas foi avisando: essa alergia deve passar, mas outra vai aparecer. Apareceu: a febre dos fenos! Não lembro quantas sessões fiz, acabou a coceira, mas até hoje, só em Portugal, quando chega Maio e Junho, espirro que nem um bode. Nos trópicos...nada.

§          §          §          §

Este outro amigo, que nasceu em Copenhague em 1897, e de quem já referi, muito de passagem no texto Amigos 11, conheci-o em situação professional, e de maneira curiosa.
Apareceu-me um dia na firma Herold, onde eu trabalhava, para apresentar uma série de máquinas agrícola, de pequeno porte e uns quantos aparelhos para uso em laboratórios de controle de sementes e outras agronomices, que me pareceram interessantes, e iriam preencher uma faixa de equipamentos em falta em Portugal para o pequeno agricultor e para laboratórios simples, que muito foram, depois, ajudar os técnicos espalhados pelo país.
A história deste homem, bem alto e forte, na altura nos sessenta anos, filho de um dos maiores engenheiros e empreendedores dinamarqueses, sócio da maior empresa mundial de cimentos, e de engenharia é muito interessante,
Sempre sorridente, bem disposto, alegre, disse-me que não trabalhava na empresa que o pai deixara ao falecer, porque não entendia nada daquilo e então “eles lhe pagavam para ele não ir lá”! O irmão mais velho era o presidente do grupo.
Engenheiro civil, trabalhou com seu pai na FL Smidth até este falecer em 1925, depois foi como autónomo para Paris. Durante a ocupação alemã volta à Dinamarca envolve-se nos serviços de inteligência, e foi um dos fundadores do Conselho de Liberdade da Dinamarca. Obrigado a fugir para a Suécia ali atuou como enviado especial. No fim da guerra foi um dos elementos de reconciliação com a Alemanha Ocidental.
Ficou famoso pela sua atuação na resistência e uma placa simples, como devem ser as grandes homenagens, o recorda em cima da sua campa.
Erling Foss – 1897 – 1982
MEDSTIFTER DANMARKE FRIHEDSRAD
Cofundador do Conselho de Liberdade da Dinamarca

Voltemos aos negócios.
O senhor tinha montado uma empresa de exportação de produtos dinamarqueses, que vendia sem um centavo de lucro. Mas viajava por todo o lado, como vendedor e, dos impostos a pagar, que eram bem altos, deduzia todas as despesas da viagem com a firma! Inteligente.
Eu achei que tudo quanto me mostrara se adequava bem à nossa área de trabalho, tanto mais que a Empresa Herold já estava com a corda no pescoço, e apresentei o problema ao diretor, um menino rico que nunca trabalhara, saía no meio da manhã para ir a casa trocar de gravata para almoçar (verdade, verdadinha), a tarde aparecia de fato – terno – diferente, não sabia nada de coisa alguma, nem fazia p. nenhuma, mas tinha um carrão sempre novo. Disse-me com ar imbecil: Isso não vale nada. Não nos vamos meter nessa.
Comprometido com o senhor a tratar do assunto com todo o interesse, envergonhado, escrevi-lhe a contar do “desastre” na empresa. Ele, tranquilo só me disse: Não se preocupe. Faça o que entender.
Não tardou a aparecer uma consulta de preços para uma boa quantidade de equipamento exatamente daquele tipo, para Angola, a distribuir por regiões várias, para auxiliar no aumento de rendimento das populações locais.
Decidi apresentar, individualmente, uma proposta, na altura qualquer coisa como US$35.000. Há sessenta anos era uma grana boa! Ninguém mais apareceu e eu ganhei a concorrência... sem concorrentes.
O meu amigo ficou eufórico lá na Dinamarca, e eu aflito sem saber como lhe abrir o crédito, porque não tinha nem US$1! Este problema acabou por se resolver de forma muito simples. Abri conta no Banco Nacional Ultramarino, com 500$00 que o meu sogro me emprestou (e saquei logo a seguir!), entreguei toda a documentação ao banco, incluindo o recibo para o comprador, e... vapt-vupt, tudo resolvido e eu com uma bela maquia na minha conta!
Logo me interessei pelos outros equipamentos, mas como estava “preso” a horário de trabalho foi com o meu colega e amigo Henrique Godinho (ver Amigos – 11) que começámos a vender em Portugal uma série de outros equipamentos.
Em 1961, quando andei pela Europa, pedi que me dessem uns dias de férias e fui visitar o meu amigo em Copenhague, onde ficámos perto de uma semana. Foi amabilíssimo.
Deu uma volta conosco pela cidade, em meados de Março nevava, mostrou-me a estátua que fizeram em memória do pai, e convidou-nos depois para jantar em sua casa, às seis e meia! Ainda lhe pedi para repetir o horário e ele confirmou: 18h30. Eu nunca tinha jantado tão cedo, mas...
Casado de novo há pouco tempo (1958) um filhotinho que devia estar para chegar, meia hora depois do jantar tinha acabado a conversa! Mas ir deitar às sete da tarde?
Sabendo que eu trabalhava na Cuca, e sendo pessoa muito influente no país perguntou-me se gostaria de visitar a Carlsberg e a sua Fundação. Claro.
De manhã telefona-me e diz que estão à minha espera na fábrica. Das oito da manhã ao meio dia, visitei, com muito gosto, tudo aquilo, e aprendi mais algumas coisas.
À tarde perguntou-me se tinha sido bem recebido e se me tinham convidado para almoçar. Bem recebido, sim, almoço não. Ficou indignado. Telefona ao presidente da Tuborg a contar o “escândalo” da Carlsberg! Um amigo meu, cervejeiro, vem de Angola e não o convidam para almoçar! Logo feito o convite, para o dia seguinte.
Às oito da manhã, um frio do cão, dois diretores da Tuborg na porta da companhia, me aguardavam. Depois da visita e da troca de impressões, fomos almoçar num restaurante da fábrica. Ótimo.
Uma larga travessa circular cheia de peixe e frutos do mar e o indispensável e ótimo pão. Smorrebrod!
Começa o garçom por trazer três belos copos de cerveja e três cálices para bebermos a famosa Akvavit, aquavita, um destilado de origem escandinava. Do latim, aqua vitae, "água da vida'", álcool quase puro! Entre 40 a 50º. A garrafa vem muito gelada, completamente coberta por gelo.
Os “hospedeiros” pegam no cálice, miram todos os parceiros e saúdam: “SKOL”! Aguardente goela abaixo!
Logo que o primeiro copo de cerveja chegou ao fim vêm mais três, e nova dose de akvavit. Eu queria não beber, mas, vá lá, deve ser o último! “Skol!” Goela a queimar. À terceira vez eu neguei a aguardente, mas os dois diretores seguiram alternando a cerveja com a akvavit, e já na segunda parte do almoço, smorrebrod com carnes, só falavam um com o outro. Eu tinha sumido do campo de visão deles! No fim levantaram-se da mesa e eu tive que os seguir e assim foram andando pela rua. Eu atrás. A certa altura houve um que realizou que deviam ter esquecido alguma coisa: eu! Muitos cumprimentos, agradeci muito e os dois muito bem bebidos seguiram a vida deles! Foi sensacional. Valeu muito a pena.
No outro dia o meu amigo Erling convidou-nos para almoçarmos fora da cidade e visitar a sua belíssima casa de campo, numa área onde criavam, à solta, faisões, para depois caçarem.
Ele, com 64 anos, começava a ficar um pouco surdo e distraído, e quando ligava o pisca-pisca do carro ele depois não desligava sozinho! Para resolver o assunto instalou uma campainha para o alertar!  Engenheiro é para isso: inventar!
Talvez em 1964 decidiu fazer-me uma visita a Angola. Foi quando me contou que viajava de graça por todo o mundo! Sabendo-o caçador de faisões decidi levá-lo num fim de semana para caçar uns bichinhos um pouco maiores: pacaças.
Um grupo de caçadores, dois jeeps, lá fomos para as matas do Ambriz (hoje coutada). Ele não quis carabina, emprestei-lhe uma caçadeira. Saltaram duas perdizes, ele matou com "um duplo" e ficou encantado. Um pouco adiante, numa clareira entre a mata, viu uma árvore alta, isolada, e pendente um grande favo de abelhas. Confirmado que era de abelhas, admirou-se, mas mais se admirou quando ao regressarmos ao acampamento, voltou a ver a árvore, mas o favo... tinha desaparecido!
No meio do mato onde não se vê vivalma, quem teria sido? Os “terroristas”! O nosso convidado não queria acreditar! Como é que nós andávamos ali no meio de guerrilheiros com toda a calma? Podiam atacar-nos.      
- Não! Eles não estão interessados em gente que nada tem a ver com o colonialismo. O problema dos guerrilheiros era o sistema e não as pessoas.
Adorou a caçada, já nem sei se caçámos algum bichão grande, e no fim desse ano mandou-me, pelo Natal uma foto dele como filho mais novo, Toke.
Para despedida levei-o ao famoso restaurante Vilela, lá... nos fins da Estrada da Cuca, para comer o que era, na época, o melhor bacalhau do planeta.
Quando encomendei e lhe disse o que íamos comer, bacalhau, code fish, ele fez uma cara estranha e disse-me que era isso que o seu pai lhe dava, de castigo, quando, em menino fazia asneiras!
- Se não gostar pede-se outra coisa. Mas primeiro prova.
Veio o tal famoso bacalhau assado no azeite, com batatas, e o senhor exultou! Ele, alto e forte, apreciou imenso e comeu muito bem!
- Que pena o meu pai não me ter dado este castigo!

Em 1974, depois da revolução dos cravos (!) escreveu-me, preocupado com o que se iria passar nas colónias.
Respondi-lhe, andei uns tempos perdidos na nossa diápora, e foi a última vez que tivemos contato.
Guardo deste amigo uma imagem de muita simpatia, alegre, simples, inteligente, sempre muito atencioso comigo. Um grande homem.
Um abraço etéreo, Erling Christian Foss.

25 out. 18



quarta-feira, 24 de outubro de 2018



Amigos – 12 a

Vou fazer como nalguns lugares que evitam o número 13 por causa dos supersticiosos, o que não deve perturbar muito o espírito dos amigos a quem dedico estas pequenas passagens pela vida.
Começo por um membro da minha família.
Tinha mais uns cinco anos do que eu. Pertenceu a uma numerosa família, e na devida altura foi estudar agronomia. Forte, gostava de luta, fanático jogador de rugby, um dia pegou-se de razões com um professor, deu-lhe uns tapas e... foi expulso do Instituto, quando estava a meio do curso!
Ainda solteiro, ele e eu, ambos desempregados, sem sabermos um do outro, no mesmo dia fomos oferecer a nossa força de trabalho a um tio milionário, mas mesquinho.
Comecei por lhe dizer que gostava de ir para África e sabia que eles tinham lá uma imensa propriedade, onde eu poderia bem desenvolver os meus conhecimentos. Respondeu-me mais ou menos assim: Angola é uma mééé... e eu não quero saber daquilo para nada! Depois diz-me com ar que me dispenso de classificar que fosse vendo os anúncios dos jornais e se aparecesse alguma coisa, ele, que disse, conhecia muita gente poderia dar uma mãozinha!
Fiquei p. da vida e saí de lá com vontade de o mandar... para Angola!!!
À noite encontrámo-nos em minha casa, casa da minha mãe, e ele eufórico diz-me que tinha ido falar com o mesmo tio “m” e que ele o nomeou logo gerente de uma fábrica de farinhas!
Eu, o sobrinho – por afinidade – que ele mais elogiava, mandou ver os anúncios nos jornais, o outro, pretendente a sobrinho foi logo admitido!
Coisas.
Casou dois anos depois de mim. Uma noite, já não sei se casados ou solteiros fomos a uma boite lá prás bandas do Estoril, devemos ter dançado, bebido uns copos e não lembro porque nos desentendemos. Ele era bem mais forte do que eu, ameaçou-me logo de me “dar porrada”! Como é evidente não nos íamos envolver ao tapa ali dentro e disse-lhe: Se isso te dá muito gozo, o melhor é dares-me logo um soco e pronto. Acalmou. Rimos e o assunto ficou resolvido.
Carnaval de 1956. A minha irmã ainda solteira, eu, casado e segundo filho a caminho, tinha comprado um “carrão”: um Rugby 1926. Uma delícia. Saímos à noite para a farra, acompanhados da noiva e ainda da minha mãe.
Começámos por tomar um café na “Versailles”, Lisboa. À saída o carro não pegou, mas como o velhinho fazia muito sucesso, saíram logo uns quantos clientes voluntários que empurraram o carro e lá seguimos os cinco, para uma boite em Paço de Arcos. O prédio da boite tinha, já dentro, uma escadaria que levava ao âmago da “farra”. Quando começámos a subir aparece um casalinho, vestido de Arlequim ele e ela de Columbina, que pareciam querer ir embora. Ela tropeça ao descer o primeiro degrau, voa pelo ar e cai nos braços do meu (futuro!) cunhado. E ali fica ele, parado a meio da escada com uma Columbina, muito bem instalada nos braços, braços do valeroso salvador, o Arlequim entupido, sem graça, pensando já perder para o salvador a sua amante, e o restante de nós à gargalhada.
O Carnaval podia ter acabado ali. Uma cena destas não se repete na vida de ninguém.
Nos jantares de família, irmãos, a sua presença era fundamental. Sempre bem disposto. Houve vezes em que depois do jantar nos sentávamos os dois no sofá, abríamos a lista telefónica e “cantávamos os nomes e endereços” que ali apareciam em “ritmo” gregoriano! Um cantava o nome e o outro a morada! Uma beleza!
Era um sujeito generoso e com uma tremenda sorte no jogo. Tinha até visões estranhas. Mais de uma vez, seguindo de carro pela estrada, fixava os olhos na placa do carro da frente, gostava do número e comprava a loteria com esse número. E saia-lhe! Depois distribuía o dinheiro pela mulher, irmãos, o que calhasse.
Um dia a minha irmã e ele foram estar conosco uns dias em Lourenço Marques - Maputo  - depois da desgraça que se tinha abatido sobre nós com a perda de um filho. Entretanto fomos a Johannesburg onde havia a feira anual de agricultura.
Saímos cedo do hotel, deixando as mulheres ainda no descanso. Quando entrámos no elevador já descia uma família de fazendeiros sul africanos, boers, papai, mamã e um casal de filhos na faixa dos 15, 16 anos. Enormes, todos! Nós os dois, na faixa de 1,77m. parecíamos, e éramos, os baixinhos!
Depois na exposição, ele jamais imaginou o quanto aquele país, africano, ainda em pleno apartheid, estava desenvolvido, e se extasiou perante a maravilha dos animais exibidos: gado vacum, porcos, carneiros, etc., todos enormes, lindos. Imponentes. E mais as máquinas e a organização. Não esperava encontrar aquele nível de desenvolvimento, e ao fazer comparações com Portugal... Esquece!
Não demorou depois disto a chegar o famoso tempo dos cravos nas espingardas, que arruinou tanta gente. Empresas que fecharam, ou foram nacionalizadas e espoliadas, gente perseguida porque não era da cor, e a vida tornou-se difícil para muita gente, incluindo para ele. Ainda lutou uns anos, mas a sua alegria de viver tinha sido abalada. Foi entristecendo e deixando-se ir.
Grande parceiro. Guilherme d’Orey Mouzinho de Albuquerque Gaivão, o Gui.



§          §          §          §          §

Não foi esquecimento, mas por falta de espaço que deixei para diante outro colega.
Feitio complicado, o que não impediu que a nossa amizade, por vezes com aparência de acabada, perdurasse sempre.
Nos primeiros anos dormiamos no mesmo quarto, e o "artista" já começava a mostrar a sua faceta "rabo de saia". Tinha uma namorada em Lisboa, mas tinha ido nesse dia a Évora e houve por lá uma festa não sei onde. Voltou eram umas duas horas da manhã, boa dose de copos no bucho, acorda-me, e diz-me que era "um infanticida"! - Eu estremunhado: Mataste alguém? - Não mas pedi namoro à "X" e tenho uma namorada em Lisboa. Além disso esta é muito mais nova do que eu"! - Dorme. Amanhã vamos discutir esse complicado assunto"! O que eu queria mesmo era continuar a dormir!
Um dia, não sei que desaguisado nos opôs, certamente na discussão de algumas “profundas e filosóficas” opiniões, quase terminámos à chapada. Uma besteira qualquer a que eu não dei importância, mas que para ele foi o suficiente para deixar de me falar, o que para mim não fez qualquer diferença.
A Escola estava a 12 quilómetros de Évora, dinheiro de bolso para gastar era coisa rara, tanto mais que para irmos farrar precisávamos de um taxi que nos fosse buscar e outro levar de volta. E isso já era muita grana!
Já no último ano, quartos individuais, as antigas e austeras celas dos monges capuchos que ali se tinham instalado no século XVI, num edifício sempre belíssimo, quando já nos preparávamos para dormir, ouço chegar um carro. Coisa rara àquela hora. Corremos para ver o que era. Um taxi trazia um professor.
Moral da história, tínhamos transporte de borla até à cidade e só teríamos que pagar o regresso.


O Colégio Velho. Antigo mosteiro, Século XVI

Fui desafiar o meu “inimigo” para que nos acompanhasse.
- Eu não falo contigo.
- Nem é preciso. Vamos para Évora, bebemos uns copos e tu falas com quem quiseres.
- E ainda te dou porrada.
- Então resolve isso rápido porque o taxi está ali parado à nossa espera. Dá logo a porrada, mas vem embora.
Foi e acabou-se a “profunda questão” que nos separara e que nem ele sabia porque! Nem eu.
Já o curso terminado estávamos muita vez juntos. Ele era vendedor dos automóveis Simca e um dia desafiou-me para ser seu co-equipier num rally da Shell. Aceitei a ideia; a minha missão era cronometrar todo o trajeto para não passarmos em controles secretos fora da média imposta. Para isso entregou-me um painel com quatro cronómetros ligados dois a dois: quando parava um o outro começava a contar e assim fomos sempre muito bem classificados. Mas... numa saída apressada para carimbar a ficha de controle, tropecei, deixei cair aquela preciosidade e dois cronómetros ficaram com seis – 6 – segundos de diferença dos outros. Qual deles estava certo? Tivémos que escolher.
Azar o nosso, escolhemos o que estava desregulado, e daí para a frente fomos penalizados em 6 segundos em todos os controles! Não fosse isso teríamos ganho o rally na categoria dos carros de passeio!
Não chorámos, rimos!
Durante anos, entre 1948 e 50 fomos sempre parceiros nas touradas: eu feito “espada” ou “bandarilheiro”, ele forcado. Depois passou a fazer parte do Grupo dos Forcados de Santarém onde seu pai sempre pegara.
Antes de embarcar a segunda vez para Angola comprei com ele um belo Simca Aronde, 1957, que fui buscar a Paris, e nas poucas vezes que ia a Portugal muito rapidamente e raras vezes nos encontrámos.
Pouco depois ele decidiu entrar nas corridas de automóveis em Monsanto, na mesma categoria dos carros de passeio. Entregou-me o conjunto de cronómetros para que eu controlasse os seus treinos; ; a seguir a esta categoria entravam os carros de corrida que deram origem, depois à Fórmula 1. Eu, entretido com os cronómetros ia controlando um ou outro, até porque no meio deles havia um primo nosso com um belo Ferrari (que nunca ganhou nada!). Um desses corredores chamou a minha atenção porque, fez umas quantas voltas sempre exatamente com o mesmo tempo. Todos os outros faziam uns segundos a mais, uns segundos a menos, mas aquele era matemático. Fui ver quem era: o Fangio. Só podia; o maior de todos os tempos.
Casou, descasou, tornou a casar e nada lhe correu muito bem. Um feitio complicado acabou porque lhe provocar a terrível doença, que atinge as pessoas já desinteressadas.
Acompanhei-o um pouco neste seu final, mas era um castigo tirá-lo de casa para irmos a um tasco qualquer comer um petisco, distrai-lo, conversar. Estava azedo.
Meu querido e complicado amigo e colega de curso Carlos Mariano de Carvalho.
Estudante ainda – Évora 1950

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Diretor da Mobil em Angola, como se pode imaginar vivia bem. Muito simpático, sempre amável.
Em 1961 estava eu por França a fazer uma série de estudos e visitas a fábricas e feiras especializadas, para o que a Cuca me dava generosamente 500,00 escudos, o equivalente a US$ 20, por dia. Nesse tempo o Franco Francês, valia 0,80 de Escudo. Com essa fortuna eu, e minha mulher tínhamos que pagar o hotel e comer. Fomos de carro e os quilómetros a companhia pagava à parte.
Começámos por ficar numa Pension de Famille em Versailles (era ali o primeiro curso) mas como em Paris é que estava o by night, museus, ópera, etc. decidimos procurar hotel na capital. Num posto de turismo deram-me um livro com os hotéis todos, pesquisámos e encontrámos o ideal. Ao lado da Gare Sant Lazare, para eu poder ir para Versailles sem ser de carro. Só atravessar a rua. Um hotel de uma única *, mas um quarto ótimo, espaçoso, um quarto de banho enorme com banheira “quase olímpica” e por um preço muito baixo. Um verdadeiro achado, e quase no centro de Paris.
Numa visita a um dos museus encontramos o senhor diretor da Mobil, que estava em Paris a trabalho e, claro, hospedado num dos hotéis mais caros. Custava bem mais o hotel do que a ajuda de custo que eu recebia!
- Vem ver o hotel que nós descobrimos.
Fui mostrar-lhe. Ficou boquiaberto,
- Só te digo que este quarto é muito melhor do que o meu, que custa “x” vezes isto. E então o quarto de banho, também sem luxo, é um luxo!
Ficou tão entusiasmado que depois foi contar a todos os nossos amigos a descoberta que nós havíamos feito em Paris.
De bolso recheado, nesse dia pagou-nos o jantar! Haja Deus. Pagou a Mobil.
Não tenho uma foto dele, mas saudades, sempre ficam. Guilherme José da Camara Ferreira Pinto Basto. Outro Gui, Pinto Basto

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Mais um da Mobil. Engenheiro, uma das pessoas que sempre me fizeram inveja! Não pelo cargo, bem remunerado, que desempenhava, mas pela facilidade com que adormecia.
Deslocavam-se a miúde, os técnicos das companhias de petróleo, à Europa, América, etc. A maioria chegava ao destino cansada de longas viagens, e bem antes dos aviões a jato, nos Super Constelation, muito confortáveis, mas que ao atravessar o continente africano sacudiam como aqueles shakers para gelo e coquetails. Eu experimentei algumas dessas viagens e chegava a pensar que para acabar com aquilo o melhor era mesmo o avião cair!
Mas o nosso amigo creio que já subia a escada do avião com, pelo menos, um olho fechado. Sentava, fechava o outro, e no destino, avião parado, todos os passageiros saídos, as aeromoças tinham que ir acordá-lo!
Viagem santa! Que inveja!
O primeiro casamento, um dia, acabou. A mulher era um bocado ciumenta. Um bocado é favor, e o nosso engenheiro era um homem alto, elegante, simpático, alegre e certamente bonito, e nem consta que andasse a saltar a cerca.
Fez um Curso de Cristandade e passou a querer compartilhar as reuniões semanais. A mulher fazia-lhe a vida difícil. Desconfiava até daquelas saídas à noite! Por vezes tinha que pedir a um amigo, como fez comigo, para lhe telefonar a convocá-lo para uma importante reunião. Passava o telefone à mulher e eu tinha que lhe explicar que tipo de reunião estava prevista, quem eram os outros participantes, e como nenhum tinha fama – nem proveito – de ser rabo de saias... lá fechava a boca e deixava o marido sair.
Era uma bela folga, para ele, uma vez por semana, quando não tinha que ouvir sermão da mulher.
Tanto falou que um dia ficou a falar sozinha!
Ele, um cara extremamente simpático, tranquilo, amigo. O Jorge Viegas.


Um “boa praça”!

23 out. 18


quinta-feira, 18 de outubro de 2018



Amigos – 12


Creio que hoje vou contar algumas coisas só de um amigo. Tivemos muita coisa que nos uniu.
Natural de Moçamedes, Cabeça de Pungo, como por lá chamavam aos naturais daquela terra maravilhosa, o pai faleceu e a família, mãe e quatro filhos – três meninas – foram para Portugal.
Em 1946 fui estudar para Évora e ali que nos encontrámos. Da mesma idade, todos nos dávamos muito bem, mas não esqueço um dia, estava eu com um forte resfriado, ou gripe, numa cama da enfermaria, e ele, que havia recebido de casa algumas guloseimas – o que era habitual entre todos os estudantes – foi ver-me e ofereceu-me uma embalagem de goiabada, a única que tinha recebido, porque eu “estava doente”! E a nossa amizade ficou fortaleceu.
Atitudes impossíveis de esquecer, apesar de já terem passado mais de setenta anos!
Para tentar se livrar dos trotes que habitualmente se faziam aos caloiros, afirmava que tinha vindo da Escola Agrícola de Xivinguiro, em Sá da Bandeira, Angola. Nunca se apurou se era verdade, mas ele lá se foi safando e ficou conhecido como “Xivinguiro”!
Passámos cinco anos juntos, a estudar e a tocar guitarra (que eu, imodesto, lhe ensinei) e nas férias, em Lisboa, onde morava, sempre nos encontrávamos. Saíamos para ir ouvir uns fados, no verão com uns mirréis no bolso íamos à Feira Popular, ou ouvir uns fados e beber um copo na velha e magnífica Adega da Lucília, no Bairro Alto, ele muita vez almoçava em nossa casa, e como costumava chegar bem cedo, para me obrigar a sair da cama e irmos rondar a cidade, as minhas irmãs, que andavam ainda pela casa sem os fundamentais cuidados dos arranjos femininos, chamavam-lhe “O Despertador”!
A família vivia com pouco dinheiro, mas no bolso dele sempre havia alguns escudos, poucos. Nos meus, pouco mais do que ar! De modo que os nossos passeios por Lisboa, regra geral eram feitos a pé!

O “galã” aí por 1948 (com a minha guitarra!)

Acabámos o curso, ele começou a trabalhar na função pública e percorria boa parte do país.
Eu entrei na empresa de que ainda fazia parte, para trabalhar com máquinas agrícolas, e um dia recebi a visita de um senhor dinamarquês que procurava um representante para equipamentos do seu país, em que se incluíam diversos aparelhos de laboratório para exame de sementes. A empresa, com um diretor menino rico, mas absolutamente incapaz, torceu o nariz, eu achei que tinha interesse e comprometi-me a cuidar do assunto. Esse senhor, Erling Foss, muito mais velho do que eu, tornou-se um amigo que até me foi depois visitar em Angola.
Um dia o avô da minha futura (e atual) mulher deixou, em Coimbra, a alma ir embora, e aí vou eu, com sogros, noiva e cunhada, acompanhá-los. Lá estava o meu colega. Alegria no encontro, fomos jantar juntos quando lhe propus que, nos seus contatos pelo país, começasse a vender os aparelhos dinamarqueses. Dividíamos o lucro. Começou assim um pequeno negócio que nos ajudava de maneira simpática no fim de cada mês.
O restaurante era pequeno, numa mesa quase ao lado estavam duas turistas inglesas. O “Cabeça de Pungo”, rabo de saias incurável, como vamos ver, meteu logo conversa, dizendo-se meu apoderado - palavra espanhola para os empresários de toureios – e que eu era um grande matador! Abre a carteira e lá tinha duas ou três fotografias minhas a tourear! As inglesas ficaram entusiasmadíssimas. Nunca tinham visto um torero! Eu não podia rir para não desmascarar aquela “cantada”. Rimos todos, conversámos e no dia seguinte não o vi mais. Tinha ido para a praia com as misses, e certamente não se espraiaram só junto ao mar! Contou-me isso uns dias depois!
Um dia disse-me que ia ter uma festa em casa dum ministro, que tinha uma filha toda gatinha.
- Se eu tinha sido convidado? - Não. - Nem eu, mas vou. - Como, sem convite?
Dia seguinte contou-me a peripécia. Vestiu o smoking, todo elegante, entrou pela porta de serviço por entravam os criados que iam servir a ceia, passou ao salão e misturou-se com os convidados.
Cara de pau, sempre metia conversa, e era bom de papo, esteve lá muito bem a noite toda.
- Bela festa. E tem mais! Pedi namoro à filha do ministro, que gostou de mim, apresentou-me os pais, e agora posso lá ir quando quiser!

1950 – Na Adega da Lucília (ou “O FAIA”?)
Lucília do Carmo, Henrique, eu e de costas o compadre dos dois: Ruy Fragoso

Namorico que durou pouco. Aí em 1956 casou, com outra (!) teve um filho, mas o casamento também não aguentou muito.
O nosso negócio continuava, sem depender de conquistas amorosas, e quando decidi voltar para Angola, ofereci-lhe o negócio todo, apresentando-o ao amigo dinamarquês, que nos mandava tudo ou em consignação ou a pagar quando tivéssemos o dinheiro, como pessoa séria e trabalhadora.
Passa algum tempo uma australiana surge em Portugal onde foi passar uns dias. Conhecê-la e... o resto, foi rápido. A australiana engravida, regressa a casa, e o nosso amigo, arruma os negócios, deixa Portugal e segue-a.
Como qualquer não inglês foi mal recebido pela família da nova parceira. Desembaraçado, decide pôr-se em contato com uma série de empresas portuguesas para as representar naquele país, ao que logo foi atendido. Louças, tapetes, cortiças, vinhos, móveis, etc., e o negócio não tardou a florescer. A família já o olhava com outros olhos (de inveja) e o terceiro filho – depois do português dois australianos – chegou.
Quando rebenta a famigerada revolução dos cravos eu sabia que tinha que sair de Angola. Ir para onde com tamanha carga familiar? Só duas hipóteses me atraíam: Canadá e Austrália.
Entrei em contato com o velho amigo e sócio que me diz:
- Vem para aqui. Eu estou bem, tenho duas lojas de artigos portugueses. 50% do que tenho passo para ti.
Foi um choque. Era uma amizade antiga, verdadeira, estruturada em cima de confiança e brincadeiras, e decidi encarar essa perspectiva. Mandei a família para Portugal e meti-me a caminho de Melbourne, preparar para lá receber a família, para o que tracei o caminho via Brasil e Chile. Antes de sair de Luanda e depois durante todo o caminho fui tentando falar-lhe, mas nenhum dos números de telefone que tinha respondiam. Fiquei meio perdido, o tempo passou e vi-me obrigado a ficar no Brasil.
Tempos depois soube que tinha estado ausente quase três meses em viagem de férias e negócios na Europa, e foi assim que perdi a ida para um país sensacional!
Durante muito tempo soube unicamente que vivia em Melbourne e pouco mais.
Muitos anos depois, aí por 1990, Agosto, lembrei-me que era o dia do seu aniversário. Não tinha já o seu número do telefone, pedi à Embratel, dando o nome da pessoa e a cidade onde vivia e algumas horas depois recebi a informação correta.
Na ocasião nem me lembrei que haveria quase meio dia de diferença horária e assim mesmo chamei.
Atendeu numa voz feminina, ensonada. Lá era uma e meia da madrugada!
- Who is calling so late?
- A very old friend, from Brasil.
Perguntei pelo menino dos anos. Dormia. Disse-lhe que o acordasse que eu estava a falar de muito longe.
- Wake up. Is a friend of yours.
Voz rouca, de sono:
- Quem fala?
- Vou já dizer quem fala porque estar com adivinhas custa caro! Sou o Chico Amorim.
- Tu estás na Austrália???
Infelizmente não estava. Pouco falámos, mas anotámos o endereço de cada um e voltámos a trocar correspondência, moderna, por fax. Uma das cartas repetia que estava bem, casado pela terceira vez, com um muito jovem casal de filhinhos, e dizia que mandasse para lá um dos meus filhos para lá trabalhar com ele. Nem um se atreveu, o que eu considerei uma babaquice!
Só a Joana, sempre voluntariosa, achou a ideia interessante, tratou do passaporte e visto e lá foi, garantido alojamento em casa dele, alimentação e algum argent de poche¸ como baby sitter dos dois últimos filhos, que tinham quatro e dois anos. Passou lá seis meses, adorou, mas não quis ficar!
O conquistador que se gabava de continuar a fazer filhos quando do meu lado eu tinha já dois netos, prometeu que numa próxima ida à Europa passaria pelo Brasil. Este terceiro casamento também não tardou a findar!
Nunca mais nos vimos e pouco depois as comunicações foram interrompidas.
Só uns anos depois soubemos que um câncer de estômago o tinha levado.
Meu muito querido amigo Henrique Godinho, como um irmão, sempre pronto a ajudar, o “Xivinguiro”, de nome todo Henrique Manuel de Mendonça Torres Pereira Godinho, que lembro sempre com muita amizade e saudade.

16/10/2018