Desde a Idade Média!
Afonso Henriues e Luis XV, por exemplo. A diferença entre estes
que foram reis é razoável. Um, rei por mérito próprio, trono conquistado no braço, o outro é rei parido,
nascido em berço de ouro!
Um reinou 46 anos, o outro 72.
Meio
milénio os separam, 1139 ou 1143 para um, 1643 pra o outro, mas algumas
curiosidades os unem como veremos. E tudo tem a ver com comida. O que se comia
na idade média, os nomes de alguns objetos e alimentos, e ainda as “comidas”,
as que alimentavam o estômago e as... que passaram a ser conhecidas como “as
oferecidas” ou “o pular da cêrca”!
Comiam,
desde muito antigamente, pão. O pão
considerado pão fino era o pão de
trigo, mas fazia-se pão de milho, barona ou boroa, de centeio, de mistura
centeio e milho, e quando a fome era grande até de cevada, que era o que davam
aos cavalos.E havia ainda pão de bolota!
O
pão era pão coito, cozido e até pão biscoito, cosido duas vezes para mais tempo
se aguentar sem se estragar, e guardava-se na saquitania!
Carne
havia muita: vaca, cabra, cordeiro, láparos, galinhas, frangos, frangões,
porcos, e muita caça, muita dela hoje desaparecida como ursos, porcos monteses,
cervos, perdizes, adens (patos), garças, etc.
Também
se fazia muito uso de termperos, mesmo antes de serem os portugueses a trazê-los
de África ou do Oriente, como pimenta, gengibre e outros.
No
século XIII Urraca Vaz que vivia com a Rainha Isabel de Aragão, mulher de D.
Diniz, sofria de ataques, e nessas alturas atavam-lhe pés e mãos, que de outra
forma não a podiam segurar, e lancavam-lhe pimenta moida pelo nariz! E nem
assim acordava. Foi a Rainha Santa que a curou. Mas olha que tratamento
simpático, hein?
D.
Dinis e D. Isabel de Aragão
Também
se preparavam uns electuários – medicamento feito à base de diversas drogas,
esmagadas sob duas pedras - e alguns deles faziam dormir prolongadamente! O
próprio Infante D. Pedro o confirma: “deu lectuário ao cavaleiro com que o fez
dormir longo tempo. O qual era composto de espécies tam estremadas para fazer
deleição mais saborosa”!
Assinatura
do Infante D. Pedro, Duque de Coimbra
Havia
várias condimentos, com ervas naturais, que hoje se perderam.
Uma
planta, comum em toda a Europa meridional, era oruca (que deve ser a que hoje chamamos de rúcula” – Brassica eruca), de sabor acre, ardente, considerava-se como um excitante e só deviam
ser usadas em saladas. No século XIV condimentavam com ela jantares (almoços) e
também se faziam saladas juntando-lhe mel e açúcar e água, chamando-lhe “oruga
de mel ou de açúcar”. O primeiro
Arcebispo de Braga, Dom Pedro (1071-1091) dizia que “os alimentos quentes que picam, como pimento, oruga... e uma grande
jantarada incitam à luxúria!”
Tendo-se
bebido vinho desde tempos imemoriais, não havia vinho tinto. Vinho tinto é
coisa tardia. Havia vinho branco, “rosetes” e vermelho (em França é rouge, em
inglês red, e só nós, os hispânicos é que tingimos o vinho!) e de repente, não
se sabe quando, na Península Ibérica o vermelho virou tinto! Porquê?
Havia
o que consideravam o vinho bom e o vinho mau! E até havia uma vinho
“ffurmjgento” – que formigava na boca. Seriam os vinhos verdes?
Os
ingleses importavam bastante vinho, sendo “vinho bastardo” e “vinho dos
Algarves”, mas no século XIV muito cântaros eram de vinho da Azoia, Atouguia e
da Lourinhã! Anrique da Mota, poeta do ancioneiro Geral:
É
uma coisa muito sã
Para
os corruptos ares
Nos
dias caniculares
O
beber pela manhã
Atouguia
ou Lourinhã
Em
1388, D. João I fez da dízima, doação dos vinhos que vêm da Atoguia para
Lisboa. Seria o “meu” maravilhoso Ramisco???
O
Bispo Dom Bernardo, enviado pelo Papa (Clemente VI) fazia ao rei um formoso arrazoado fundado na Santa Escritura,
procurando a paz entre Castela e Portugal. D. Afonso IV respondeu-lhe: “Vós me falais em teologia, e eu sei mais de
beber que dela, por o que me parece que já é horas. Será bom que o vamos
buscar!” Acabou o “sagrado papo” e beberam uns copos!
Não
eram só os homens que bebiam. As monjas do convento de Santa Clara de Vila do
Conde , fundado por Afonso Sanches, bastardo de D. Dinis, em 1318, tinham, por
determinação do fundador uma boa ração de vinho: “uma canada, pois seis targas faziam um almude coimbrão, que é um
cântaro de vinte e quatro quartilhos.”
E
diz mais: “... mandamos que a cada dona
dem senhas (?) tagras de vinho cada
dia puro, e a tagra seja tamanha que como aquela que i deixamos, que fazem seis
tagras e meia um almude de Coimbra.” (Se fosse o almude do tempo de D.
Pedro, 19,7 litros, cada tagra, igual a canada, era de quase 3 litros. Quer
isto dizer que as seráficas e consagradas donas à regra Franciscana mamavam
três litradas de vinho por dia, e do puro? No fim do dia aquilo lá dentro devia
ser uma grande farra.)
Igreja
de Santa Clara – Vila do Conde
Conta-se
até que a certa altura da
história do Convento, havia bastante relaxamento na vida religiosa das monjas.
Orgulhosas, recusavam os trabalhos, davam-se a falatórios inconvenientes e eram
pouco zelosas em acorrer à reza nas horas canónicas. (Pudera não! Mamando 3
litradas de vinho “bom” por dia...)
E
na segunda metade do século XV deu-se uma transformação nos hábitos! Parece que
os homens passaram a beber menos do que as mulheres, pelo menos de acordo com Garcia
de Resende:
As
Portuguesas honradas
Vemos
por desonra haver
No
rosto e face poer
E
trazer averdugadas,
E
também vinho beber;
Por
desonestas haviam
As
tais coisas que faziam,
Depois
foram tão usadas,
Que
todas hão que as passadas
Nem
sabiam, nem viviam.
Já
por lá haveria muitas Marias Pardas!
Cerveja,
não havia. Parece que só no começo do século XV é que aparecem dois navios em
Portugal que carregavam cerveja.
À
cerveja chamavam-lhe sicera, o que,
de acordo com alguns pesquisadores equivaleria ao que hoje se chama cidra, o
que tem mais lógica. Mas parece que essa tal sicera se tornou famosa e tão desejada nas tabernas, tão agradável como
os eflúvios do vinho, mas naquela época ainda escasseava nas tabernas dos
peões.
Sicera era toda a
bebida alcóolica distinta do vinho.
Mas,
curioso: em meados do século XV há notícia de Portugal exportar lúpulo!
Muita
coisa tinham os portugueses de antanho para comer: leite, manteiga, queijo (e,
olha, não pasteurizado!) atabefe (coalhada), ovos, rábano, legumes, hervanco
(grão de bico), hortaliças, azeite, vinagre, mel, açúcar, e as castanhas que
eram uma das frutas mais consumidas. E entermoço! Tremoços. No começo do século
XIV já se cultivava a cana de açúcar no Algarve e pouco tempo depois passou a
vir em maiores quantidades da Ilha da Madeira. E começam a aparecer os
“açúcareiros” do rei!
Frutas
havia à vontade, tanta variedade ou mais do que hoje. Famosos os figos lampãos,
que o Duque de Bragança pediu para comer na sua última refeição, antes de ser
decapitado!
Nas
cozinhas usavam-se inúmeros instrumentos: caldeiros grandes e pequenos,
panelas, “peelas” de cobre (sertãs), “catores” (?), colheres de ferro e de
pau... e um malhadeiro, almofariz onde se malhavam as ervas ou grãos a reduzir a pasta, agumil, jarro de boca
estreita para líquidos, almotaria, vasos grandes para guardar azeite, já havia
cabaças, as vasilhas feitas de do fruto do cabaceiro, e almarcovas ou coitela,
cutelos, etc.
E para tudo havia nobres responsáveis:
copeiros, reposteiro, manteeiro, açucareiro, confeiteiro. Copeiro era o
responsável por levar a comida e o vinho para a mesa, e servi-lo.
A história conta, ou duvida, que D. João II
tenha sido envenenado. Não admira, apunhalou o Duque de Viseu e mandou
decapitar o de Bragança, a nobreza tinha-lhe um medo terrível. O que é verdade
é que Fernão de Lima, copeiro-mor, Estevão de Sequeira copeiro-menor e Afonso
Fidalgo, homem da copa, morreram todos poucos dias antes dele. (Andaram a
treinar qual o melhor veneno?)
Algumas cozinhas reais ou de nobres começaram
a ter bacias e outros utensílios de prata.
E as mesas eram forradas com toalhas de
Holanda, manteis para mãos e para água (guardanapos), e ainda manteis para
cobrir as mesas ou o assento dos bancos,
e uns mais compridos usados por cima da roupa para não se sujaream tanto!
Comiam com as mãos, mas sempre as lavavam
antes e depois das refeições!
Na segunda metade do século XVI (entre 1558 e
1583) escreve Fernão Mendes Pinto, ao
falar duma estadia no Japão:
«porém (o rei) ali nos
mandou chamar a todos cinco a casa de um seu tesoureiro onde já estávamos
aposentados, e nos rogou que por amor dele quiséssemos perante ele comer com a
mão assim como fazíamos em nossa terra, porque folgaria a Rainha de nos ver. E
mandando-nos logo preparar a mesa muito abastada de iguarias muito limpas e bem
guisadas, e servida por mulheres muito formosas, nós nos entregámos todos no
que nos punham diante bem à nossa vontade, porém os ditos e galantarias que as
damas nos diziam, e as zombarias que faziam de nós quando nos viram comer com a
mão, foram de muito maior gosto para el-Rei e para a Rainha que quantos autos
lhe puderam apresentar, porque como toda esta gente costuma a comer com dois
paus, como já por vezes tenho dito, tem por muito grande sujidade fazê-lo com a
mão como nós costumamos.
Ao comer seguiu-se uma farsa desempenhada pela filha do rei e mais seis
moças. A filha fazia de mercador; as seis, também fantasiadas de mercadores,
faziam de filhos dele. O mercador procurava que o rei recomendasse aos
portugueses a compra da mercadoria não revelada e cujas amostras, para o rei
ver, as tais seis traziam.»
Escreve Fernão Mendes Pinto:
«...e depois que o mercador com outra prática muito bem concertada lhe
deu (ao rei) as graças da mercê
que lhe queria fazer de lhe fazer vender aquela fazenda, as seis desembrulharam
os envoltórios que traziam, e deixaram cair na casa uma grande soma de braços
de pau como os que cá se oferecem a Santo Amaro, dizendo o mercador com muita
graça e com palavras muito discretas, que pois a natureza por nossos pecados
nos sujeitara a nós outros a miséria tão suja que necessariamente as nossas
mãos haviam sempre de andar fedendo ao peixe, ou à carne, ou ao mais que
comíamos com elas, nos armava muito aquela mercadoria, porque enquanto nos
servissem umas mãos se lavariam as outras».
De qualquer modo, em Portugal, pelo menos,
eram lautos os banquetes. E já se chamavam banquetes porque todos os
coonvidados se sentavam em bancos que ladeavam as mesas. Bancos do comprimento
das mesas. Não havendo hierarquias cerimoniais cada se sentava onde queria, era
um perfeito “chega pra lá”, “bunda com bunda”!
Mas há mais histórias de outras comidas...
interessantes.
Em determinada ocasião D. Afonso Henriques
foi hóspede de D. Gonçalo de Sousa, que o convidou para jantar (o jantar era
pelo meio dia); este foi à cozinha para que tudo se arranjasse como deve ser.
Quando regressou para anunciar que a comida estava pronta apanhou o rei em
“amores com a própria mulher”, e disse simplesmente: “Senhor, levantai-vos que ca adubado (a comida) a tendes.” O monarca levantou-se e foi comer! Já devia ter
saboreado o aperitivo com a D. Sancha, a terceira mulher de D. Gonçalo, que
após a refeição a mandou para fora de casa. Não parece que D. Sancha fosse grande
cozinheira, mas devia ser um ótima recepcionista, obrigando-se a acompanhar tão
ilustre hóspede! Isso não causou grande prejuízo ao cornudo que além de ouvir
uns “porros” do rei, casou pela quarta vez!
Noutra refeição D. Afonso Henriques comia com
alguns dos seus nobres. A comida devia estar boa e suculenta e Fernão Mendes, o
Bravo, o Braganção, aparece com um pouco de molho a escorrer-lhe pela barba!
Os outros convivas, entre os quais se
encontrava Sancho Nunes de Celanova, riram-se muito o que o deixou furioso e
não descansou enquanto o rei não lhe deu uma das suas irmãs que estava casada
com um dos gozadores! E também se chamava Sancha. O que lhe não deve ter feito
grande confusão porque esta Sanchinha separou-se do Sancho de Celanova e despachou
o novo marido Fernão Sanches com razoável rapidez!
Estas Sanchas deviam ser bem frescas!
A mãe de Afonso Henriques, assim que o Conde
Henrique se finou ela logo se aconchegou com o o Conde Fernão Peres de Trava.
Não era nada de especial esta troca troca!
O filho não lhe ficou atrás porque teve
descendência de, pelo menos quatro mulheres.
D. Pedro I casou com Constança de Castela e
Aragão, mas quem ele traçava mesmo era a Inês e Castro.
O filho de Constança, o fraco Fernando I,
casou com Leonor Teles, mas era o Conde de Andeiro quem usufruia das “graças”
da Rainha, na maior cara de pau, até que um dia o Mestre de Avis lhe acabou com
a festa.
Eram confortáveis as almadraques em que
repousavam (repousavam?) as cabeças!
E o D. Pedro II? Prende o irmão, rouba-lhe o
trono e a mulher, a quem fez um filho, depois corre com ela, casa com Maria Sofia de Neuburg a quem faz mais sete
além de mais três de variadas oferecidas.
Mas, o que tem Luis XV a ver com tudo isto?
Instaladão em Versailles, exbanjando dinheiro e rodeando-se de inaptos e
inúteis nobres, não deixava, nunca, de estar rodeado de lindas mulheres, até
porque a lista das que queriam ir para a cama do rei era grande. Sempre dali
viriam benesses.
Como sua magestade não tinha tempo para
apreciar todas com os devidos e indispensáveis cuidados, resolveu o problema de forma real: nomeou um
dos seus criados de Versailles como “provador oficial” das “oferecidas”.
O zeloso funcionário passava uma noite na
cama com a preposta amante, e no dia seguinte apresentava o seu “veredito”; o
rei então decidia se aceitava ou não a preposta.
Pelo menos aceitou a linda Madame Du Barry,
que já tinha um longo curriculum camarário, gostou e esteve com ela até bater a
bota.
Coitada da linda Barry. Perdeu a cabeça coma
Revolução!
A tal Madame Du Barry... não era pra se jogar
fora!
Ora vejam lá no que dão os manjares da Idade
Média e a média de outros “manjares” da nobreza!
Mas um dos campeões, foi D. Pedro I/IV –
Brasil e Portugal: sete filhos com a Leopoldina, um com Amélia, quatro com
Domitila, mais um com a irmã desta, Benedita, e outro com Henriette. Isto é o
que se sabe, mas tem muita gente dizendo-se descendente deste mulherengo!
01/06/2018
Francisco,
ResponderExcluirOnde é que vai buscar todos estes suculentos textos?
A pobre da D. Tareja não começou por se afiambrar com o pobre Fernão, mas com Bermudo o filho herdeiro dos poderosos condes galegos de Trava.
Com a morte de seu (dela, Tareja) tio Garcia, Tareja começou a deitar as vistas para o reino da Galiza (um dos 3 reinos de primeira plana no império peninsular talhado por Fenando Magno - sendo os outros Leão e Castela) de que o finado tinha sido rei por herança de Afonso VI de Leão e Castela, seu pai (Garcia era o filho mais novo). Por esses tempos, instigados por Diego Xelmires, bispo de Compostela, revoltavam-se os condes galegos, primeiro contra Afonso VI e, por morte deste, contra D. Urraca (outra fresca, cujas aventuras sentimentais não vem agora ao caso descrever). Tareja farejou a oportunidade e, para trazer a revolta dos condes galegos para as suas côres (ser raínha de um reino periférico e com fraco senhorial não lhe bastava), oferece em casamento (isto é, cerimónia de grande pendor diplomático presidida e certificada pela Igreja) a sua filha Maria Henriques (neta do imperador Afonso VI, recordo, o que seria uma promoção política sem preço para a família do futuro marido) ao amante Bermudo.
Os ricos-homens e infanções de Entre-Douro-e-Minho, vassalos dos grandes condes galegos, é que não acharam graça nenhuma à ideia, porque quase nada ganhariam com a vitória dos seus senhores, e levariam pela medida grande se a revolta galega fosse esmagada. O argumento, puramente político esgrimido pelos de Entre-Douro-e-Minho foi que a sua raínha tinha praticado um crime horrendo, o incesto, ao dar a sua filha ao seu amante. A justa de S. Mamede surge na sequência deste revolta mais local dentro de uma revolta muito mais ampla e com maior alcance.
Isto para dizer que D. Tareja só veio a casar (aos olhos da Igreja, entenda-se) com Fernão muito depois destes factos. Fernão que aparece a assinar o tratado de Zamora como testemunha do seu enteado Afonso Henriques. O resto é imaginação do romantismo histórico.
Por último, é interessante notar que descendentes, mas não em linha directa, do casal Bermudo de Trava-Maria Henriques, os Trastâmaras, vêm a reinar sobre Espanha cerca de três séculos mais tarde. Segundo as regras da genealogia, eles é que eram, ao tempo, os únicos e verdadeiros descendentes directos de Afonso Henriques.
Abraço
APM