Algumas leituras – 2
Que me perdoem os leitores, não só da página que há
anos me concede o jornal Sol Português, de Toronto, e mais os deste blog, se
vos impinjo alguns considerandos sob a capa de comentários a livros que (ainda)
vou lendo, alguns dos quais me dão um prazer especial.
Se gostei, procuro compartilhar. Há, por certo, quem
queira também se dar esse prazer.
No último texto falei sobre alguns livros de António
Pinto da França, e voltarei a falar dele no próximo.
Desta vez só alguns detalhes sobre um autor que, muito
mais do que escritor, foi toda a vida, e continua, já com largas décadas nos
ombros, com o mesmo “bichinho” a desafiá-lo, um incansável, irrequieto trotamundo, sempre à procura de novas
gentes, muito mais do que novas paisagens.
Desde garoto se meteu à aventura, viu o mundo abrir-se
lhe e não perdeu tempo em o conhecer.
Andou à volta do globo, procurando em primeiro lugar
conhecer as gentes, e por acréscimo, os lugares.
Escreveu primeiro um apanhado da sua inquieta ou
irrequieta vida, a sua ânsia de mais e mais conhecer, a que deu um título que
no Brasil seria “o bonde só passa uma
vez; ou pega ou fica parado”, em Portugal poderia ser mais ou menos “mais vale um pássaro na mão...” em
kikongo, algo parecido com “kwenda moki i
kwenda luzi” que significa, em tradução livre “vendo é que se ganha experiência”! Certamente em todas as línguas
haverá algum provérbio com o mesmo sentido que se pode adaptar ao seu livro.
O autor optou por aquele que mais configura o que foi
sendo a sua vida:
E foi assim que agarrou dezenas de oportunidades que
lhe foram passando à mão. Não deixou nunca o cavalo seguir sem o cavaleiro.
Desde o Magrebe a Moçambique e Angola, da Finlândia ao
Monte Athos, a Montanha Sagrada na Grécia, e sobretudo ao Brasil com especial intenção
de um dia poder visitar as regiões mais emblemáticas, como o Pantanal e a
Amazónia.
Deu asas à sua curiosidade, inquiria, procurou viver,
muitas vezes, do mesmo modo que os visitados, para os compreender e se fazer
compreender.
O livro não é um “tratado” de literatura, mas é
certamente uma lição de vida agitada, um contínuo aprendizado com novas gentes,
o que nos deixa um pouco de amargo, para não dizer inveja de não termos podido
também ter visto um Cavalo Encilhado
nos passar tantas vezes à porta!
Curiosas, curiosas é palavra demasiado simplória, e muito
interessantes observações nos transmite através das suas vivências, que nos fazem,
de forma muito direta entrar em todos os lugares que visitou, como no meio de
alguns povos indígenas, o que ajuda a compreendê-los melhor.
Tem um “quê” de Tratado de Geografia! Aprende-se muita
coisa, em cada um dos lugares por onde andou.
São vivas as descrições que faz das igrejas/mosteiros
gregos lá... plantados no alto de imensos rochedos, onde se revivem mil anos de
história, a curiosa “notícia” duma igreja especial há meio século construída,
uma maravilha da arquitetura, que em vez de sair do chão para as alturas, foi
escavada num rochedo no centro de Helsínquia.
Igreja da
Rocha - Temppeliaukio kirkko - em Helsínquia, na Finlândia
A travessia do deserto do Saara, numa expedição de
aventureiros, quase nos faz colocar uma máscara para que não nos entre nos
olhos aquelas areias.
O principal vem da magia da Amazónia. Milenar, mas
novo. A vivência no meio dos índios, tudo isso contado com detalhes sempre de
muito interesse.
E tanto a Amazónia lhe ficou a cutucar as idéias que um
quarto de século mais tarde organiza uma expedição, a todos os títulos mais que
louvável de que foi editado um livro contando toda essa imensa aventura.
Leva-nos pelo interior da Amazónia, conta-nos dos seus contatos com os jovens
das escolas por onde passou a dizer-lhes que a Amazónia é deles, brasileiros,
porque Pedro Teixeira, em 1639, tomou posse de todas as terras visitadas em
nome do Rei de Portugal, na altura Filipe III.
Distribuiu por todo o lado um pequeno livrinho
dedicado às crianças, muito bem elaborado, contando a história do porquê a
Amazónia é brasileira
O livro que relata toda a expedição, não é um livro de
literatura. É um livro de história, de geografia, com sensíveis descrições dos
contatos humanos, são lições de determinação e vontade, que define o autor e
mentor como um trotamundo que parece imparável.
Quando vi anunciado o lançamento deste livro, em
Portugal, escrevi a uns amigos perguntando como poderia comprá-lo. Não passou
muito tempo recebo-o em casa com “um abraço” do autor que não conhecia.
Através da Editora escrevi-lhe um pequeno, comentário,
que lhe chegou às mãos.
Quando me agradeceu começámos a descobrir que não nos
tendo nunca encontrado, vivemos na mesma época em Luanda e São Paulo, tínhamos
os mesmos amigos, e cada uma conhecia o outro, por ouvir falar dele, há mais de
quarenta anos.
Precisámos dum encontro “ao vivo”. Aproveitámos a
minha passagem por Portugal, e fomos dar o abraço da amizade “escondida” tantas
décadas, num almoço em Lisboa, com dois amigos comuns de desde... sempre, bem aos
pés do belo Padrão dos Descobrimentos.
Lugar com um simbolismo bem especial. A ambos correm
nas veias alguns genes dos descobridores, irrequietos, desejosos de ver novos
mundos e novas gentes. De viajar. De não estarmos quietos.
Foi um belo abraço. De amigos há meio século que nunca
se tinham abraçado!
E aqui fica outro, António de Bacelar Carrelhas.
15/04/2018
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