Carioquices
eclesiásticas !
Em 10 de Julho
de 1576 o papa Gregório XIII (um príncipe italiano, Ugo Buoncompagni), criou a Prelazia de São Sebastião do Rio de
Janeiro sob a administração do Bispado de São Salvador da Bahia, instituindo um
prelado administrador com poderes e faculdades quase episcopais.
Famoso pela
introdução do novo calendário
O primeiro a
ocupar o cargo foi o Presbítero do Hábito de São Pedro Bertolameu Simões
Pereira (1577-1602), que não deve ter entrado com o pé direito porque começou
logo a ser perseguido pelo povo, que se indispôs contra a demasiada autoridade
que o prelado se arrogava, e este não teve outro remédio senão retirar-se, e
foi para a Capitania do Espírito Santo. Foi um infatigável opositor à escravidão
do índio, e daí a perseguição do povo.
É bom ter em
mente que naquele tempo os habitantes destas paragens, pelo menos uma boa parte
deles, tinha imigrado para longe de Portugal terra sujeita a excesso de
autoridades: do rei, ainda a melhor delas, dos nobres, e sobretudo dos padres,
bispos, etc., com a sua inexorável arma da excomunhão, sua prepotência e ainda
com a constante ameaça da Santa – santíssima! – Inquisição.
O Novo Mundo apresentava-se
lhes como uma espécie de paraíso onde o Reino de Deus era oferecido a cada
homem, independente de hierarquias e imposições, que na Europa já tinha dado
origem à Reforma e a toda a evolução da ciência e “das luzes” que se começaram
a acender! Ora um recém-chegado disposto a fazer regredir a liberdade, com
certeza não era “persona grata”. Tinha que ser um grande religioso, em toda a
acepção da palavra, para cativar almas rudes. E grandes religiosos, houve, sim,
mas não tantos quanto seria desejável.
Seguiu-se na
Prelazia, o Bacharel João da Costa Braga (1603-1606), logo também odiado e
perseguido pelo povo. Retirou-se em 1591 para S. Paulo onde foi deposto e
morreu.
Veio depois, em
1607, o Dr. Mateus da Costa Aborim (1606-1629) que também quis mexer na
escravatura dos índios. O povo entrementes não tinha a quem prestar contas. Mas
o tal Dr. Mateus, abusado, vexou o povo com monitórias e excomunhões;
excomungou os vereadores por quererem demolir uma casa de frades beneditinos a
qual embaraçava o embarque e desembarque dos moradores da Prainha (hoje a Praça
XV); procurou dificultar a ação de um desembargador enviado da Bahia pelo
Governador Geral para sindicar no Rio; e fez mais umas quantas semelhantes até
que acabou envenenado em 1629. Ainda esteve 22 anos a encher o saco dos cariocas!
Seguiu-se um
frade beneditino que não durou um ano. Renunciou!
Os primeiros
prelados abusaram tanto da sua “autoridade” que quando chegou o Dr. Lourenço de
Mendonça (1631-1639?), em 1632, poucos dias depois já o povo colocava um barril
de pólvora debaixo da sua cama, com quatro morrões acesos! Explodiu e destruiu
a casa mas o tal Dr. Lourenço... por sorte não estava em casa! Tão pouco
gostavam dele que quiseram enfiá-lo dentro duma embarcação desapalherada e levá-la
até alto mar onde seria abandonada! Soube o Dr. Lourenço do que se tramava
contra ele, fugiu, refugiou-se num barco e regressou a Portugal!
Em 1643 calhou
a vez ao presbítero secular António Mariz Loureiro (1643-1657). Assim que
chegou foi visitar terras da sua jurisdição, e em São Paulo , ou pela má
vontade do povo ou por sua arrogância, foi perseguido. Refugiou-se com os
franciscanos, e apesar do povo ter cercado o convento, consegui evadir-se,
fugir para o Rio, e sempre odiado, ir para o Espírito Santo, onde lhe
administraram veneno, perdeu o juízo e assim regressou a Portugal!
Em 1658, o rei
escolhe o Dr. Manuel de Sousa e Almada (1658-1667), que depois de curto governo
já havia voltado o povo contra ele que o acusou diretamente ao rei. Uma noite
apareceu em frente de sua casa uma peça de artilharia que disparou uma bala que
se foi alojar numa das paredes. Procedendo-se à devassa veio a verificar-se que
tinha sido o próprio Almada para se fazer de vítima! Condenado a pagar as
custas do processo, desistiu do cargo e foi-se!
O seguinte não
foi mais diplomata: o Dr. Francisco da Silveira Dias (1673-1681), começou a sua
administração por excomungar os que cortavam mangue nas marinhas fronteiras às terras
dos jesuítas; acusaram-no de simoníaco pelo benefício que daí tirava e não
tardou a largar o posto!
Eram estes
prelados comissários do “Santo Ofício” e da Bula da Cruzada, mais uma das
invenções de Roma contra o que se insurgiu Martinho Lutero, mas que lhes dava
um rendimento considerável. Além disso atormentavam o povo com penitências e
excomunhões, intrometiam-se em negócios estranhos à Igreja, mandavam indagar
aos navios que demandavam o porto do Rio, de onde vinham, para onde iam, que
carga carregavam, impediam que saíssem mercadorias da alfândega sem autorização
sua. Além de tudo isto eram, regra geral, gente de pouca instrução e rara
moralidade!
Não primava
também o povo pela moderação e bons costumes! Não admira, o “Mundo Novo” era
terra de liberdade e liberdades!
Em 16 de
Novembro de 1676 a
prelazia foi elevada a diocese, com direito a bispo! Dom José de Barros de
Alarcão (1800-1700), Lisboa, Doutor em Canônes pela Universidade de Coimbra. As
coisas pareciam que estavam a melhorar. O primeiro bispo foi homem de ação,
prudente e douto, começou a moralizar a vida dos padres e com isto também a do
povo.
Assim andou a
Diocese, melhorando-se a cultura dos padres, aumentando a fé e o respeito dos
fiéis, até que em 1741 veio ocupar a Mitra D. Frei João da Cruz. Ao visitar as
Minas mostrou-se de tal forma rigoroso e tanto exorbitou que o povo arrancou os
badalos dos sinos para que não repicassem à sua passagem! Quatro anos depois
renunciou ao cargo e o Governador apoiou a sua renuncia pois era excessivo o
descontentamento do povo mineiro!
Em 1745 veio de
Angola o Bispo D. António do Desterro, beneditino. De seu nome todo frei António
de Nossa Senhora do Desterro Malheiro Reimão, OSB. Começou como bispo em Angola, em 1738, e depois
transferido para o Rio. Teve uma chegada atribulada porque parece que o navio
que o trazia terá arribado às “Ilhas de Maricá”, o que significava desastre
possível, até que finalmente em 1746
a Fortaleza de Santa Cruz anunciou a sua entrada na
Guanabara. Este foi um grande administrador, admirado, estimado, misericordioso,
bom, que teve um triste fim de vida ficando os últimos sete anos bastante
doente. Um exemplo de pastor, que foi sepultado no claustro do Mosteiro da sua
Ordem. Fundou um hospital para leprosos no bairro de São Cristóvão no
Rio de Janeiro. Hoje este hospital é denominado Hospital Frei Antônio. (Não admira ser tão bom: veio de Angola!)
Foi no seu
tempo que o tipógrafo português António Isidoro da Fonseca, em
1747, estabeleceu uma tipografia no Brasil, no Rio de Janeiro, chegando a produzir alguns impressos, os mais
antigos feitos nesta Colônia.
Ainda no mesmo ano, sem ter podido fazer grande
trabalho, em Portugal se
tomou conhecimento desta “gravissima transgressão”, e por ordem régia foram
seus bens seqüestrados e queimados e o tipógrafo deportado para Lisboa!
Enquanto o Rio
não teve o seu Bispo, parece que “as coisas” não corriam muito bem. Mas uma boa
lição se pode tirar dessas brigas entre prelados e povo: o povo sabia reclamar,
exigir os seus direitos, não se deixava espezinhar, mesmo que fosse ele mais
inculto do que hoje (Seria?)
Mas essa força
popular parece ter-se perdido. Hoje os administradores públicos mandam,
desmandam, roubam, não fazem, e ao povo não lhe sobra disposição para exigir os
seus direitos! Parece que perdeu a noção da sua força, além de estar dividido pelas
teóricas ideologias políticas. Naquele tempo era “Povo unido...”
Que pena!
N. Estes elementos da vida carioca, foram
recolhidos no livro “Rio de Janeiro – Sua história, monumentos, homens notáveis
e curiosidades” – Vol. I, de Moreira de Azevedo, 1861, e de outras fontes
24 jan. 10
Será que, como eles, levaremos mais de 200 anos para achar alguém que realmente faça algo como administrador deste país ?? Gostei da ideia de botar o barril pra explodir! kkkkkkk
ResponderExcluirUm barril só é pouco!
ExcluirMUITO, MUITO INTERESSANTE. Abraço
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