quarta-feira, 8 de novembro de 2017



A  prima  Lucília

Lá para as bandas do Norte de Portugal, terras de gente boa, mar generoso, por vezes perigoso, no seio de uma família com algumas posses foram nascendo meninas. Sempre.
No meio de mais quatro irmãs que todas foram casando, umas com melhores, outras com menos bons maridos, a número três a contar de cima (ou de baixo), não encontrava pretendente que lhe servisse, e a bater nos trinta e mais uns quantos, já estava resignada a ficar para tia.
As irmãs diziam-lhe que não fosse tão exigente, que homens bons são mais raros que diamantes, que quanto mais bonitos mais as mulheres os querem roubar, ricos passam a vida na farra, etc., mas a verdade é que...
Apesar disso nunca descuidou a aparência. Não se deixava engordar, fazia todos os dias uma boa caminhada, como para ir comprar o necessário para a casa, pão, verduras, tudo. Quando passava na rua, o padeiro, atencioso, supondo que o fazia desapercebidamente, vinha até à porta despedir-se, suspirava e dizia para com ele: “que desperdício”. Lucília parecia adivinhar-lhe o pensamento, e o seu trajeto obrigatoriamente passava pela padaria, onde comprava todos os dias o pão, sem pressa, sabendo estar a ser toda analisada pelo simpático padeiro, que sabia casado, mas com uma mulher que devia pesar mais de cem quilos.
Um dia surgiu, tal Dom Sebastião, vindo no meio do nevoeiro, o “cavaleiro dos sonhos”. Um imigrante que saíra de casa pouco mais que adolescente, de volta à terra, os bolsos bem forrados, a saúde aparente em forma, e a idade... estava a inteirar os cinquenta.
Sozinho, de família conhecida, não tardou a visitar todos os que há umas quantas décadas tinha deixado, querendo saber tudo, e contando as suas venturas e desventuras em terras do além mar.
Chegou o dia de visitar a mãe de Lucília, a quem chamava tia, viúva há muito, o marido tinha-se “ido”.
Salvador, o imigrante, não tinha mais pais nem irmãos, nem outros parentes na terra, os que sobravam estavam todos imigrados, atencioso, sempre que sabia que havia senhoras nas casas que ia visitar não se esquecia de levar um simpático ramo de flores.
A velhota recebeu-o com muito carinho, apresentou-lhe a filha, onde o viageiro fixou bem os olhos, e pediu a Lucília para trazer aquela garrafinha de vinho do Porto. O especial, aquele que só se abre em ocasiões raras.
- Para receber o filho da minha velha amiga, e quase vizinha, a Emília, que Deus tenha em boa paz, tem que ser o melhor vinho. E traz também aqueles bolinhos secos. Caem muito bem a esta hora.
Lucília não tardou a voltar com tudo quanto lhe pedira a mãe, e encontrou os dois em animada conversa. A boa velhota, que raro recebia visitas, estava toda animada e contava histórias de quando Salvador era menino, e também o destino que levaram as outras filhas. Só Lucília é que ainda não encontrara o seu par!
Lucília corou um pouco e Salvador não deixou de notar, mas nada disse.
Conversaram um bom bocado, e à saída, Lucília que o acompanhou até à porta, foi assim solicitada:
- Desculpe o que vou perguntar, mas um solteirão nesta terra morre de tédio. Gostaria muito de a convidar para jantar comigo um destes dias. O que acha?
Lucília, hesitou, quase corou, mas achou que um jantarzinho fora, era até uma ideia boa.
- Acho muito simpático. Aceito sim. Quando quiser.
Não tardou dois dias, o Salvador já queria, Lucília também, mesmo desde o primeiro dia. Ele foi buscá-la a casa, fora da cidade havia um belo restaurante, com ótimos mariscos, e para lá foram.
Andaram uns quilómetros e pouco depois estavam sentados numa mesa com vista para o mar, que àquela hora, já noite, só mostrava um pouco da espuma que se deliciava espraiando-se na areia.
Conversa variada, o que você fez lá por onde andou, o que faz tenções de fazer agora, e ela, por sua vez foi-lhe dizendo que pouco mais fazia do que tomar conta da mãe e da casa, às vezes duns sobrinhos, quando alguma das irmãs viajava ou estava adoentada.
O jantar estava ótimo, o vinho, aquele Alvarinho que não tem rival, no fim estavam os dois muito mais descontraídos e parecia até que já se conheciam há tempos.
De volta a casa, ainda a porta fechada, à despedida, Salvador disse-lhe, sem rodeios:
- Lucília. Nós já não somos crianças e pelos vistos estamos condenados à solidão. Quer casar comigo?
Desta vez Lucília corou, mas também não muito. Já não era mais criança.
- Salvador. Você foi muito gentil comigo, e vi bem a sua educação enquanto falou com a minha mãe, mas uma proposta dessas, assim à queima roupa, a esta hora da noite e depois de termos bebido aquele ótimo vinho, deixa-me confusa. Além disso quase que nem nos conhecemos.
- Ao menos faça-me uma promessa, simples. Que vai pensar nisso.
- Vou. Mas hoje qualquer resposta que lhe desse seria, de certeza, disparatada.
- Combinado. Vou deixar passar uns dias e depois telefono-lhe. Não para me dar qualquer resposta pelo telefone, como é evidente, mas talvez para tornarmos a sair. O que acha?
- Muito bem.
- Então, boa noite e muito obrigado pela companhia.
- Eu é que agradeço. Boa noite, Salvador.
Lucília já tinha ouvido uma porção destas propostas, a última há uma dúzia de anos! Casar agora? O que faria com a mãe? A solução é ficarmos a viver nesta casa, tanto mais que Salvador por enquanto não tem casa. Acho que com as coisas assim arranjadas até vale arriscar o casamento. O que posso perder com isso? Talvez só, só, a última oportunidade. Vou dormir e amanhã volto a pensar.
Dormir? Ah! Lucília nessa noite quase não dormiu. Mesmo acordada já dava voltas na cama a pensar como seria a vida de casada, e isso a deixava excitada e confusa.
De manhã, o mesmo ritual da caminhada, o padeiro, etc., e ao chegar a casa vê um carro à porta, ainda com o motorista dentro. Salvador.
- Eu sabia que tinha saído e não quis incomodar a sua mãe, de modo que esperei aqui fora. A missão a esta hora é para a convidar para almoçarmos. No mesmo restaurante, só que de dia para podermos ver bem o mar.
- Oh! Salvador. Mas que pressa! Entre, entre, enquanto eu arrumo as compras e, pelo menos preparo o almoço da minha mãe. Depois podemos sair.
A mãe da Lucília quando viu os dois entrar, ficou atenta, e assim que a filha se aproximou, piscou-lhe o olho, e cumprimentou, muito alegre, o Salvador.
De volta à estrada a caminho do restaurante, Salvador diz-lhe:
- Só falamos no nosso assunto depois de sentados. Pode dar-me um ataque ...
- Combinado.
Encomendado o almoço, e o vinho, Salvador limitou-se a perguntar se Lucília cumprira a promessa:
- Pensou?
- Pensei.
- E o que decidiu?
- Olhe, Salvador, nós, como lhe disse, não somos mais crianças, de modo que o risco é menor! Eu gostei, desde o primeiro instante, da sua educação e atitudes, e acho que nos podemos entender muito bem.
- Que maravilha. Quer dizer que a resposta é sim.
- É, mas tem alguns problemas que precisamos acertar: primeiro temos que nos conhecer melhor. Todos temos virtudes e defeitos e é bom conhecê-los antes do que ter, depois, surpresas desagradáveis. Outro assunto importante é que não posso abandonar a minha mãe. Você disse que queria construir ou comprar uma casa ou um apartamento, o que não vejo necessidade. Podemos ficar a viver na nossa casa, que é bastante grande e não nos tira liberdade. Vamos é ter a minha mãe quase sempre às refeições e na sala. Mas ela, pelo menos tanto quanto a conheço, nunca interferiu na vida de ninguém. Este é o problema principal.
- Como sabe eu trato a sua mãe por tia. Lembro dela desde criança, e tenho-lhe o maior respeito e simpatia. De modo que esse ponto é pacífico. Então está resolvido. Vamos casar. E depressa, que o tempo corre mais que o vento. Amanhã vamos tratar da documentação, e eu vou já falar com o Padre Manoel, o bom velhinho que me batizou. Ele vai ficar encantado.
Durante um mês os encontros eram diários. Discutiam assuntos de toda a sorte, riam, brincavam e passaram a conhecer-se!
Nem um mês depois, à porta da pequenina e antiga igreja de São Jorge, os noivos, deixavam-se fotografar, sozinhos, com a mãe, depois irmãs, com o já velhote e bom padre Manoel, etc., e seguiram todos para o almoço no restaurante que acabou por uni-los.
Tinham pressa os noivos. Precisavam começar logo a vida de casal. Deixaram os convidados na festa e foram para a lua de mel, na montanha. Lugar lindo, aquele friozinho que obriga a que os casais se abracem mais, passeios no parque, um sonho de que Lucília, e mesmo Salvador, não queriam acordar.
Amaram-se muito, trocaram juras de amor eterno, aquelas coisas que os noivos, em lua de mel costumam fazer. E estavam felizes.
De volta a casa, onde Lucília já tinha preparado o quarto deles e até uma salinha só para os dois, a vida corria calma, apesar de Salvador pensar que tinha que encontrar qualquer atividade, com o que Lucília concordou plenamente. Não tinha idade para se deixar sentado numa cadeira até ficar pateta.
Antes de aplicar qualquer dinheiro, pôs Lucília ao corrente de todos os seus bens, abriram contas em mais do que um banco no nome dos dois, e tudo quanto fizesse dali para a frente assim seria sempre.
Tinha um dinheiro bom, e procurou uma sociedade onde pudesse aplicar algum, estar ocupado e ter um rendimento. Encontrar um sócio capaz e sério não é fácil e demorou uns meses até que a oportunidade apareceu. Informou-se bem, pediu referências e avançou. Era no Porto, para onde teria que ir todos os dias. Afinal eram só uns trinta e poucos quilómetros e à tarde estaria de volta.
A primeira semana correu muito bem, quase só aprendendo a mexer-se dentro da firma de que tinha agora metade do capital, chegava a casa sorridente, um beijo na sogra, abraçava a mulher, convencendo-a, facilmente, a que se deitassem cedo. Tinha que trabalhar no dia seguinte, e ainda tinham que se amar. Recuperar as décadas desperdiçadas!
E a vida parecia ter entrado numa estrada perfeita.
Salvador ia para o trabalho de carro, conduzia sempre em baixa velocidade, assobiava descontraído ou ouvia uma música calma, para chegar à empresa sem qualquer estresse. E na volta o mesmo. Os meses corriam, sempre feliz com a escolha e a sorte que tivera.
O ritual se repetia; jantar com a velhota, um pouco de conversa na sala, e cama onde se amavam com as forças que a idade lhes permitia.
Numa noite, Salvador sentiu-se mal. Dor no peito, respiração difícil, chamam o médico, este leva-o a correr para o hospital, onde durante o resto na noite a equipa das urgências tentou salvar-lhe a vida. Salvador não resistiu.
Foi uma tragédia. Lucília não se conformava. Tantos anos tinha esperado, até que por fim encontrara um homem bom, educado, amigo, e poucos meses o teve! A mãe acompanhava-a na tristeza porque do mesmo modo se afeiçoara muito ao novo membro da família.
Dois anos depois a mãe seguiu o caminho do genro e, de repente, Lucília estava só. E triste. Já nem achava graça aos olhares do padeiro.
Continuar a viver naquela casa era disparate, muito grande, dava imenso trabalho e despesa, mesmo tendo ela herdado tudo que pertencera a Salvador, e não era pouco. Pôs a casa à venda e a melhor oferta que teve foi duma prima, da idade dela, que já não via há anos, mas que tinham sido muito amigas em novas. Morava no Porto e queria uma casa para sair da tumultuada cidade. Além disso, com tantos quartos, no verão, os filhos para ali viriam até com amigos passar as férias. Mantinham a casa no Porto para os filhos, alguns no começo da faculdade.
Tudo combinado e aceite por todas as irmãs, a prima e o marido, Natália e António, propuseram outro “negócio” à Lucília: ela ficaria a viver com eles, não precisava tirar ou vender as mobílias, nem se preocupar com a casa. Em troca, de vez em quando ela ficaria com os filhos deles, que durante a semana, na época de estudos ficavam no Porto, porque António muita vez viajava e gostava de levar a mulher.
Lucília achou a ideia boa, transformou o sótão num espaçoso quarto para deixar os novos proprietários mais à vontade, bem como ela ficaria.
A vida segue. Os primos eram gente educada e os filhos, dois rapazes de doze e dezesseis anos, e uma filha com quinze, sempre atenciosos, sem nunca darem preocupação, a casa ficou cheia de vida, o que alegrava a antiga proprietária.
Compartilhavam as refeições e a sala, conversavam, lembravam tempos de meninas, António via televisão ou lia o jornal, sem deixar de, volta por volta, fixar o olhar mais anatómico na nova prima.
Os invernos sempre frios naquele lugar, este parecia especialmente rigoroso. António mais uma vez teve que viajar dizendo que demoraria quatro ou cinco dias. Era habitual.
A prima convenceu Lucília a que na ausência do marido dormisse no quarto dela. A cama era bastante larga – dava para três ou quatro, segundo ela dizia – e evitavam estar a aquecer o frio quarto do sótão. Lucília achou meio estranho, mas lembrou que em novas tantas vezes tinham dormido juntas, que achou até boa a ideia.
Natália dormia como uma pedra. Assim que se deitava e cobria com a roupa, já não dava conta de nada, e ia direto até de manhã. Nem se mexia. Onde caía ficava, imóvel. Lucília, que levava mais tempo a adormecer, invejava tal capacidade, porque enquanto não adormecia, pela sua cabeça passavam todos os bons e maus bocados que vivera.
Desta vez António interrompeu a viagem mais cedo e regressou a casa noite alta. Foi para o quarto, despiu-se sem abrir a luz para não acordar a mulher e quando se ia a deitar tocou num corpo estranho!?
Lucília que estava meio adormecida, ao sentir aquele corpo encostar nela, toda tremeu. António, espantado, ia perguntar alguma coisa, quando Lucília lhe fez sinal que não falasse, apontando para a prima que dormia, e que a deixasse sair da cama. António ao querer ajudá-la, agarrou-a, viu que ela se deixava envolver e percebeu que tinha na mão uma fêmea carente.
Não hesitou, entrou com ela na cama e não a largou mais. Lucília deixava-o fazer tudo, e não queria grandes evoluções para não acordar a prima que dormia como pedra, ali mesmo ao lado deles!
António explorou aquele presente que acabava de encontrar, e Lucília do mesmo modo pensava no seu querido Salvador.
Quando terminaram, Lucília, envergonhada e ao mesmo tempo satisfeita, sai correndo e vai para o seu quarto que encontrou gelado. António, sabendo que a mulher não acordava até de manhã, mais ainda sabendo que ele estava em viagem, decidiu segui-la. Lucília pediu-lhe que não insistisse. Já tinham entrado em terreno perigoso.
António via agora uma mulher acordada, cheia de vida na cama, coisa que para ele se ia tornando raridade. Cada vez que ele se preparava para ter relações com a mulher tinha que se deitar antes dela, porque sabia que quando ela caía na cama, apagava. Assim, já a esperava, agarrava-a logo, e não a deixava adormecer!
Agora não.
Aquela primeira noite fora um delírio, mas, e daqui para a frente, como fazer? Sempre havia a hipótese de deixar Natália adormecer e depois subir mais um andar, mas era jogo perigoso e António não queria pôr o casamento em perigo.
No dia seguinte a mesma rotina, Natália admirada do marido ter voltado mais cedo, que ele explicou com um argumento qualquer, e na sala, após o jantar, a mesma conversa, e mais olhares do António, sem que Natália se apercebesse.
Lucília voltou a dormir no seu quarto, mas sempre dizia que não precisava de aquecimento, porque os cobertores a mantinham bem aquecida durante a noite.
Os cobertores, e António, que assim que recuperava as forças, à socapa, depois da mulher desmaiar no sono, subia ligeiro aquele último lance de escadas para se enfiar debaixo das calorosas cobertas que estavam sempre dispostas a recebê-lo.
Não adiantava vir para casa mais cedo, porque a hora do encontro nas alturas, literalmente, só depois de Natália adormecer, e não era capaz de conceber outro local onde pudessem satisfazer-se mais vezes.
Surgiu uma grande hipótese. A filha precisava de ir a Lisboa prestar provas para um estágio, importante para ela. Teria que ficar uns três ou quatro dias na capital. Natália disse que a acompanharia e a vida em casa e no Porto continuaria como sempre, com o que o marido concordou na hora.
Como sempre... foi a melhor esperança para António. Ia ficar em casa, sozinho com a prima! No dia em que a mulher e a filha seguiram para Lisboa, António aproveitou e foi mais cedo para casa. Lucília, apesar do inverno não ter terminado, os dias começavam a ter algum sol e a excitar as glândulas do amor, vestiu-se com roupa mais leve, mais colorida, sentindo-se rejuvenescer e parecer mais atraente. Nem precisava.
Lucília não era menina, mas continuava atraente, e além do espelho, bem via a cara e os sussurros do padeiro. No íntimo... até gostava. Era bom para o ego. Agora então, sentindo-se tão desejada...
Durante a ausência de Natália, António sempre voltou para casa mais cedo. Jantavam qualquer coisa e acabavam dormindo juntos. Bem juntos.
E começava a pôr a questão se amava mais a cunhada, ou se era simples questão de sexo.
António já quase deixara de esperar na cama que a mulher se deitasse. Mas Natália começou a notar que os seus jogos de amor estavam a rarear, e um dia, em vez de se deitar logo, deixou-se ficar na borda da cama à espera do marido, que estranhou.
- António. Há muito que não esperas por mim na cama! O que se passa? Já não me amas, ou não me queres?
- Que pergunta tola, Natália. Quantas vezes eu quero agarrar-te e fazer amor contigo e tu me respondes com um ronco. Ainda para mais continuo a achar-te uma mulher bonita, a quem muito quero. Mas tu adormeces que nem pedra, o que posso eu fazer? Vontade tenho eu, e às vezes muita, mas, e tu?
- Então vem cá. Vamos nos amar mais um pouco.
Começava a não ser tão fácil. António tinha que acudir a dois lados. Como?
Os meses passavam, António subia aqueles degraus sempre que podia, enquanto Natália como que estátua de pedra nos braços de Morfeu, dormia.
Uma tarde António chega a casa com um amigo espanhol. Manolo, boa figura, a aproximar-se dos sessenta, vivia em Málaga e tinha negócios com António. Eram amigos e viam-se com regularidade.
Apresentou a mulher e a cunhada, onde Manolo não pôde deixar de reter o olhar por mais uns instantes.
António tinha-o convidado para jantar em casa, ao que Natália se opôs; era melhor irem a um restaurante. Depois voltariam para o café e até sugeriram que Manolo dormisse no quarto vago de um dos filhos. De manhã, os dois sairiam cedo e ele regressaria a Espanha.
Jantar simpático, alegre, e como Manolo se tinha separado da mulher há largos anos, António, meio brincando, meio a sério, atira-lhe:
- Manolo. Aqui tem uma mulher linda à sua espera. Lucília enviuvou há uns quatro anos, continua linda e é uma magnífica dona de casa. Porque você não dá um passo em frente e casa com ela? Fariam um casal maravilhoso.
- Oh! António! Você está louco? – Disseram Natália e Lucília ao mesmo tempo.
Manolo ficou meio sem jeito, mas olhou melhor para Lucília, e no seu íntimo, algo lhe começou a dizer que era uma solução interessante e até apetecível.
- Sabes, António, Lucília é, sem dúvida, uma mulher muito interessante, mas nunca vi fazer-se um casamento entre dois pratos dum jantar! E depois, casamento é coisa que só os dois podem analisar. Agradeço muito a sugestão, mas não me parece indicado falar sobre isso. É, com certeza constrangedor para a Lucília.
- Então bebamos mais um copo à vossa saúde, e algo me diz que ambos ficarão a pensar nisso.
Findo o jantar, de volta a casa, café, um vinho do Porto, um pouco mais de conversa, e a noite chega ao fim. Natália com o vinho que bebera pede licença para se retirar, com o marido tendo que a ajudar a deitar-se, na certeza de que nessa noite, a mulher seria ainda mais pedra do que o costume!
Deixaram Lucília e Manolo, sós, na sala. Sem saberem o que dizer, olhavam-se.
Manolo arriscou:
- Lucília desculpe a brincadeira do jantar. Até eu não me senti à vontade.
- Não se preocupe. António volta e meia gosta destas coisas.
- Mas sabe? A verdade é que eu fiquei a pensar nisso, e agora que estamos aqui sós, devo confessar que a acho uma mulher muito atraente. E para quem vive só, uma companhia é o sonho de todos os dias.
- Manolo. Se quer pensar no assunto, volte para casa, pense bem, e depois me comunique.
- Sou livre, nada me impede.
Lucília serve-lhe mais um cálice de Porto, enche também o dela, que levantam e bebem à saúde e boa decisão de cada um.
- Com esta conversa até me parece que pensei em tudo! Mas o melhor é irmos dormir.
“Não me parece uma solução para desprezar. Vamos ver o que ele me vai dizer. Sem correria”.
Estava a despir-se para se deitar quando viu António entrar. Subiu descalço para que o convidado nada ouvisse, e começou a falar bem baixinho, a sussurrar.
- Lucília, eu fiz isto tudo, mas estou apavorado com medo de perder-te!
- Você é meio louco. Deixou o Manolo envergonhado, ele que me parece uma pessoa equilibrada.
- Brincando, brincando, eu falei a sério no casamento, e creio que esta semente vai dar frutos.
- Por favor. Sai do meu quarto.
António voltou, pé ante pé para o quarto, de manhã saiu com Manolo que ao despedir-se, depois de muito ter agradecido as atenções disse a Lucília:
- Breve terá notícias minhas. Que notícias? Por ora nada sei!
- Não precisa ficar preocupado. Deus sabe o que vai acontecer. Adeus.
Uma semana mais tarde, Lucília, que já aguardava há dias uma resposta, recebeu o telefonema.
- Lucília. Vou aí no fim de semana e ficarei uns dias. Mas não se preocupem. Eu prefiro ficar no hotel.
Aquilo já era “quase” o pedido de casamento, e Lucília começou a preparar-se.
Sábado à noite chegou. Domingo, levou-a para almoçar e pôs logo tudo a limpo: “queria casar com ela.”
Lucília estava muito indecisa. Se por um lado o desejava, por outro tinha medo de entrar numa gaiola, que mesmo de cristal seria uma gaiola.
- Manolo. Já temos idade para não jogar o resto das nossas vidas fora. Eu nunca trabalhei, apesar dos estudos que fiz, mas não quero ficar em casa, limpando o pó e esperar que o marido volte.
- Que estudos você tem?
- Psicologia, na Faculdade do Porto.
- Mas isso é interessantíssimo. Pode trabalhar na minha empresa. No departamento de pessoal. Isso seria uma maravilha. Jamais pensei que poderia ter uma esposa e ao mesmo tempo um auxiliar competente e de total confiança num dos postos chaves da empresa. Se pudesse casava já hoje! E mesmo que não casemos o cargo na empresa já é seu!
- Manolo, façamos o seguinte: podemos preparar um casamento civil que é rápido, deixando o religioso para quando se tiver reunido toda a necessária documentação. E podemos até fazer isso em Espanha.
- Isso quer dizer o sim que eu esperava. Estou encantado.
- Podemos regressar a Málaga já no princípio da semana.
- Calma. Tenho que deixar assuntos resolvidos, preparar roupas, que é o mais fácil, mas tudo quanto herdei do meu marido e que tenho administrado, tem que ficar seguro.
- Podemos voltar aqui sempre que você quiser. Isso não é problema.
- Entonces mi querido novio, brindemos ao nosso futuro.
Beberam um copo de vinho, levantaram-se abraçaram-se e deram um beijo ... cerimonioso.
- Vamos dar a notícia a António e Natália, ou antes, vamos os dois passear na praia, conversarmos, para nos conhecermos melhor, e convidamo-los depois para jantar.
Combinaram o jantar e foram passear na praia, e contaram, contaram, a vida de cada um. Como tinham vivido casados, o que sucedeu. Ele disse que tinha dois filhos ambos casados, que não interferiam minimamente na sua vida, e três netos, e ela contou que durante anos tudo quanto fez foi tomar conta da mãe, depois o casamento e o desastre que a enviuvou, e... agora a vida monótona (!) com os primos.
O jantar correu animado, Lucília anunciou que seguiria na próxima semana para Málaga; muitos votos de felicidades, brindes ao futuro. Natália animada participava nos brindes e na conversa, ela habitualmente reservada.
Estava a sentir-se aliviada vendo a prima ir embora? Saberia das noitadas com o marido, apesar de jamais ter mostrado qualquer desconfiança? No mínimo, estranho.
Beberam, brindaram, o jantar chegou ao fim, deixaram Manolo no Hotel e os três regressaram a casa.
Como de costume Natália caiu na cama e apagou. Lucília foi fazendo sinal ao primo que nessa noite não haveria “festa” e no seu quarto começou a arrumar o que queria levar para a nova vida, e a preparar-se para no dia seguinte estudar como deixar o seu património assegurado.
Foi ao Porto falar com o sócio da empresa onde Salvador tinha participação, e disse-lhe que queria vender a parte dela. Eles que lhe fizessem uma proposta.
Tudo estava a compor-se com rapidez. Três dias depois telefonou a Manolo e disse-lhe que seguiria no dia seguinte num voo para Málaga. À noite em casa, Lucília avisou que ia embora no dia seguinte.
Natália, de lágrima no olho desejou-lhe as maiores felicidades. Assim como António, mas deixaram claro que a casa continuava sempre aberta e o quarto “lá de cima” a aguardava sempre que quisesse voltar, ou para férias, ou como entendesse.
Deitados, Natália e António comentaram:
- Acho que a prima vai-se dar muito bem. Manolo é uma excelente pessoa. Assim o espero.
Natália:
- Não queres ir lá acima, mais uma vez, despedires-te dela?
Virou-se para o lado e adormeceu.
- !!!!!!!!!!!


18/03/2014

Um comentário:

  1. Lucilia não era flor que se cheirasse mas parece que o DNA da familia também não...rsrsr espertinha, a prima Natalia!

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