A prima Lucília
Lá
para as bandas do Norte de Portugal, terras de gente boa, mar generoso, por
vezes perigoso, no seio de uma família com algumas posses foram nascendo
meninas. Sempre.
No
meio de mais quatro irmãs que todas foram casando, umas com melhores, outras com
menos bons maridos, a número três a contar de cima (ou de baixo), não
encontrava pretendente que lhe servisse, e a bater nos trinta e mais uns quantos,
já estava resignada a ficar para tia.
As
irmãs diziam-lhe que não fosse tão exigente, que homens bons são mais raros que
diamantes, que quanto mais bonitos mais as mulheres os querem roubar, ricos
passam a vida na farra, etc., mas a verdade é que...
Apesar
disso nunca descuidou a aparência. Não se deixava engordar, fazia todos os dias
uma boa caminhada, como para ir comprar o necessário para a casa, pão,
verduras, tudo. Quando passava na rua, o padeiro, atencioso, supondo que o
fazia desapercebidamente, vinha até à porta despedir-se, suspirava e dizia para
com ele: “que desperdício”. Lucília parecia adivinhar-lhe o pensamento, e o seu
trajeto obrigatoriamente passava pela padaria, onde comprava todos os dias o
pão, sem pressa, sabendo estar a ser toda analisada pelo simpático padeiro, que
sabia casado, mas com uma mulher que devia pesar mais de cem quilos.
Um
dia surgiu, tal Dom Sebastião, vindo no meio do nevoeiro, o “cavaleiro dos
sonhos”. Um imigrante que saíra de casa pouco mais que adolescente, de volta à
terra, os bolsos bem forrados, a saúde aparente em forma, e a idade... estava a
inteirar os cinquenta.
Sozinho,
de família conhecida, não tardou a visitar todos os que há umas quantas décadas
tinha deixado, querendo saber tudo, e contando as suas venturas e desventuras
em terras do além mar.
Chegou
o dia de visitar a mãe de Lucília, a quem chamava tia, viúva há muito, o marido
tinha-se “ido”.
Salvador,
o imigrante, não tinha mais pais nem irmãos, nem outros parentes na terra, os
que sobravam estavam todos imigrados, atencioso, sempre que sabia que havia
senhoras nas casas que ia visitar não se esquecia de levar um simpático ramo de
flores.
A
velhota recebeu-o com muito carinho, apresentou-lhe a filha, onde o viageiro
fixou bem os olhos, e pediu a Lucília para trazer aquela garrafinha de vinho do Porto. O especial, aquele que só se
abre em ocasiões raras.
- Para receber o filho da minha velha
amiga, e quase vizinha, a Emília, que Deus tenha em boa paz, tem que ser o
melhor vinho. E traz também aqueles bolinhos secos. Caem muito bem a esta hora.
Lucília
não tardou a voltar com tudo quanto lhe pedira a mãe, e encontrou os dois em
animada conversa. A boa velhota, que raro recebia visitas, estava toda animada
e contava histórias de quando Salvador era menino, e também o destino que
levaram as outras filhas. Só Lucília é que ainda não encontrara o seu par!
Lucília
corou um pouco e Salvador não deixou de notar, mas nada disse.
Conversaram
um bom bocado, e à saída, Lucília que o acompanhou até à porta, foi assim
solicitada:
- Desculpe o que vou perguntar, mas um
solteirão nesta terra morre de tédio. Gostaria muito de a convidar para jantar
comigo um destes dias. O que acha?
Lucília,
hesitou, quase corou, mas achou que um jantarzinho fora, era até uma ideia boa.
- Acho muito simpático. Aceito sim.
Quando quiser.
Não
tardou dois dias, o Salvador já queria, Lucília também, mesmo desde o primeiro
dia. Ele foi buscá-la a casa, fora da cidade havia um belo restaurante, com
ótimos mariscos, e para lá foram.
Andaram
uns quilómetros e pouco depois estavam sentados numa mesa com vista para o mar,
que àquela hora, já noite, só mostrava um pouco da espuma que se deliciava
espraiando-se na areia.
Conversa
variada, o que você fez lá por onde andou, o que faz tenções de fazer agora, e
ela, por sua vez foi-lhe dizendo que pouco mais fazia do que tomar conta da mãe
e da casa, às vezes duns sobrinhos, quando alguma das irmãs viajava ou estava
adoentada.
O
jantar estava ótimo, o vinho, aquele Alvarinho que não tem rival, no fim
estavam os dois muito mais descontraídos e parecia até que já se conheciam há
tempos.
De
volta a casa, ainda a porta fechada, à despedida, Salvador disse-lhe, sem
rodeios:
- Lucília. Nós já não somos crianças e
pelos vistos estamos condenados à solidão. Quer casar comigo?
Desta
vez Lucília corou, mas também não muito. Já não era mais criança.
- Salvador. Você foi muito gentil
comigo, e vi bem a sua educação enquanto falou com a minha mãe, mas uma
proposta dessas, assim à queima roupa, a esta hora da noite e depois de termos
bebido aquele ótimo vinho, deixa-me confusa. Além disso quase que nem nos
conhecemos.
- Ao menos faça-me uma promessa,
simples. Que vai pensar nisso.
- Vou. Mas hoje qualquer resposta que
lhe desse seria, de certeza, disparatada.
- Combinado. Vou deixar passar uns dias
e depois telefono-lhe. Não para me dar qualquer resposta pelo telefone, como é
evidente, mas talvez para tornarmos a sair. O que acha?
- Muito bem.
- Então, boa noite e muito obrigado
pela companhia.
- Eu é que agradeço. Boa noite,
Salvador.
Lucília
já tinha ouvido uma porção destas propostas, a última há uma dúzia de anos!
Casar agora? O que faria com a mãe? A solução é ficarmos a viver nesta casa,
tanto mais que Salvador por enquanto não tem casa. Acho que com as coisas assim
arranjadas até vale arriscar o casamento. O que posso perder com isso? Talvez
só, só, a última oportunidade. Vou dormir e amanhã volto a pensar.
Dormir?
Ah! Lucília nessa noite quase não dormiu. Mesmo acordada já dava voltas na cama
a pensar como seria a vida de casada, e isso a deixava excitada e confusa.
De
manhã, o mesmo ritual da caminhada, o padeiro, etc., e ao chegar a casa vê um
carro à porta, ainda com o motorista dentro. Salvador.
- Eu sabia que tinha saído e não quis
incomodar a sua mãe, de modo que esperei aqui fora. A missão a esta hora é para
a convidar para almoçarmos. No mesmo restaurante, só que de dia para podermos
ver bem o mar.
- Oh! Salvador. Mas que pressa! Entre,
entre, enquanto eu arrumo as compras e, pelo menos preparo o almoço da minha
mãe. Depois podemos sair.
A
mãe da Lucília quando viu os dois entrar, ficou atenta, e assim que a filha se
aproximou, piscou-lhe o olho, e cumprimentou, muito alegre, o Salvador.
De
volta à estrada a caminho do restaurante, Salvador diz-lhe:
- Só falamos no nosso assunto depois de
sentados. Pode dar-me um ataque ...
- Combinado.
Encomendado
o almoço, e o vinho, Salvador limitou-se a perguntar se Lucília cumprira a
promessa:
- Pensou?
- Pensei.
- E o que decidiu?
- Olhe, Salvador, nós, como lhe disse,
não somos mais crianças,
de modo que o risco é menor! Eu gostei, desde o primeiro instante, da sua
educação e atitudes, e acho que nos podemos entender muito bem.
- Que maravilha. Quer dizer que a
resposta é sim.
- É, mas tem alguns problemas que precisamos
acertar: primeiro temos que nos conhecer melhor. Todos temos virtudes e
defeitos e é bom conhecê-los antes do que ter, depois, surpresas desagradáveis.
Outro assunto importante é que não posso abandonar a minha mãe. Você disse que
queria construir ou comprar uma casa ou um apartamento, o que não vejo necessidade.
Podemos ficar a viver na nossa casa, que é bastante grande e não nos tira
liberdade. Vamos é ter a minha mãe quase sempre às refeições e na sala. Mas
ela, pelo menos tanto quanto a conheço, nunca interferiu na vida de ninguém.
Este é o problema principal.
- Como sabe eu trato a sua mãe por tia.
Lembro dela desde criança, e tenho-lhe o maior respeito e simpatia. De modo que
esse ponto é pacífico. Então está resolvido. Vamos casar. E depressa, que o
tempo corre mais que o vento. Amanhã vamos tratar da documentação, e eu vou já
falar com o Padre Manoel, o bom velhinho que me batizou. Ele vai ficar
encantado.
Durante
um mês os encontros eram diários. Discutiam assuntos de toda a sorte, riam,
brincavam e passaram a conhecer-se!
Nem
um mês depois, à porta da pequenina e antiga igreja de São Jorge, os noivos,
deixavam-se fotografar, sozinhos, com a mãe, depois irmãs, com o já velhote e bom
padre Manoel, etc., e seguiram todos para o almoço no restaurante que acabou
por uni-los.
Tinham
pressa os noivos. Precisavam começar logo a vida de casal. Deixaram os
convidados na festa e foram para a lua de mel, na montanha. Lugar lindo, aquele
friozinho que obriga a que os casais se abracem mais, passeios no parque, um
sonho de que Lucília, e mesmo Salvador, não queriam acordar.
Amaram-se
muito, trocaram juras de amor eterno, aquelas coisas que os noivos, em lua de
mel costumam fazer. E estavam felizes.
De
volta a casa, onde Lucília já tinha preparado o quarto deles e até uma salinha
só para os dois, a vida corria calma, apesar de Salvador pensar que tinha que
encontrar qualquer atividade, com o que Lucília concordou plenamente. Não tinha
idade para se deixar sentado numa cadeira até ficar pateta.
Antes
de aplicar qualquer dinheiro, pôs Lucília ao corrente de todos os seus bens,
abriram contas em mais do que um banco no nome dos dois, e tudo quanto fizesse
dali para a frente assim seria sempre.
Tinha
um dinheiro bom, e procurou uma sociedade onde pudesse aplicar algum, estar
ocupado e ter um rendimento. Encontrar um sócio capaz e sério não é fácil e
demorou uns meses até que a oportunidade apareceu. Informou-se bem, pediu
referências e avançou. Era no Porto, para onde teria que ir todos os dias.
Afinal eram só uns trinta e poucos quilómetros e à tarde estaria de volta.
A
primeira semana correu muito bem, quase só aprendendo a mexer-se dentro da
firma de que tinha agora metade do capital, chegava a casa sorridente, um beijo
na sogra, abraçava a mulher, convencendo-a, facilmente, a que se deitassem
cedo. Tinha que trabalhar no dia seguinte, e ainda tinham que se amar.
Recuperar as décadas desperdiçadas!
E
a vida parecia ter entrado numa estrada perfeita.
Salvador
ia para o trabalho de carro, conduzia sempre em baixa velocidade, assobiava
descontraído ou ouvia uma música calma, para chegar à empresa sem qualquer
estresse. E na volta o mesmo. Os meses corriam, sempre feliz com a escolha e a
sorte que tivera.
O
ritual se repetia; jantar com a velhota, um pouco de conversa na sala, e cama
onde se amavam com as forças que a idade lhes permitia.
Numa
noite, Salvador sentiu-se mal. Dor no peito, respiração difícil, chamam o
médico, este leva-o a correr para o hospital, onde durante o resto na noite a
equipa das urgências tentou salvar-lhe a vida. Salvador não resistiu.
Foi
uma tragédia. Lucília não se conformava. Tantos anos tinha esperado, até que
por fim encontrara um homem bom, educado, amigo, e poucos meses o teve! A mãe
acompanhava-a na tristeza porque do mesmo modo se afeiçoara muito ao novo
membro da família.
Dois
anos depois a mãe seguiu o caminho do genro e, de repente, Lucília estava só. E
triste. Já nem achava graça aos olhares do padeiro.
Continuar
a viver naquela casa era disparate, muito grande, dava imenso trabalho e
despesa, mesmo tendo ela herdado tudo que pertencera a Salvador, e não era
pouco. Pôs a casa à venda e a melhor oferta que teve foi duma prima, da idade
dela, que já não via há anos, mas que tinham sido muito amigas em novas. Morava
no Porto e queria uma casa para sair da tumultuada cidade. Além disso, com
tantos quartos, no verão, os filhos para ali viriam até com amigos passar as
férias. Mantinham a casa no Porto para os filhos, alguns no começo da
faculdade.
Tudo
combinado e aceite por todas as irmãs, a prima e o marido, Natália e António,
propuseram outro “negócio” à Lucília: ela ficaria a viver com eles, não
precisava tirar ou vender as mobílias, nem se preocupar com a casa. Em troca,
de vez em quando ela ficaria com os filhos deles, que durante a semana, na
época de estudos ficavam no Porto, porque António muita vez viajava e gostava
de levar a mulher.
Lucília
achou a ideia boa, transformou o sótão num espaçoso quarto para deixar os novos
proprietários mais à vontade, bem como ela ficaria.
A
vida segue. Os primos eram gente educada e os filhos, dois rapazes de doze e dezesseis
anos, e uma filha com quinze, sempre atenciosos, sem nunca darem preocupação, a
casa ficou cheia de vida, o que alegrava a antiga proprietária.
Compartilhavam
as refeições e a sala, conversavam, lembravam tempos de meninas, António via
televisão ou lia o jornal, sem deixar de, volta por volta, fixar o olhar mais
anatómico na nova prima.
Os
invernos sempre frios naquele lugar, este parecia especialmente rigoroso.
António mais uma vez teve que viajar dizendo que demoraria quatro ou cinco
dias. Era habitual.
A
prima convenceu Lucília a que na ausência do marido dormisse no quarto dela. A
cama era bastante larga – dava para três ou quatro, segundo ela dizia – e
evitavam estar a aquecer o frio quarto do sótão. Lucília achou meio estranho,
mas lembrou que em novas tantas vezes tinham dormido juntas, que achou até boa
a ideia.
Natália
dormia como uma pedra. Assim que se deitava e cobria com a roupa, já não dava
conta de nada, e ia direto até de manhã. Nem se mexia. Onde caía ficava,
imóvel. Lucília, que levava mais tempo a adormecer, invejava tal capacidade,
porque enquanto não adormecia, pela sua cabeça passavam todos os bons e maus
bocados que vivera.
Desta
vez António interrompeu a viagem mais cedo e regressou a casa noite alta. Foi
para o quarto, despiu-se sem abrir a luz para não acordar a mulher e quando se
ia a deitar tocou num corpo estranho!?
Lucília
que estava meio adormecida, ao sentir aquele corpo encostar nela, toda tremeu.
António, espantado, ia perguntar alguma coisa, quando Lucília lhe fez sinal que
não falasse, apontando para a prima que dormia, e que a deixasse sair da cama.
António ao querer ajudá-la, agarrou-a, viu que ela se deixava envolver e
percebeu que tinha na mão uma fêmea carente.
Não
hesitou, entrou com ela na cama e não a largou mais. Lucília deixava-o fazer
tudo, e não queria grandes evoluções para não acordar a prima que dormia como
pedra, ali mesmo ao lado deles!
António
explorou aquele presente que acabava de encontrar, e Lucília do mesmo modo pensava
no seu querido Salvador.
Quando
terminaram, Lucília, envergonhada e ao mesmo tempo satisfeita, sai correndo e
vai para o seu quarto que encontrou gelado. António, sabendo que a mulher não
acordava até de manhã, mais ainda sabendo que ele estava em viagem, decidiu
segui-la. Lucília pediu-lhe que não insistisse. Já tinham entrado em terreno
perigoso.
António
via agora uma mulher acordada, cheia de vida na cama, coisa que para ele se ia
tornando raridade. Cada vez que ele se preparava para ter relações com a mulher
tinha que se deitar antes dela, porque sabia que quando ela caía na cama,
apagava. Assim, já a esperava, agarrava-a logo, e não a deixava adormecer!
Agora
não.
Aquela
primeira noite fora um delírio, mas, e daqui para a frente, como fazer? Sempre
havia a hipótese de deixar Natália adormecer e depois subir mais um andar, mas
era jogo perigoso e António não queria pôr o casamento em perigo.
No
dia seguinte a mesma rotina, Natália admirada do marido ter voltado mais cedo,
que ele explicou com um argumento qualquer, e na sala, após o jantar, a mesma
conversa, e mais olhares do António, sem que Natália se apercebesse.
Lucília
voltou a dormir no seu quarto, mas sempre dizia que não precisava de
aquecimento, porque os cobertores a mantinham bem aquecida durante a noite.
Os
cobertores, e António, que assim que recuperava as forças, à socapa, depois da
mulher desmaiar no sono, subia ligeiro aquele último lance de escadas para se
enfiar debaixo das calorosas cobertas que estavam sempre dispostas a recebê-lo.
Não
adiantava vir para casa mais cedo, porque a hora do encontro nas alturas,
literalmente, só depois de Natália adormecer, e não era capaz de conceber outro
local onde pudessem satisfazer-se mais vezes.
Surgiu
uma grande hipótese. A filha precisava de ir a Lisboa prestar provas para um
estágio, importante para ela. Teria que ficar uns três ou quatro dias na
capital. Natália disse que a acompanharia e a vida em casa e no Porto
continuaria como sempre, com o que o marido concordou na hora.
Como sempre...
foi a melhor esperança para António. Ia ficar em casa, sozinho com a prima! No
dia em que a mulher e a filha seguiram para Lisboa, António aproveitou e foi
mais cedo para casa. Lucília, apesar do inverno não ter terminado, os dias
começavam a ter algum sol e a excitar as glândulas do amor, vestiu-se com roupa
mais leve, mais colorida, sentindo-se rejuvenescer e parecer mais atraente. Nem
precisava.
Lucília
não era menina, mas continuava atraente, e além do espelho, bem via a cara e os
sussurros do padeiro. No íntimo... até gostava. Era bom para o ego. Agora
então, sentindo-se tão desejada...
Durante
a ausência de Natália, António sempre voltou para casa mais cedo. Jantavam
qualquer coisa e acabavam dormindo juntos. Bem juntos.
E
começava a pôr a questão se amava mais a cunhada, ou se era simples questão de
sexo.
António
já quase deixara de esperar na cama que a mulher se deitasse. Mas Natália
começou a notar que os seus jogos de amor estavam a rarear, e um dia, em vez de
se deitar logo, deixou-se ficar na borda da cama à espera do marido, que
estranhou.
- António. Há muito que não esperas por
mim na cama! O que se passa? Já não me amas, ou não me queres?
- Que pergunta tola, Natália. Quantas
vezes eu quero agarrar-te e fazer amor contigo e tu me respondes com um ronco.
Ainda para mais continuo a achar-te uma mulher bonita, a quem muito quero. Mas
tu adormeces que nem pedra, o que posso eu fazer? Vontade tenho eu, e às vezes
muita, mas, e tu?
- Então vem cá. Vamos nos amar mais um
pouco.
Começava
a não ser tão fácil. António tinha que acudir a dois lados. Como?
Os
meses passavam, António subia aqueles degraus sempre que podia, enquanto
Natália como que estátua de pedra nos braços de Morfeu, dormia.
Uma
tarde António chega a casa com um amigo espanhol. Manolo, boa figura, a aproximar-se
dos sessenta, vivia em Málaga e tinha negócios com António. Eram amigos e
viam-se com regularidade.
Apresentou
a mulher e a cunhada, onde Manolo não pôde deixar de reter o olhar por mais uns
instantes.
António
tinha-o convidado para jantar em casa, ao que Natália se opôs; era melhor irem
a um restaurante. Depois voltariam para o café e até sugeriram que Manolo
dormisse no quarto vago de um dos filhos. De manhã, os dois sairiam cedo e ele
regressaria a Espanha.
Jantar
simpático, alegre, e como Manolo se tinha separado da mulher há largos anos,
António, meio brincando, meio a sério, atira-lhe:
- Manolo. Aqui tem uma mulher linda à
sua espera. Lucília enviuvou há uns quatro anos, continua linda e é uma
magnífica dona de casa. Porque você não dá um passo em frente e casa com ela?
Fariam um casal maravilhoso.
- Oh! António! Você está louco? – Disseram Natália e Lucília ao mesmo tempo.
Manolo
ficou meio sem jeito, mas olhou melhor para Lucília, e no seu íntimo, algo lhe
começou a dizer que era uma solução interessante e até apetecível.
- Sabes, António, Lucília é, sem
dúvida, uma mulher muito interessante, mas nunca vi fazer-se um casamento entre
dois pratos dum jantar! E depois, casamento é coisa que só os dois podem
analisar. Agradeço muito a sugestão, mas não me parece indicado falar sobre isso.
É, com certeza constrangedor para a Lucília.
- Então bebamos mais um copo à vossa
saúde, e algo me diz que ambos ficarão a pensar nisso.
Findo
o jantar, de volta a casa, café, um vinho do Porto, um pouco mais de conversa,
e a noite chega ao fim. Natália com o vinho que bebera pede licença para se
retirar, com o marido tendo que a ajudar a deitar-se, na certeza de que nessa
noite, a mulher seria ainda mais pedra do que o costume!
Deixaram
Lucília e Manolo, sós, na sala. Sem saberem o que dizer, olhavam-se.
Manolo
arriscou:
- Lucília desculpe a brincadeira do
jantar. Até eu não me senti à vontade.
- Não se preocupe. António volta e meia
gosta destas coisas.
- Mas sabe? A verdade é que eu fiquei a
pensar nisso, e agora que estamos aqui sós, devo confessar que a acho uma
mulher muito atraente. E para quem vive só, uma companhia é o sonho de todos os
dias.
- Manolo. Se quer pensar no assunto,
volte para casa, pense bem, e depois me comunique.
- Sou livre, nada me impede.
Lucília
serve-lhe mais um cálice de Porto, enche também o dela, que levantam e bebem à
saúde e boa decisão de cada um.
- Com esta conversa até me parece que
pensei em tudo! Mas o melhor é irmos dormir.
“Não
me parece uma solução para desprezar. Vamos ver o que ele me vai dizer. Sem
correria”.
Estava
a despir-se para se deitar quando viu António entrar. Subiu descalço para que o
convidado nada ouvisse, e começou a falar bem baixinho, a sussurrar.
- Lucília, eu fiz isto tudo, mas estou
apavorado com medo de perder-te!
- Você é meio louco. Deixou o Manolo
envergonhado, ele que me parece uma pessoa equilibrada.
- Brincando, brincando, eu falei a
sério no casamento, e creio que esta semente vai dar frutos.
- Por favor. Sai do meu quarto.
António
voltou, pé ante pé para o quarto, de manhã saiu com Manolo que ao despedir-se,
depois de muito ter agradecido as atenções disse a Lucília:
- Breve terá notícias minhas. Que
notícias? Por ora nada sei!
- Não precisa ficar preocupado. Deus
sabe o que vai acontecer. Adeus.
Uma
semana mais tarde, Lucília, que já aguardava há dias uma resposta, recebeu o
telefonema.
- Lucília. Vou aí no fim de semana e
ficarei uns dias. Mas não se preocupem. Eu prefiro ficar no hotel.
Aquilo
já era “quase” o pedido de casamento, e Lucília começou a preparar-se.
Sábado
à noite chegou. Domingo, levou-a para almoçar e pôs logo tudo a limpo: “queria
casar com ela.”
Lucília
estava muito indecisa. Se por um lado o desejava, por outro tinha medo de
entrar numa gaiola, que mesmo de cristal seria uma gaiola.
- Manolo. Já temos idade para não jogar
o resto das nossas vidas fora. Eu nunca trabalhei, apesar dos estudos que fiz,
mas não quero ficar em casa, limpando o pó e esperar que o marido volte.
- Que estudos você tem?
- Psicologia, na Faculdade do Porto.
- Mas isso é interessantíssimo. Pode
trabalhar na minha empresa. No departamento de pessoal. Isso seria uma
maravilha. Jamais pensei que poderia ter uma esposa e ao mesmo tempo um
auxiliar competente e de total confiança num dos postos chaves da empresa. Se
pudesse casava já hoje! E mesmo que não casemos o cargo na empresa já é seu!
- Manolo, façamos o seguinte: podemos
preparar um casamento civil que é rápido, deixando o religioso para quando se
tiver reunido toda a necessária documentação. E podemos até fazer isso em
Espanha.
- Isso quer dizer o sim que eu
esperava. Estou encantado.
- Podemos regressar a Málaga já no
princípio da semana.
- Calma. Tenho que deixar assuntos
resolvidos, preparar roupas, que é o mais fácil, mas tudo quanto herdei do meu
marido e que tenho administrado, tem que ficar seguro.
- Podemos voltar aqui sempre que você
quiser. Isso não é problema.
- Entonces mi querido novio, brindemos
ao nosso futuro.
Beberam
um copo de vinho, levantaram-se abraçaram-se e deram um beijo ... cerimonioso.
- Vamos dar a notícia a António e
Natália, ou antes, vamos os dois passear na praia, conversarmos, para nos
conhecermos melhor, e convidamo-los depois para jantar.
Combinaram
o jantar e foram passear na praia, e contaram, contaram, a vida de cada um.
Como tinham vivido casados, o que sucedeu. Ele disse que tinha dois filhos
ambos casados, que não interferiam minimamente na sua vida, e três netos, e ela
contou que durante anos tudo quanto fez foi tomar conta da mãe, depois o
casamento e o desastre que a enviuvou, e... agora a vida monótona (!) com os
primos.
O
jantar correu animado, Lucília anunciou que seguiria na próxima semana para Málaga;
muitos votos de felicidades, brindes ao futuro. Natália animada participava nos
brindes e na conversa, ela habitualmente reservada.
Estava
a sentir-se aliviada vendo a prima ir embora? Saberia das noitadas com o
marido, apesar de jamais ter mostrado qualquer desconfiança? No mínimo,
estranho.
Beberam,
brindaram, o jantar chegou ao fim, deixaram Manolo no Hotel e os três
regressaram a casa.
Como
de costume Natália caiu na cama e apagou. Lucília foi fazendo sinal ao primo
que nessa noite não haveria “festa” e no seu quarto começou a arrumar o que
queria levar para a nova vida, e a preparar-se para no dia seguinte estudar
como deixar o seu património assegurado.
Foi
ao Porto falar com o sócio da empresa onde Salvador tinha participação, e
disse-lhe que queria vender a parte dela. Eles que lhe fizessem uma proposta.
Tudo
estava a compor-se com rapidez. Três dias depois telefonou a Manolo e disse-lhe
que seguiria no dia seguinte num voo para Málaga. À noite em casa, Lucília
avisou que ia embora no dia seguinte.
Natália,
de lágrima no olho desejou-lhe as maiores felicidades. Assim como António, mas
deixaram claro que a casa continuava sempre aberta e o quarto “lá de cima” a
aguardava sempre que quisesse voltar, ou para férias, ou como entendesse.
Deitados,
Natália e António comentaram:
- Acho que a prima vai-se dar muito
bem. Manolo é uma excelente pessoa. Assim o espero.
Natália:
- Não queres ir lá acima, mais uma vez,
despedires-te dela?
Virou-se
para o lado e adormeceu.
- !!!!!!!!!!!
18/03/2014
Lucilia não era flor que se cheirasse mas parece que o DNA da familia também não...rsrsr espertinha, a prima Natalia!
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