7ème
Arrondissement
Continuemos com os amantes. A vida é
curta!
Paris, Rue Rousselet, um petit Cafe-Restaurant, Fignier, uma rua tranquila.
Há quantos anos o Restaurant ali
estava, ninguém sabia ao certo. Nem a dona. Ela e o marido o haviam comprado há
mais de vinte. Clientes habituais, um salão de jantar de tamanho médio, muito
arrumado, um pequeno café e bar na entrada, e sempre, sempre, uma cozinha gourmet.
Clientes habituais e quase diários,
como Jean Louis, aposentado da SNCF, que raro o dia ali não almoçava. Íntimo da
casa, entrava sempre com um sorriso e um belo cumprimento para a simpática,
eficiente e trabalhadora dona, madame Simone.
Madame Simone tinha enviuvado há quase
sete anos e, de entrada foi-lhe difícil continuar com o negócio, que quase só
ela e o marido mantinham. Teve que se organizar, arranjar um ajudante de cozinha
que ela nunca deixava de supervisionar, e ao mesmo tempo atender ao bar, onde a
maioria dos fregueses já quase faziam parte da família.
Jean Louis era um desses fregueses a
quem madame Simone, como a outros, fazia questão de atender pessoalmente.
- Sempre bela, madame Simone! Então o
que me recomenda hoje?
- Não seja tolo messieur Jean Louis. Já
não sou jovem, e ouvir esses cumprimentos até me deixam sem graça. Sabe que nós
devemos ter quase a mesma idade! Bom, que tal un petit filet avec pommes sautées et des artichauds au beurre?
Jean Louis era também sempre atencioso:
- Ah! Madame, vous me portez toujours vers le ciel! Não esqueça o vinho.
Pode mandar trazer já, mesmo antes da comida.
O garçon trouxe o vinho da conhecida preferência
do habitual cliente, mas era sempre madame Simone quem fazia depois questão de
servir o prato com a comida.
- Voilà.
-
Sempre uma maravilha. Obrigado.
Com muito tempo e calma, Jean Louis,
nos seus sessenta e alguns, saboreava o magnífico filet, bebia uns dois copos de vinho, e por fim alguma sobremesa
leve e o indispensável café.
Se o restaurante não estivesse cheio deixava-se
ali ficar sentado um bom tempo. Assim que saísse não tinha rumo certo, a
família toda vivia longe, teria que passear pelas ruas, dele sobejamente
conhecidas, vagava, vez por outra ia ao cinema ou a um teatro, enquanto no
restaurante havia movimento, alguma animação e sobretudo a sua amiga, sim,
porque de há muito se consideravam amigos, madame Simone.
Só aos domingos, e nem todos, é que ia
almoçar com a única filha e netos. Era praticamente só essa a variante da sua
vida.
Quando todos os clientes saíam, por
vezes madame Simone vinha comer a sua refeição na mesa do cliente, o que a este
dava um prazer especial. Conversavam, sobre assuntos banais, mas Jean Louis começava
a sair de lá frustrado. Vivia só e aquela companhia estava a animá-lo,
sobretudo a fazer-lhe falta.
Chegou o dia em que se atreveu ir um
pouco mais longe.
- Madame Simone, a senhora mora aqui
por cima do restaurante, não é?
- É verdade.
- E vive sózinha?
- Vivo. Mas como costumo sair tarde
daqui, muitas vezes nem tempo me sobra para pensar nisso, já que bem cedo estou
de volta e começa todo o trabalho de novo.
- Mas às segundas-feiras, o restaurante
fechado, era ocasião para relaxar um pouco.
- Mas é isso que eu faço. Levanto-me
mais tarde, dou uma volta pela casa, que apesar de não ser grande sempre
precisa de mão de mulher, depois saio, vou almoçar fora, e tudo isso já é uma
variante.
- Vamos fazer o seguinte: numa próxina
segunda-feira eu venho buscá-la, de carro, e vamos almoçar fora de Paris.
Tomamos um pouco d’air de la campgne,
almoçamos num lugar tranquilo, e nesse dia não tem que se preocupar com nada.
Fica, inteiramente, por minha conta! O que acha?
- Messieur Jean Louis. É muito amável
da sua parte, mas...
- Não tem mas... É um convite sincero,
e devo dizer-lhe que me sentirei muito honrado se aceitar.
- Vou pensar. Durante o resto da semana
voltaremos a falar nisso. Mas eu não quero, de forma alguma, atrapalhar a sua
vida.
- Meu Deus! Atrapalhar a minha vida!
Jamais. Pelo contrário. Seria para mim uma grande alegria.
No sábado, madame Simone, quando serviu
o almoço ao seu cliente, muito rapidamente e em voz baixa disse-lhe
- Segunda-feira. Combinaremos isso mais
logo.
Jean Louis não cabia em si de contente.
Parecia um menino a quem prometeram o brinquedo desejado.
Um pouco mais tarde, restaurante quase vazio,
madame Simone traz o seu prato e vem sentar-se na mesa de Jean Louis.
- Então segunda feira vamos para o
campo! Há anos que não saio de Paris, e só de pensar que posso respirar um
pouco de ar puro, achei que deveria aceitar o seu amável convite.
- A que horas devo vir buscá-la?
- Pelas nove e meia, para nos podermos
afastar mais da cidade, e sair dos engarrafamentos. O que lhe parece?
- Esplêndido.
À hora combinada, Jean Louis no seu
carro, um pequeno Citroen, lá estava à porta da casa. Madame Simone, desceu,
ele saiu para a cumprimentar e lhe abrir a porta do carro, e seguiram direção
Norte.
- O que lhe parece irmos até à Normandia?
- Para mim é igual. Só de sair da
cidade já é uma maravilha.
Optaram por estradas secundárias. Não
tinham pressa e a idéia era gozarem a natureza. Era Maio e os campos estavam
lindos, muitos deles cobertos de flores.
Pararam em vários lugares, ora para
apreciar a paisagem ora visitar um monumento antigo, e pareciam felizes com
toda aquela descontração. Sempre Jean Louis chegava primeiro ao carro para
abrir a porta à sua companheira, o que ela não deixava de notar e se
sensibilizar.
À hora do almoço acabaram por deparar
numa estrada quase sem movimento, un
Petit Auberge – Café – Restaurant, com uma estrela Michelin, garantia de
qualidade, que logo lhes chamou a atenção. Fora, a povoação estava rodeada de
campos e floresta, o lugar quase idealizado, para que, longe do tumulto das
cidades, respirassem o tal ar puro.
Restaurante simples, a proprietária, madame
Michelle, recebeu-os muito bem, uma senhora amável, que lhes propôs o que ela
achava melhor nesse dia:
- Terine
maison et aprés perdrix embeurrée de
choux, foie gras et cèpes. (Cépes,
um delicioso champignon!)
- Mas como
deve ser bom! – Jean Louis já lambia os beiços – O que acha?
Madame Simone
confirmou que seria ótimo.
- Du vin?
- Que tal
um Bourgogne Nuits Saint George?
-
Magnífico.
Conversaram,
comeram o almoço que estava delicioso, depois um crème brulé, e café. Não podia ser melhor.
Sairam,
deixaram o carro em frente ao Auberge e foram andar um pouco pelo campo.
Sentiam-se
felizes, e como o caminho pelo campo era de piso irregular, Simone de repente
tropeçou e teve que se apoiar em Jean Louis. Daí para a frente seguiram de braço
dado.
Quando
viram que era chegada a hora, de novo à estrada, a caminho de Paris, e volta e
meia respiravam fundo! Lembrar do ar puro que haviam inalado, ou alguma espécie
de nervoso pela presença um do outro?
Ao
entrarem em Paris:
- Madame
Simone: tenho outra surpresa! Tenho aqui bilhetes para irmos hoje ao teatro! Théâtre La Bruyère, ver “Leu jeu de l’Amour et du Hasard”,
com Leonie Simaga e Alexandre Pavlov. Tem recebido ótimas críticas.
- Oh!
Gostei da ideia. Mas vou ter que trocar de roupa.
Passaram
em casa, Simone subiu para se arrumar, enquanto Jean Louis, discreto esperou no
carro.
O teatro
foi muito bom, o título da peça parecia ter sido escolhido para eles que muito
gostaram,
De volta a
casa, mais uma vez Jean Louis fez questão de abrir a porta do carro. Simone, saiu.
- Foi um
dia maravilhoso. Não sei como lhe agradecer.
- Não tem
nada a agradecer. Eu é que lhe agradeço muito a sua fantástica companhia. Foi
um dia ótimo e, para mim, inesquecível.
- Também
foi muito bom para mim. Muito obrigado.
- De nada.
Amanhã nos veremos.
Boa noite,
boa noite, Jean Louis foi embora sorrindo. Alegre.
A semana
ia correndo dentro da mesma rotina, com Jean Louis sempre procurando ficar o
máximo possível no restaurante. Passou até a chegar um pouco mais tarde para
permitir que os restantes clientes fossem saindo primeiro.
E lá vinha
madame Simone sentar-se ao lado dele.
- Não me
sai da cabeça aquele nosso passeio. Temos que repetir. O que lhe parece?
- Eu
também apreciei muito, e acho que qualquer dia voltaremos a dar outro passeio.
- Que tal
já na próxima segunda-feira?
- Nesta
não, porque na última não consegui dar um trato na minha casa, e não posso deixá-la
ao abandono. Vamos deixar para a outra. Fica já combinado.
Jean Louis
não via o tempo passar. Tinha que esperar uns dez dias que lhe pareceram uma eternidade,
e no dia aprazado, lá estava ele, no seu Citroen a abrir a porta a madame Simone,
que vinha com uma roupa mais fresca. Fim de Maio, um dia de sol, Jean Louis
também só com uma camisa de verão, um boné na cabeça, enfim, dois turistas
autênticos.
- Sabe uma
coisa: fomos tão bem recebidos naquele Auberge que sugiro que voltemos lá para
almoçar de novo. O que acha?
-
Perfeito.
- Vamos é
por outras estradas. O campo é sempre lindo, mas é bom variar.
Flores,
monumentos, algumas villages que
mereciam uma parada para serem apreciadas, e de novo no restaurante.
- Madame,
aqui estamos novamente. É porque gostámos.
Madame
Michelle desta vez disse-lhes:
- Nem vou
dizer-lhes o que tenho para o almoço. Será surpresa. Mas se não gostarem, troca-se
pelo que quiserem.
- O que
lhe parece?
Madame Simone
achou a idéia ótima.
- Merece
vinho tinto ou branco?
- Acho que
tinto.
- Então
por favor traz o mesmo que bebemos da outra vez. Lembra?
- Muito
bem.
Jean
Louis, antes de chegar o almoço, pediu desculpa, levantou-se da mesa, disse que
precisava de lavar as mãos e dirigiu-se à proprietária do Auberge, sem que
madame Simone o visse.
- Tem
algum quarto vago?
- Sim,
porque?
- Por
favor, reserve um, de preferência com uma vista bonita para o campo.
E voltou
para a mesa.
Madame Simone
estava com um ar também de felicidade. Ela que estivera enclausurada anos
seguidos e que, mesmo as férias passava em lugar triste, perto de uma irmã.
Somente aproveitava para descansar, mas não tinha distrações nem nada que a
atraísse.
Jean
Louis, talvez o calor do dia o estivesse a estimular, pegou na mão da sua amiga
Simone. Colocou-a entre as suas, e sem dizer nada ficou a olhá-la. Ela deixou,
sentiu um ligeiro rubor, mas não reagiu.
- Simone,
vou deixar o “madame”. Não calha nós estarmos aqui como amigos com esta
cerimónia. Por favor trate-me por Jean, ou Jean Louis, como quiser.
- Acho
muito bem.
- E...
Entretanto
chegava o almoço, e enquanto se serviam estiveram calados. Nem repararam bem o
que tinham na frente para comer.
Olhavam-se
nos olhos.
- Eu ia
dizer-lhe que nós, que não somos já meninos, podemos pensar em nos juntarmos.
Simone
estremeceu. Ela sabia que não tardaria a vir uma proposta assim, mas não
esperava que fosse tão direta, e no momento ficou sem saber o que responder.
- Eu não
vou meter-me no seu restaurante, não vou atrapalhar em nada a sua vida, mas
temos muitas horas que sobram aos dois, e vivê-las em conjunto será certamente
muito melhor do que cada um no seu canto, isolados.
- Jean.
Não sei o que lhe dizer. Conhecemo-nos há muito tempo, temo-nos sempre
respeitado, o que me leva a receber essa proposta com toda a seriedade. Mas não
sei se seria bom para ambos.
- Porque?
- Não sei,
e olhe o que vou dizer: essa idéia também já me passou pela cabeça, e eu tentei
esquecê-la.
- Porque
esquecê-la? É uma proposta que não deve estranhar. Já de há muito tempo que
olho para si com olhos diferentes. Procuro ficar no restaurante o máximo de
tempo possível, porque no fundo a sua companhia me faz bem, e eu sinto muito a
sua falta logo que nos afastamos.
- Vamos
comendo isto que está com ótimo aspeto.
Jean Louis
nem apreciou o que comeu. Engoliu. Estava preso no que Simone lhe poderia
dizer.
- Simone,
eu não deveria dizer que a amo, porque poderia soar um tanto infantil, mas a
verdade é que a desejo muito. Você é ainda uma mulher atraente, cheia de vida.
Porque desperdiçá-la sozinha?
- Jean,
está a deixar-me confusa, sem saber o que lhe dizer.
Acabaram o
almoço. Jean Louis estava disposto a jogar todas as cartas.
- Simone,
prometa que não se zanga comigo, com o que lhe vou dizer, e propor.
- O que é?
- Pedi á
senhora para reservar um quarto para nós. Vamos lá acima. Não faremos nada que
não queira, mas conversaremos mais sobre tudo isto. Sabe que eu seria incapaz
de ir contra a sua vontade. Tenho-lhe muito respeito e não queria que jamais
pensasse mal de mim.
Simone
estava, aparentemente, sem resposta. Mas no fundo sabia que também essa
proposta um dia chegaria. As mulheres têm um sentido mais profundo do que os
homens!
- Está
bem. Vamos lá conversar sobre as nossas vidas.
Jean Louis
vibrava e o seu coração batia mais forte. Quarto número 4, à direita.
Abriu a
porta, fez com que Simone entrasse e voltou a fechar com a chave. O quarto
tinha uma bela janela com uma magnífica vista para o campo. Simone aproximou-se,
olhou e disse “que beleza”.
Jean que
veio por detrás passou-lhe carinhosamente os braços pela cintura. Simone teve a
melhor reação que Jean podia esperar: aconchegou-se. E assim ficaram uns
quantos momentos, sem falar.
Então Jean
virou-a para ele.
- Simone
já senti a sua resposta. Estou no céu. – E abraçou-a com mais calor.
Ela, de
entrada meio inerte, não tardou a passar os braços em volta dele também, e o
inevitáel, aliás o esperado, aconteceu. Um beijo, e muito silêncio.
Jean, como
sempre delicado, e receoso com uma possível reação negativa, aponta para a
cama.
Simone,
também devagar, senta-se nela. Voltam a abraçar-se, e já começam a querer tirar
a roupa.
Jean
diz-lhe:
- Simone,
use a salle de bains para se pôr à vontade.
Ele
despiu-se, deitou-se dentro dos lençois e ficou, com o coração a bater, à
espera que a porta da salle de bains se
voltasse a abrir. Não tardou. Simone sai enrolada num lençol de banho, cabeça
baixa, com vergonha de cruzar o olhar com o parceiro, e correu para dentro da
cama.
Abraçaram-se,
acarinharam-se, ferviam beijos, mon amour,
até que chegou o momento inadiável. Jean estava preparado, Simone entregou-se.
Duram sempre pouco,
estes momentos, mas deixaram os dois em sublime felicidade. Olhavam-se e riam.
Parece que, realmente se amavam. O amor não escolhe idades.
- Jean, isto é tudo
muito louco! Mas a verdade é que há muito tempo eu sonhava com um encontro
destes. Não com um homem qualquer. Você foi maravilhoso, e eu acho que estou
pronta para aceitar a proposta que me fez ao almoço. Hoje vamos aproveitar
estes momentos, sem falar mais nisso. Eu estou muito feliz.
- Simone, mon amour, eu também não tenho palavras,
mas agora então é que não a quero perder. Amanhã começaremos a discutir os
detalhes da nossa união, se bem que não haja grande coisa para discutir! Há
muito que eu também sonhava com este encontro, e estou até com dificuldade em realizar
que tenha acontecido.
Deixaram-se ficar deitados,
abraçados mais um bom tempo, até que chegou a hora do regresso.
À saida, Jean Louis
disse à proprietária:
- Madame, vamos voltar
em breve para a nossa lua de mel, e queremos o mesmo quarto!
05/03/2014
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