Ciclo dos Amantes
A tia da perna curta
Há
uma velha anedota que parece terá vindo da Saxónia, lá das bandas de Dresden,
dum pequenissimo lugarejo perto de Reichenberger, onde vivia uma família de
agricultores, pobres, o que era normal naquele tempo, século XVIII ou começo do
XIX.
O
casal pouco mais fazia do que cuidar de alguns animais e da horta, e à noite,
sobretudo no inverno, quando o frio aperta... mais um filho.
Gerhart,
o mais velho, com quatorze anos, tinha aprendido com os pais as primeiras
letras, e as lides camponesas, mas eles queriam que fosse para a cidade para se
instruir, seguir os estudos e, se possível, encarreirasse pelo seminário o que
lhe daria uma vida mais folgada, e os próprios pais subiriam de conceito no
meio dos camponeses.
A
mãe tinha na cidade uma irmã um pouco mais nova do que ela, solteira, que
quando menina tinha caído num penhasco e ficado a mancar, com uma perna cerca
de quatro centímetros mais curta do que a outra, o que sempre afastou
pretendentes, apesar de ter o restante físico bem composto e uma cara saudável.
Vivia fazendo um trabalhinho aqui, outro além, e morava igualmente numa casa
pobre, só com duas divisões, a entrada, onde estava a cozinha com uma pequena
mesa, e por cima, o sótão, esconso, com um enxergão onde dormia, e um pequeno
baú onde guardava o pouco que tinha, como roupa.
Gerhart
acolhido na escola oficial na cidade, foi morar com a tia, porque dinheiro para
mais não havia. Nos fins de semana voltava a casa, uma dúzia de quilômetros de
distância, e sempre regressava com alguns produtos da horta, salsichas e pão,
aquilo que os pais tivessem para que a tia não gastasse dinheiro com o
sobrinho. Só a colhida em sua casa tinha sido uma ajudo imensa.
Gerhart,
como a tia, à noite vestia uma camisola de dormir, que lhe descia até aos pés,
e dormia no sótão, naquele enxergão não muito largo, mas nunca frio. Da cozinha
subia um pouco de calor e as cobertas eram suficientes para passarem a noite
agasalhados.
E
ainda tinha o abraço da tia que o agarrava junto a si, para se aconchegarem
melhor... e não só.
Sempre
dormia de costas voltadas para a tia, não se sentia muito à vontade, mas
habituado como estava, desde sempre a dormir no chão com mais quatro irmãos
todos alinhados a seu lado, achou aquilo normal e sempre aproveitava o pouco
mais de calor que a tia compartilhava com ele.
Os
quatorze anos são o despertar da primavera e não demorou muito que Gerhart
sentisse o peito da tia amaciar lhe as costas, e alguma sensação nova ia
aparecendo pelo seu corpo, sem que ele soubesse exatamente o que era, mas
sentia nas faces que, se aqueciam, deviam corar.
Começou
por estranhar aquele calor e aquele encosto suave e firme, que lhe causava cada
dia mais prazer.
É
evidente que a tia ia percebendo e sentindo as reações do sobrinho e uma noite,
depois que percebeu que ele adormecera, passou uma perna entre as dele, e assim
se deixou ficar até de manhã.
Quando
acordou, Gerhart sentiu que alguma coisa estava acontecendo. Gostou. Levantou-se,
foi para a escola e à noite ao deitar-se fez o possível por ficar acordado o
máximo de tempo que pudesse.
A
tia deitou-se a seguir, levantou um pouco a camisola e voltou a colocar a perna
entre as do sobrinho.
Bem
devagar foi mexendo a perna, afagando... Gerhart, que pela primeira vez sentia
fenômeno novo, foi “ver” o que estava a acontecer, sentindo-se nervoso. Passou
também a mão na perna da tia, que acariciou, gostou, mas ficou sem saber o que
fazer, tanto mais que se sentia em alta tensão!
Virou-se,
pensou até em perguntar à tia o que aquilo era, mas tinha vergonha de o fazer.
A tia fingia que dormia, mas a camisola deixava à mostra todo o seu corpo da
cintura para baixo.
Com
a claridade, fraca, que entrava pela janela do sótão, Gerhart destapou-a mais
um pouco, pesquisou com cuidado todo o espetáculo, sentido-se a despertar para
algo que mal sabia o que era, achou que podia juntar-se mais e mais, o que o
instinto natural lhe ditava.
A
tia, “a dormir”, foi-se ajeitando para que Gerhart se encaixasse todo. Como
sonâmbula, com ambas as mãos ajeitou o sobrinho, conduzindo-o até ao “abrigo”
certo.
Ambos
fingiam que dormiam, mas quando Gerhart adentrou com o rompante da vontade e da
muita juventude, ela soltou um gemido que o assustou, e disse:
-
O que é isso Gerhart?
-
Desculpa tia. Eu não queria fazer-lhe mal. Desculpa, eu vou sair daqui.
Gerhart
pensou tê-la machucado e quando se preparava para se afastar ela agarrou-o com
força.
-
Não Gerhart. Olha, já que está assim, deixa ficar! Não fizeste mal nenhum, eu é
que não esperava. (Mentira!) Deixa ficar como está, que nos agasalhamos melhor!
Gerhart
não sabia o que fazer, não queria de forma alguma deixar aquele encontro que
estava a saber-lhe como nunca havia pensado. Ficou quieto enquanto a tia o
arrumava bem em cima dela, sentindo então toda a força daquela mulher que se
coxeava a andar, ali se mexia duma forma que o levava às alturas.
A
tia, Gertrude, parecia dançar debaixo dele, primeiro a um ritmo lento que foi
crescendo, bem como a sua respiração acompanhada de respiração profunda. Gerhart também suava, e uma espécie de
chorinho da tia preocupavam-no. Receava que a estivesse machucando! Aquela
estreia, inesperada, e já há algum tempo pressentida no subconsciente,
compensava-o de todo o esforço que fazia desde que saíra de casa. Apetecia-lhe
gritar, cantar, dançar, mas não sabia o que fazer, abraçado à tia que o
mantinha acorrentado nos seus braços.
Terminada a estreia, a tia, antes de voltarem a
dormir, fez o sobrinho prestar um solene juramento de jamais, com quem quer que
fosse, falar no que tinha acontecido ali entre eles. Se o fizesse ela iria
queixar-se que ele a tinha atacado, que não o queria mais em casa, etc.
Gerhart jurou tudo o que podia. Por todos os
santos conhecidos e a conhecer mais tarde no seminário. Não queria igualmente
que alguém viesse sequer a desconfiar do que se passou, e passaria entre eles,
muito menos perder aquela cama e as noites que, de certeza se seguiriam.
E seguiram.
Ao chegar a casa Gerhart tinha sempre que
estudar, pelo menos uma hora, enquanto a tia arrumava alguma coisa e preparava
o parco jantarzinho, que mesmo como pouco, hábil cozinheira, fazia milagres. À
noite passaram a comer depressa para se irem deitar mais cedo e poderem ficar
na cama o máximo de tempo possível.
Gerhart fingia que se deitava para dormir, mas
assim que a tia se metia por debaixo das cobertas ele sentia as suas mãos
procurando-o ao que ele não se fazia rogado, e logo aparecia disponível. Do
mesmo modo as mãos do jovem percorriam o corpo da tia com muito cuidado,
apreciando e excitando-se cada vez mais, mas logo se viravam um para o outro e seguiam
em frente. Gertrude já não se deitava com a camisola. No escuro do sótão e o
sobrinho de costas, despia-se toda e só depois se tapava com as cobertas.
Folgada e carente, as mãos de ambos todos os dias descobriam novas sensações,
tudo era novidade e ela beijava-o na cabeça, depois no pescoço, onde quer que
pudesse.
Não podia durar muito tempo nestas cavalgadas. O
sobrinho era muito jovem e até lhe parecia que começava a emagrecer. Ela era
forte e resistente, mas tinha que ter muito cuidado para não estragar a sua
“galinha dos ovos de ouro”, cansada de fazer inúmeras promessas para que tal
lhe caísse um dia em casa. Aliás, na cama.
E tratou de o forçar a comer melhor. Mais
salsichas e ovos e leite e batatas, tudo quanto pudesse contribuir para a
robustez do jovem que acabara de fazer quatorze anos e a botar corpo e... o
resto.
Felizmente ia bem nos estudos e logo seria
chamado para o seminário. Aí acabaria aquela cama gostosa, quentinha e sensual,
o que, só de pensar, lhe dava tristeza. Tinha que arranjar uma maneira de,
mesmo quando no seminário, poder continuar a visitar a querida tia que tão bem
o havia acolhido e introduzido nas artes do amor.
Gerhart só descansava nos fins de semana, e nas
poucas férias, apesar de ter sempre muito trabalho, a ajudar os pais nas fainas
diárias, a contar histórias aos irmãozinhos menores e a fazer, nos fins de
semana, aquela caminhada de ida e volta, tanto no verão como no rigoroso frio
do inverno.
Acabou o ano letivo. No dia seguinte Gerhart
voltaria para casa e quando regressasse já tinha o seminário para onde ir. Na
véspera Gertrude passou o dia a limpar as lágrimas. Ia ficar sem aquele
calorzinho, aquelas pernas gostosas enroscadas, e o resto! Nos últimos tempos
economizara o quanto podia, sempre abaixo de pouco, para preparar uma bonita
ceia de despedida.
Quando o sobrinho entrou em casa ela agarrou-o
logo, encheu-o de beijos e nem mais lembrou da tal ceia especial. A despedida
tinha que ser de outra forma.
Subiram atabalhoadamente os poucos degraus até ao
sótão onde chegaram já despidos. Ela chorava de e saudade antecipada, ele parecia
um cavalo na corrida, até que por fim, amainaram.
Descansaram um pouco e:
- Gerhart! Tinha preparado uma ceia especial de
despedida. Vamos descer de novo.
Vestiram as camisolas e foram para a festa do
estômago, acompanhada com um copo de vinho para cada um.
Mas não era esta comida que cada um mais
desejava.
- Tia. Eu acho que vou conseguir uns momentos
livres quando entrar para o seminário para vir visitá-la. Ainda não sei bem
como, mas de certeza que vou continuar a aparecer.
Ela levantou-se emocionada, beijou-o e:
- Vamo-nos deitar. Não podemos comer mais nem
perder mais tempo.
As mesmas cenas, as lágrimas, tudo.
De manhã Gerhart, ao sair, para ficar uns dias de
férias em casa dos pais, sem nada dizer levou um sapato da tia, que ela calçava
do lado da perna mais curta. Em casa, com habilidade, de madeira forte fez uma
sola espessa, que compensasse a diferença de altura das pernas, forrou a sola
com um pedaço do couro de porco. Por fim pregou tudo com muito cuidado, pintou
a madeira de preto e calculou ter feito um bom trabalho.
Acabadas as férias, Gerhart saiu de casa dos pais
um dia de antes da entrada para o seminário e, além de levar mais alimentos
para ajudar a tia, carregava, como surpresa, o sapato.
Quando chegou foi recebido com imensa alegria e
muito “atraso” nas lides escusas. Depois de se terem reposto as saudades,
Gerhart pede à tia que lhe mostre o pé, calça-lhe o sapato e pede-lhe que ande,
para ver o resultado.
Para espanto dela, quase não coxeava, e como as
saias iam até quase ao chão ninguém se aperceberia do “truque”. Outra vez teve
que agradecer, e muito, este carinho que o sobrinho lhe levara. E os
agradecimentos eram sempre calorosos.
Ele teve que se apresentar no seminário, prometendo
que apareceria sempre que possível, e assim foi acontecendo durante algum tempo,
com intervalos mais regulares do que imaginara.
Um dia um dos professores, simpático, no meio da
aula avisa os alunos que ia que deixar o seminário. Fora mandado para uma paróquia
em Zwickau, a mais de 100 quilômetros dali. No fim da aula em conversa com
Gerhart lamentou-se, porque gostava muito de lecionar, e no novo cargo,
solteiro, iria ter que tomar conta da igreja, da casa, viver sozinho, o que lhe
parecia sombrio.
Gerhart lembrou-se logo da tia, que bem merecia
um homem bom com quem casasse.
- Herr
Lehrer. Eu conheço uma senhora, minha tia, solteira, muito simpática e
educada, que seria uma esposa ideal para o senhor. Pobre, irmã de minha mãe, muito
trabalhadora. Venha comigo que eu vou apresentá-la.
- Gerhart. Casamento não se faz como quem vai
comprar batatas! Precisa tempo.
- Mas primeiro precisa conhecer. Depois... é
problema de ambos.
- Vamos então lá conhecer a sua tia.
- Deixe-me ir uns cinco minutos na frente para a
avisar que vem um amigo, para ela se poder arrumar um pouco, mesmo não sendo
pessoa de se exibir, nem dinheiro teria para isso.
Quando entrou em casa a tia agarrou-se logo a
ele, e Gerhart teve dificuldade em se desenvencilhar.
- Tia, vem aí um amigo meu, um professor que a
quer conhecer.
- Ahhh! Mas eu estou nesta figura miserável!
- Que nada. Dê um arranjo na aparência e deixe as
coisas correrem.
Conforme o combinado, pouco depois o professor
bate à porta, Gerhart vai abrir e logo a seguir Gertrude desce do sótão.
Corada, roupa modesta, cuidada, e uma cara que logo agradou ao pretenso
pretendente.
Apresentações, um pouco de conversa cerimoniosa,
Gerhart diz que tem que sair por uns minutos e deixa os dois sós.
Meia hora depois, ao voltar ainda estavam os dois
em animada conversa.
Professor e aluno saíram juntos. Um beijo na face
da tia. um Auf Wiedersehen, bis bald,
meteram-se a caminho do seminário.
- Muito simpática a sua tia. Sabe que gostei
dela?
- Eu já sabia. Ela é ótima pessoa, e o senhor precisa
e merece alguém assim. Tenho a certeza que farão um belo casal e que serão
felizes.
Gerhart não voltou a procurar os carinhos da tia.
Queria mesmo que ela fosse feliz. Ela bem merecia.
Nos dias que se seguiram, o professor aproveitava
todos os momentos livres para visitar Gertrude. Ao fim de um mês tinham
casamento marcado.
Fizeram a festa em casa dos pais de Gerhart, que
começou a tomar consciência que a vida de pastor não se coadunava com sexo
libertino, e sentia-se feliz por ter ajudado a tia.
Ajudou-a muito... e ela a ele, mas isso eram
águas passadas.
Agora a vida era outra, para todos.
Maio/2014