domingo, 13 de agosto de 2017

 

Caminhos do Sol – 7 -

Por Jorge Ferrão


Continuando com a fauna de Moçambique
(Já publicado em 18/05/2010 no blog “A Bem da Nação”)

O  DELTA do BANHINE

 

O delta do Banhine, que hospeda o Parque Nacional do Banhine (PNB), estende-se entre as planícies do Alto Limpopo e do Alto Changane, a noroeste da província de Gaza, em Moçambique. O delta é coberto por finos depósitos aluvionares, transportados por riachos efémeros subterrâneos cujas nascentes localizam-se no Zimbabwe, ou são impelidos por chuvas intensas, ocasionais. Na maior parte da área o nível freático encontra-se a uma significativa profundidade, frequentemente abaixo dos 60 metros. A superfície, porém, possui águas pouco profundas, salobras ou até salgadas.
Uma morfologia e parâmetros biofísicos espectaculares que recordam o delta do Okavango, em dimensões mais modestas. O delta mistura o misterioso, inexplorado, sagrado e romântico. Um lugar imprevisível que muda os cenários tão depressa como a coloração das suas águas superficiais.
Os habitantes locais designam a área por Banhine que em shangane significa planície de inundação. Banhine ressurge e catalisa a atenção de um selectivo grupo de turistas e ornitólogos que procuram paz, harmonia e aves exóticas. A população de avestruzes que habita o PNB é um dos últimos “gene pools” de “avestruzes puras” na África Austral. Para surpresa e agrado de todos, a população voltou a ser visível e encara os visitantes com maior naturalidade.
A área do Parque é de 7.000 km2.

O Serengeti moçambicano

Em 1972, esta vasta região de Banhine foi proclamada Parque Nacional e nesta altura terá vivido os seus momentos de glória. Conhecido como o Serengeti de Moçambique, devido à presença de um grande número de mamíferos de grande porte que ocupavam a extensa planície de inundação, o Parque representava o habitat ideal para as avestruzes que ainda sobreviveram às várias ameaças, em parceria com os antílopes de médio porte e as aves aquáticas, para além de uma importante diversidade de peixes.
Em meados dos anos 70, o PNB ficou, literalmente, entregue à sua sorte. Sem administração ou fiscalização do Estado, o furtivismo e a captura ilegal imperaram, conduzindo ao extermínio de abundantes populações de mamíferos como elefantes, zebras, bois-cavalos, palapalas e elandes, entre outros. A matança ocorreu em larga escala. Relatos testemunham a exportação de marfim do Banhine para a Europa, no referido período, com a total conivência das autoridades.
Entre os anos 1974 e 1997, Banhine quase sumiu do roteiro da Conservação da Natureza moçambicana. Desde 98, o programa das áreas de conservação transfronteiriças, do Ministério do Turismo, assumiu a responsabilidade pela dotação dos meios e recursos mínimos para a revitalização dos seus ecossistemas. Para a nova administração, a recuperação dos efectivos de avestruzes afigurou-se como uma prioridade, paralelamente à gestão das zonas húmidas, que albergam uma considerável diversidade de aves aquáticas, muitas delas raras ou em vias de extinção. O programa tem surtido resultados positivos a tal ponto que a população de avestruzes já somava 800 animais em 2004.
Olhem a simpatia... à vossa espera!

O PNB tem ciclos sucessivos de inundação e de seca, que proporcionam extraordinárias condições de alimentação e de habitat para um grande número de aves aquáticas, incluindo flamingos, gansos, patos, pelicanos e cegonhas, para além de aves de rapina, como as águias.
Ornitologos da região descobriram o local e viajaram para o Banhine por sua conta e risco. Mesmo sem as condições semelhantes à de outros parques, estes visitantes instalam suas tendas e desfrutam de belezas cénicas impressionantes, sobretudo quando as águas atraem os milhares de flamingos e pelicanos.
Um Centro de Pesquisa Científica foi instalado no local. Para os académicos e outros interessados fica aberta a possibilidade de estudarem, a fundo, este importante ecossistema e a secular actividade piscatória cujo colectivismo é pouco comum.
As águas de Banhine surpreendem, também, por outras razões. Durante a época seca, cuja periodicidade varia entre os dois e cinco anos, as pessoas locais, deslocam-se em grupos para as lagoas para praticar umas das mais antigas e interessantes formas de caça – a pesca colectiva.

A pesca colectiva no Banhine

As comunidades locais shangane controlam os ciclos de inundação e estiagem nas lagoas do Banhine. Os agregados familiares não devem exceder os 600. Sempre que se antevê um período de estiagem, as famílias residentes convidam aldeias próximas ou distantes, para as intensas sessões de pesca.
A pesca colectiva, passe a designação, assume contornos especiais por não usar métodos e instrumentos convencionais. Todos os pescadores começam por participar numa pequena cerimónia tradicional de culto aos antepassados. Seguidamente instalam-se em cabanas precárias, construídas em poucos minutos junto dos lagos e charcos pouco profundos. Finalmente, quando, a ordem de avanço é dada pelo líder tradicional, entram para os lagos, com a água a dar pelos tornozelos e, servindo-se de capulanas, peneiras, cestos de palha, latas e de outros utensílios, retiram da água praticamente todo o pescado indefeso e sem alternativas de sobrevivência.
A pesca colectiva dura no máximo duas semanas. Pode ser menos se a quantidade de peixe é reduzida. Quando o peixe é retirado, inicia-se o processo de tratamento. Depois de aberto e despido de seus interiores, o peixe é colocado em varões improvisados, para um curto período de secagem. Os pescadores não arredam pé do local. Tudo quanto fazem é pescar, limpar e pendurar o pescado, secar e preparar os fardos para serem transportado e consumido mais tarde noutros locais.
Quando a pesca termina, a estiagem já não dá tréguas e só restam os ovos dos peixes. Estes ovos são o garante para uma nova geração piscícola, quando a água regressar, alguns meses mais tarde. Para os convidados, com os cestos mais ou menos repletos, sobra o longo percurso de volta às aldeias. A estiagem ganha corpo e a planície seca na totalidade. Banhine vira local desolador. O ecossistema “perde” muito da sua vitalidade. As aves aquáticas vão embora, os mamíferos iniciam uma pequena migração para os rios Save ou Limpopo e apenas as avestruzes resistem a tanta secura e ao “pousio” da Natureza.
Pela sua natureza e peculiaridades, jamais esta pesca colectiva foi posta em causa. Nem faria sentido, “desaproveitar” tanto peixe que estaria condenado a morrer de forma natural. O ritual, na realidade, é secular. Até parece que só esta actividade colectiva garante a sobrevivência da planície, da qualidade do peixe e da vitalidade do delta.
Este ano o delta secou. Banhine vestiu-se de nostalgia e de recordações. Memórias, da estação de diversas cores, de penas e pássaros, chifres, pernas e peixes, de movimento e agitação. Por enquanto, o delta repousa. Aguarda, em silêncio por um novo tempo de chuva que venha molhar os espíritos e alegrias dos residentes e as espécies animais.

 

O caranguejo do Coqueiro


Olitoral do norte de Moçambique continuará, por milhares de anos, um local stico. Teremos, todos nós, tanto para contar, e nos faltarão as palavras para descrever tamanha beleza. Regresso ao arquipélago das Quirimbas e a raridade de sua fauna. Caminhando pela praia, agora em época de nidificação ou procriação das tartarugas, identificamos sem grandes esforços, pegadas que conduzem aos seus ninhos. Da mesma forma, outros milhares de traços geometricamente desenhados no chão, nos aproximam da graciosidade de grupos de caranguejos. Dos ninhos das tartarugas nascerão centenas de novas criaturas, porém menos de 10% sobreviverão ao mundo cruel e real. Os caranguejos, mais resistentes, driblam o mal e a natureza, com a mesma arte dos humanos. Por vezes um pouco melhor.
O arquipélago das Quirimbas e a Ilha Vamizi, em particular, hospedam uma espécie de caranguejo designado como Caranguejo do Coqueiro. Caranguejo dos coqueiros (Birgus latro) é crustáceo terrestre encontrado em diversas ilhas tropicais e dos oceanos Índico e Pacífico. Pode pesar, aproximadamente, até quatro (4) quilos e é muito forte. Com duas colorações, alaranjado e meio azul-roxo, o caranguejo dos coqueiros alimenta-se preferencialmente de material vegetal, principalmente, cocos. Portanto, será natural encontrá-lo em regiões com muitos coqueiros.


Bichinho grande, hein?

Uma das características que o diferenciam dos restantes caranguejos prende-se com a sua habilidade em trepar coqueiros e buscar sua alimentação predilecta. Parece até que foi admoestado para galgar coqueiros. Em Vamizi e devido a presença humana, ele pode ser facilmente encontrado pelas caixas de lixo do hotel, terminando os restos do lanho e do coco usado pelos serviços da cozinha ou pelos turistas.
Impressiona, nestes trepadores, como eles abrem os cocos para se alimentarem. As pinças são de tal forma fortes que descascam o coco com a maior das facilidades. Quando inicia a subida pelo tronco do coqueiro ele se mantêm tão firme que, dificilmente, pode ser retirado da caminhada. O coco já foi identificado e tudo se passa em tempos quase cronometrados. Depois os cocos com mais azar tombam. O dispêndio de energia aparenta precisar de ser compensado e, portanto, o caranguejo não desiste nunca de qualquer subida. A Ilha do Vamizi por felicidade, apesar de ter poucos coqueiros, hospeda exemplares do caranguejo trepador. Podem ter vindo para esta Ilha para se refugiarem da perseguição que sofriam em outros locais. Existe uma lenda local, até hoje muito divulgada, que confirma que quem comer ou se alimentar do caranguejo dos coqueiros, jamais sairá da Ilha. As lendas têm o valor que tem e aquelas que lhes decidimos dar. Mal ou bem, também eu advogo esta lenda. Pelos locais onde o caranguejo do coqueiro habita, continua sendo muito perseguido. A sua carne parece ser das mais saborosas que existem. Os insulares consideram-no o caviar das ilhas. Só por isso o caranguejo do coqueiro foi e continua sendo muito procurado.
Em Vamizi e Rongui, pelo menos, eles encontram paz e harmonia. Essa paz que todos procuramos. Protegida pelas convenções internacionais, porém sem qualquer protecção na legislação nacional, o caranguejo do coqueiro corre perigo de extinção. Quem se interessa pela fauna deve imaginar que um número, ainda significativo, poderá ser encontrado, não para que as gerações vindouras o possam conhecer, mas para que os próprios recriem as suas gerações futuras.

Alguns pesquisadores e pessoas interessadas ainda prestam atenção ao caranguejo trepador que, a maior parte dos turistas, ainda desconhece. Esta é uma das raridades deste Moçambique que continua desconhecido e ignorado pela maior parte dos nossos concidadãos.

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