Caminhos do Sol – 7 -
Por
Jorge Ferrão
Continuando com a fauna de Moçambique
(Já publicado em 18/05/2010 no blog “A Bem da Nação”)
O DELTA do BANHINE
O delta do Banhine, que hospeda o Parque
Nacional do Banhine (PNB), estende-se entre as planícies do Alto Limpopo e do
Alto Changane, a noroeste da província de Gaza, em Moçambique. O delta é
coberto por finos depósitos aluvionares, transportados por riachos efémeros
subterrâneos cujas nascentes localizam-se no Zimbabwe, ou são impelidos por
chuvas intensas, ocasionais. Na maior parte da área o nível freático
encontra-se a uma significativa profundidade, frequentemente abaixo dos 60
metros. A superfície, porém, possui águas pouco profundas, salobras ou até
salgadas.
Uma morfologia e parâmetros biofísicos
espectaculares que recordam o delta do Okavango, em dimensões mais modestas. O
delta mistura o misterioso, inexplorado, sagrado e romântico. Um lugar
imprevisível que muda os cenários tão depressa como a coloração das suas águas superficiais.
Os habitantes locais designam a área por Banhine
que em shangane significa planície de inundação. Banhine ressurge e catalisa a
atenção de um selectivo grupo de turistas e ornitólogos que procuram paz,
harmonia e aves exóticas. A população de avestruzes que habita o PNB é um dos
últimos “gene pools” de “avestruzes puras” na África Austral. Para surpresa e
agrado de todos, a população voltou a ser visível e encara os visitantes com
maior naturalidade.
A área do Parque é de 7.000 km2.
O Serengeti moçambicano
Em 1972, esta vasta região de Banhine foi
proclamada Parque Nacional e nesta altura terá vivido os seus momentos de
glória. Conhecido como o Serengeti de Moçambique, devido à presença de um
grande número de mamíferos de grande porte que ocupavam a extensa planície de
inundação, o Parque representava o habitat
ideal para as avestruzes que ainda sobreviveram às várias ameaças, em
parceria com os antílopes de médio porte e as aves aquáticas, para além de uma
importante diversidade de peixes.
Em meados dos anos 70, o PNB ficou,
literalmente, entregue à sua sorte. Sem administração ou fiscalização do
Estado, o furtivismo e a captura ilegal imperaram, conduzindo ao extermínio de
abundantes populações de mamíferos como elefantes, zebras, bois-cavalos,
palapalas e elandes, entre outros. A matança ocorreu em larga escala. Relatos
testemunham a exportação de marfim do Banhine
para a Europa, no referido
período, com a total conivência das autoridades.
Entre os anos 1974 e 1997, Banhine quase sumiu
do roteiro da Conservação da Natureza moçambicana. Desde 98, o programa das
áreas de conservação transfronteiriças, do Ministério do Turismo, assumiu a
responsabilidade pela dotação dos meios e recursos mínimos para a revitalização
dos seus ecossistemas. Para a nova administração, a recuperação dos efectivos
de avestruzes afigurou-se como uma prioridade, paralelamente à gestão das zonas
húmidas, que albergam uma considerável diversidade de aves aquáticas, muitas
delas raras ou em vias de extinção. O programa tem surtido resultados positivos
a tal ponto que a população de avestruzes já somava 800 animais em 2004.
Olhem a simpatia... à vossa espera!
O PNB tem ciclos sucessivos de inundação e de
seca, que proporcionam extraordinárias condições de alimentação e de habitat para um grande número de aves
aquáticas, incluindo flamingos, gansos, patos, pelicanos e cegonhas, para além
de aves de rapina, como as águias.
Ornitologos da região descobriram o local e
viajaram para o Banhine por sua conta e risco. Mesmo sem as condições
semelhantes à de outros parques, estes visitantes instalam suas tendas e
desfrutam de belezas cénicas impressionantes, sobretudo quando as águas atraem
os milhares de flamingos e pelicanos.
Um Centro de Pesquisa Científica foi instalado
no local. Para os académicos e outros interessados fica aberta a possibilidade
de estudarem, a fundo, este importante ecossistema e a secular actividade
piscatória cujo colectivismo é pouco comum.
As águas de Banhine surpreendem, também, por
outras razões. Durante a época seca, cuja periodicidade varia entre os dois e
cinco anos, as pessoas locais,
deslocam-se em grupos para as lagoas para praticar umas das mais antigas e interessantes formas de caça – a pesca colectiva.
A pesca colectiva no Banhine
As comunidades locais shangane controlam os
ciclos de inundação e estiagem nas lagoas do Banhine. Os agregados familiares
não devem exceder os 600. Sempre que se antevê um período de estiagem, as
famílias residentes convidam aldeias próximas ou distantes, para as intensas
sessões de pesca.
A pesca colectiva, passe a designação, assume
contornos especiais por não usar métodos e instrumentos convencionais. Todos os pescadores começam por participar
numa pequena cerimónia tradicional de culto aos antepassados. Seguidamente
instalam-se em cabanas precárias, construídas em poucos minutos junto dos lagos
e charcos pouco profundos. Finalmente, quando, a ordem de avanço é dada pelo
líder tradicional, entram para os lagos, com a água a dar pelos tornozelos e,
servindo-se de capulanas, peneiras, cestos de palha, latas e de outros utensílios, retiram da água praticamente todo o pescado
indefeso e sem alternativas de sobrevivência.
A pesca colectiva dura no máximo duas semanas.
Pode ser menos se a quantidade de peixe é reduzida. Quando o peixe é retirado,
inicia-se o processo de tratamento. Depois de aberto e despido de seus
interiores, o peixe é colocado em varões improvisados, para um curto período de
secagem. Os pescadores não arredam pé do local. Tudo quanto fazem é pescar,
limpar e pendurar o pescado, secar e preparar os fardos para serem transportado
e consumido mais tarde noutros locais.
Quando a pesca termina, a estiagem já não dá
tréguas e só restam os ovos dos peixes. Estes ovos são o garante para uma nova
geração piscícola, quando a água regressar, alguns meses mais tarde. Para os
convidados, com os cestos mais ou menos repletos, sobra o longo percurso de
volta às aldeias. A estiagem ganha corpo e a planície seca na totalidade.
Banhine vira local desolador. O ecossistema “perde” muito da sua vitalidade. As
aves aquáticas vão embora, os mamíferos iniciam uma pequena migração para os
rios Save ou Limpopo e apenas as avestruzes resistem a tanta secura e ao
“pousio” da Natureza.
Pela sua natureza e peculiaridades, jamais esta
pesca colectiva foi posta em causa. Nem faria sentido, “desaproveitar” tanto
peixe que estaria condenado a morrer de forma natural. O ritual, na realidade,
é secular. Até parece que só esta actividade colectiva garante a sobrevivência
da planície, da qualidade do peixe e da vitalidade do delta.
Este ano o delta secou. Banhine vestiu-se de
nostalgia e de recordações. Memórias, da estação de diversas cores, de penas e
pássaros, chifres, pernas e peixes, de movimento e agitação. Por enquanto, o
delta repousa. Aguarda, em silêncio por um novo tempo de chuva que venha molhar os espíritos e alegrias dos residentes e as espécies
animais.
O
caranguejo do Coqueiro
Olitoral do norte de Moçambique continuará, por milhares de anos, um local místico. Teremos, todos nós, tanto para contar, e nos faltarão as palavras para descrever tamanha beleza. Regresso ao
arquipélago das Quirimbas e a raridade de sua fauna. Caminhando pela praia,
agora em época de nidificação ou procriação das tartarugas, identificamos sem
grandes esforços, pegadas que conduzem aos seus ninhos. Da mesma forma, outros
milhares de traços geometricamente desenhados no chão, nos aproximam da
graciosidade de grupos de caranguejos. Dos ninhos das tartarugas nascerão
centenas de novas criaturas, porém menos de 10% sobreviverão ao mundo cruel e
real. Os caranguejos, mais resistentes, driblam o mal e a natureza, com a mesma
arte dos humanos. Por vezes um pouco melhor.
O arquipélago das Quirimbas e a Ilha Vamizi, em particular, hospedam uma espécie
de caranguejo designado como Caranguejo do Coqueiro. Caranguejo dos coqueiros (Birgus latro) é crustáceo terrestre
encontrado em diversas ilhas tropicais e dos oceanos Índico e Pacífico. Pode
pesar, aproximadamente, até quatro (4) quilos e é muito forte. Com duas
colorações, alaranjado e meio azul-roxo, o caranguejo dos coqueiros alimenta-se
preferencialmente de material vegetal, principalmente, cocos. Portanto, será
natural encontrá-lo em regiões com muitos coqueiros.
Bichinho grande, hein?
Uma das características que o diferenciam dos
restantes caranguejos prende-se com a sua habilidade em trepar coqueiros e
buscar sua alimentação predilecta. Parece até que foi admoestado para galgar
coqueiros. Em Vamizi e devido a presença humana, ele pode ser facilmente
encontrado pelas caixas de lixo do hotel, terminando os restos do lanho e do
coco usado pelos serviços da cozinha ou pelos turistas.
Impressiona, nestes trepadores, como eles abrem
os cocos para se alimentarem. As pinças são de tal forma fortes que descascam o
coco com a maior das facilidades. Quando inicia a subida pelo tronco do
coqueiro ele se mantêm tão firme que, dificilmente, pode ser retirado da
caminhada. O coco já foi identificado e tudo se passa em tempos quase
cronometrados. Depois os cocos com mais azar tombam. O dispêndio de energia
aparenta precisar de ser compensado e, portanto, o caranguejo não desiste nunca
de qualquer subida. A Ilha do Vamizi por
felicidade, apesar de ter poucos coqueiros, hospeda exemplares do caranguejo
trepador. Podem ter vindo para esta Ilha para se refugiarem da perseguição que
sofriam em outros locais. Existe uma lenda local, até hoje muito divulgada, que
confirma que quem comer ou se alimentar do caranguejo dos coqueiros, jamais sairá da Ilha.
As lendas têm o valor que tem e aquelas que lhes decidimos dar. Mal ou bem,
também eu advogo esta lenda. Pelos locais onde o caranguejo do coqueiro habita,
continua sendo muito perseguido. A sua carne parece ser das mais saborosas que
existem. Os insulares consideram-no o caviar das ilhas. Só por isso o
caranguejo do coqueiro foi e continua sendo muito procurado.
Em Vamizi e Rongui, pelo menos, eles encontram
paz e harmonia. Essa paz que todos procuramos. Protegida pelas convenções
internacionais, porém sem qualquer protecção na legislação nacional, o
caranguejo do coqueiro corre perigo de extinção. Quem se interessa pela fauna
deve imaginar que um número, ainda significativo, poderá ser encontrado, não
para que as gerações vindouras o possam conhecer, mas para que os próprios
recriem as suas gerações futuras.
Alguns pesquisadores e pessoas interessadas
ainda prestam atenção ao caranguejo trepador que, a maior parte dos turistas,
ainda desconhece. Esta é uma das raridades deste Moçambique que continua
desconhecido e ignorado pela maior parte dos nossos concidadãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário