O crepúsculo
Frase feita: a cada
novo minuto, ou segundo, entramos nos últimos dias da nossa vida. Tanto faz ter
20 ou 80 anos a Dama de Branco nunca
marca hora, mas sempre aparece.
Os hindus são talvez
– alguns – dos que mais meditam, e procuram dedicar a velhice à preparação da
sua estadia no Além, que, para praticamente todos é de pouca duração visto que
acreditam na reencarnação. Nessa altura da vida nada os interessa mais do que
meditar, penitenciarem-se por algum pecado cometido, esquecer o corpo, o Ego, e esperar o momento da transição
com a mente, o Eu, preparada.
Além disso pouco
mais um ancião pode fazer: faltam-lhe as forças, começa a confundir os
problemas, uma maleita aqui, outra ali, se por acaso o cérebro não foi afetado,
ele vive com algumas memórias, que sabe que são assuntos que deixaram de lhe
pertencer, e valoriza o espírito.
Renasce.
Jesus
disse: “Na verdade te digo que aquele que
não nascer de novo não pode ver o reino dos céus. João 3:3.”
É difícil renascer quando se está em plena força
da vida. A família, o trabalho, o sobreviver, a luta diária, muitas vezes não
permite uma folga, um tempinho para deixar o ego de lado e pensar no eu.
Mesmo sem querer viramos egoístas
“Conhece-te
a ti mesmo”.
No antigo templo de Luxor, há dois provérbios, gravados na
pedra: um deles, no templo exterior onde os iniciantes estavam autorizados a
entrar, diz "O corpo é a casa de
Deus". É por isso que se diz: "Homem,
conhece a ti mesmo." No templo
interior, onde só se podia entrar depois de comprovado estar digno e pronto
para adquirir maior conhecimento e iluminação,
um dos provérbios é "Homem,
conhece-te a ti mesmo, assim conhecerás os deuses."
Mas quem é o “A ti
mesmo”?
Sou eu? Só, ego-ísta, ego-centrista, que me olho no espelho e
procuro melhorar a minha imagem, a imagem passageira do tempo em que era jovem,
bonito (?), cheio de saúde, que me quero exibir aos outros, a querer sempre
mais e melhor, ou a do velho, carcomido pelos anos, doenças e quantas vezes pela
solidão?
Lembram de “O Retrato
de Dorian Gray”? Um dos mais bem explorados “retratos” daqueles que não
tomam conhecimento do Outro, do seu igual, do ambiente, e do seu espírito.
Há alguns dias escrevi um pouco sobre Confúcio, um homem de
rígida moral social, que orientou a vida do povo chinês durante mais de um milénio.
Mas Confúcio não passou para o plano espiritual todo o seu imenso saber e
exemplo. Até ao fim dos seus dias procurou um lugar de relevo em qualquer das
cortes reais.
Possivelmente contemporâneo outro grande homem, uma grande
lenda, viveu para procurar conduzir os homens ao plano mais elevado, à
existência dum Ser supremo que rege o curso do Universo, o Tao.
Esse homem foi outro mestre, Laozi ou Lao Tsé, o Grande
Mestre Lao.
Uma biografia, Shih-chi, compilação histórica escrita no
século I a.C. descreve um encontro estes dois grandes Mestres. Lao Tsé teria
reprovado o orgulho e a ambição de Confúcio em termos tão profundos que este o
terá comparado a um dragão que cavalga sobre nuvens até ao céu.
Para Laozi, tudo tem origem no Tao, obedece às leis do Tao
e finalmente retorna a Tao, que pode
ser descrito como a divindade, o ser absoluto, a ordem do mundo, a natureza
moral do homem bom, enfim ao que nós chamamos de Deus, havendo quem lhe chame
Brahman, Yahveh, God, Boh, Jumala e tantos outros nomes.
Lao-Tsé,
quando, segundo a lenda desapareceu montado num búfalo
Deus não é um castigador, nem jamais mandou exércitos para
combater “infiéis”, nem faz milagres para que a vida deste ou daquele corra
melhor. Nem mesmo que se encha o mundo de velas e promessas deixarão de haver
terramotos, tsunamis e outras catástrofes naturais.
O monoteísta reconhece um Deus-pessoa que reside no céu. Os
hebreus no tempo de Moisés não reconheciam um Deus Único para todo o mundo, mas
privativo para Israel, o Deus dos Exércitos. Einstein escreveu que há três
tipos de concepção de Deus:
1.- Deus-máquina entre os povos primitivos;
2.- Deus-pessoa entre os hebreus do Antigo Testamento e os
cristãos de todos os tempos;
3.- Deus-cósmico professado por poucos místicos que ultrapassam
a noção de igrejas, teologias e se encontram em todo o lugar. Entre estes enumera
três Demócrito, Francisco de Assis e Spinoza, um pagão, um cristão e um hebreu.
Demócrito considerava a felicidade como objetivo do homem,
Francisco, o Poverello “casou” com a Pobreza para viver somente o seu Eu, o espírito,
e Spinoza para quem Deus e Natureza nada mais são do que dois nomes para a mesma
realidade, a única e qualquer
espécie de matéria em
que consiste o universo.
Para fechar, que o tema é complicado, uma
pequena passagem de um dos poemas de Lao-Tsé
A ética genuína só existe
Onde o homem vive de dentro da sua fonte
E age pela pureza do seu coração;
Onde a genuinidade do seu ser
Se revela em atos desinteressados
E isentos de desejos.
Ou ainda
Quem dá valor a si mesmo, não é valorizado.
Quem se julga importante, não merece importância.
Quem se louva a si mesmo, não é grande.
Tais atitudes são detestadas pelos poderes celestes.
Detesta-as também tu, ó homem sapiente.
Quem tem consciência da sua dignidade,
De ser veículo do Infinito, se abstém de tais atos.
P.S.- Estes poemas não lembram seres repelentes tais como... uns quantos
políticos?
18/04/2016
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