Coisas da
Escrita
É sabido
(para os que sabem) que a primeira escrita com caracteres fonéticos terá
nascido com os fenícios, e apareceu primeiro em Biblos - uma palavra que nos
lembra alguma coisa de escrita! Povo marítimo e comerciante, expandindo-se
através do Mare Nostrum, e não só,
criando colónias com quem tinha necessidade de se comunicar, os caracteres
ideográficos, como os hieróglifos, além de darem um intenso trabalho, conduziam
muitas vezes a interpretações errôneas.
Os fenícios não usavam vogais, mas
entendiam-se bem, e foram os gregos, igualmente povo do mar, que pouco mais
tarde, com os mesmos problemas de comunicação dos fenícios, introduziram as vogais,
e tornaram a escrita naquilo que é conhecida até hoje, quer o alfabeto seja
romano, grego ou cirílico.
Os tipos
de letra destes inovadores eram complicados. Os romanos, práticos, organizados,
criaram um tipo de letra que, gravada na pedra, podia ser vista a qualquer hora
do dia: linhas retas, gravações profundas que permitiam praticamente em todas
as horas que uma sombra se projetasse no fundo da letra e a tornasse bem
legível e inteligível. A este tipo de letra se chamou, como é óbvio, lapidar, gravada na pedra.
Atribui-se
mais tarde aos santos Cirilo e Metódio a criação dum alfabeto próprio para as
línguas eslavas, e hoje utilizadas também em alguns países da antiga União
Soviética, com a finalidade de transcreverem para esses povos a Bíblia. O alfabeto
cirílico.
Ainda no
mesmo século IX, Carlos Magno impôs o uso de letras minúsculas, que igualmente
foram batizadas de carolinas¸ a que
hoje se chamam, em tipografia, letras de caixa
baixa.
No
século XII surgem as universidades e com elas imensa demanda de pergaminhos,
para a necessidade da divulgação, arquivo, consulta e troca do conhecimento. Os
godos, face a essa penúria de base onde escrever, criaram uma letra especial,
angulosa, estreita, que ocupava menos espaço do que as conhecidas até então,
economizando assim os tais pergaminhos, e essa letra, que resiste nalguns
lugares – meio exóticos – está-se mesmo a ver que se chama gótica. Letra cheia de maneirismos, difícil de ler, criou também um
cursivo, chamado bastardo!
No
sentido de economizarem os pergaminhos chegaram a criar uma letra tão miúda que
só se lia com óculos!
Os
humanistas italianos não foram na conversa dos godos. Petrarca dizia que aquele
tipo de letra embaraçava e fatigava os olhos como se fora feita para qualquer
outra finalidade que não a leitura, e a Renascença procura então um novo tipo
de letra.
Com a
conquista de Mogúncia, terra de Gutemberg, onde nasceu a tipografia no Ocidente,
muitos artistas se espalharam pela Europa. O franco-alemão, da Alsácia, Nicola
Jenson, instala-se em Veneza e vai se inspirar no alfabeto romano: letras
simples, bem legíveis, retas, estilo puro, o romano. Um dos seus herdeiros, Aldus Manutius, encomendou mais
tarde ao seu gravador um tipo mais delicado, inclinado, que começou por se
chamar aldine, mas que “herdou” o
nome da terra onde nasceu: o itálico.
Francisco
I, rei de França, confiou a Claude Garamont uma encomenda real, para edição de
textos gregos, os famosos grecs du roi¸ que
criou caracteres romanos e itálicos, hoje presentes em todos os computadores: o
Garamond.
Em 1692
foi o “humilde” Roi Soleil, Luis XIV, encarregou o abade Jacques Jaugeon de
criar um novo tipo, reservado em exclusivo, à impressão real, o romain royal. Este tipo de letra, mais
elegante e rebuscada, como seria de esperar, não durou mais de meio século.
Apagou-se a meio do reinado de Luis XV!
No
século XVIII foram os ingleses que primaram pela elegância. Mas todos se basearam
no “velho” romano, dando-lhe um pequeno toque aqui, outro além, o que se pode
constatar correndo as várias “fontes” disponíveis nos computadores.
E veio
depois a Art Nouveau, a Bauhaus, o Peignot, o Bifur, e
tantos outros artistas criadores de tipos de letras, que as gráficas, hoje
baseadas em computadores, podem alterar e realizar.
E... os
chineses? Como eles conseguem escrever num computador? Levou tempo para que
chegassem a uma conclusão, mas, determinados e inteligentes, obtiveram o
resultado desejado.
Pode parecer um pouco preconceituoso dizer que os chineses têm
problema para digitar, mas a verdade é que até hoje eles não possuem um sistema
padrão para desenvolver teclados, como o nosso ABNT2. E esse problema é mais
antigo que os computadores: ele vêm desde a época das máquinas de escrever.
A maior dificuldade enfrentada pelos chineses atualmente é fazer
um teclado que consiga produzir o maior número possível de ideogramas, e que
ainda possa usar os caracteres do alfabeto latino, predominantes nas culturas
ocidentais e, portanto, na internet. Para resolver o enigma, algumas soluções
foram pensadas:
Uma delas, o método Cangjie é
apenas o mais famoso dos chamados “Shape-based methods” (Métodos baseados na
forma). Existem vários outros, cada um adaptado para uma região, contexto e
língua diferente.
Cada tecla recebe um símbolo que é chamado de “radical” ou
“raiz”. Existem 24 desses radicais e a partir deles você pode usar outros
sub-radicais, formando praticamente todos os ideogramas. Para uni-los há que
pressionar dois ou mais botões ao mesmo tempo!
Complicado,
né? Eles lá se vão entendendo, mas a escrita ideográfica... começa a cair em
desuso. E isso é um bem cultural chinês de valor inestimável, que, como é
evidente eles não podem, nem querem perder.
Fontes:
- Robert Druet – La
civilisation de l’écriture – 1977
- Internet
29/02/2016
Cinco mil anos a trabalhar para o computador que recebeu a papinha feita. Mas isso não se ensina, como faz o Francisco, porque o passado passou, o presente é para deitar fora e o futuro que se lixe...
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