terça-feira, 15 de março de 2016




Da China...


Que a China tem uma cultura milenar, ninguém sabe de quantos milénios, é verdade e não se discute.
Para nós, incultos ocidentais, orgulhosos ou soberbos da herança greco-romana, que impusemos os grilhões em todo o canto do mundo, um dia temos que despertar para a imensa cultura de outros povos, mesmo aqueles que durante séculos não nos mereceram mais que desprezo.
Hoje um pequeno passeio pela China.
Alguém sabe o que significam estes símbolos?

Reparem bem que o terceiro tem a mistura dos dois primeiros.
Vamos ver como no decorrer do tempo, os chineses, com sua tranquila sabedoria, conseguiram transmitir as suas ideias e mensagens com umas “garatujas” (garatujas para nós) que além de inteligíveis, para eles, são bonitas, decorativas.
Uma das mais antigas formas de religiosidade chinesa teria sido o culto dos antepassados. Confúcio fez da devoção filial a base da sua filosofia, uma devoção tão rígida que levava alguns discípulos a ponto de esquecerem o seu próprio espírito. Alguns livros escritos há mais de três mil anos – Shijing, Shangshu, Kanggao, Zuo Zhuan, entre outros – contêm impressionantes cenas de devoção filial, como o caso de alguns filhos preferirem morrer a não satisfazer as exigências de seus pais. Todas as histórias levam a concluir que existia uma obediência cega aos progenitores.
Um dos exemplos mais antigos, tirado do livro Hou Huanshu (talvez do século IV d.C.) conta a história de um alto funcionário que, para poder cuidar de sua mãe, não tem interes­se pessoal algum na glória que tal cargo pode proporcionar-lhe. Outra, textual:
"À época do Imperador An (ano 107 ao 126) vivia em Runan (Henan do Sul) um homem chamado Xue Bao... Estudio­so e sincero, quando sua mãe morreu se tornou célebre pelo exemplar amor filial de que deu mostras durante o período de luto. Seu pai vol­tou a casar-se, e sua esposa, que odiava profun­damente a Xue Bao, expulsou-o de casa. Mas ele chorava dia e noite, incapaz de ir-se, até que, golpeando-o com um bastão, obriga­ram-no a alojar-se numa cabana nas proximi­dades. Toda manhã Xue Bao vinha varrer o pó da casa de seu pai, até que este, irritado, o ex­pulsou de novo. Xue Bao se estabeleceu, então, em uma outra cabana perto da entrada da pro­priedade, sem jamais deixar de ir saudar seus pais à tarde e pela manhã. Após um ano ou mais, estes se sentiram envergonhados e o fi­zeram regressar. Mais tarde, quando morreram seu pai e sua madrasta, Xue Bao duplicou ou até triplicou seu período de luto. "
Xue Bao é um exemplo característico dos fi­lhos virtuosos mencionados nos textos daquele período. Na realidade, seu comportamento parece quase normal se comparado com os de outros dois personagens similares que enchem as páginas do Hou Hanshu.
Vemos, por exemplo, crianças de quatro anos de idade que se negam a comer e beber quando seus pais estão doentes, ou de um ho­mem que "não comeu carne nem bebeu vinho durante 10 anos depois que seu pai morreu, e no aniversário de sua morte ele celebrava jejuando por três dias".
Alguns exemplos são ainda mais surpreendentes, como o de Yang Zhen (morto em 124), descendente de uma das famílias fun­dadoras da dinastia Han, que sendo muito jo­vem preferiu tornar-se professor para poder manter-se afastado da vida política. "Órfão e pobre desde a juventude, vivia so­zinho com sua mãe. Ele havia arrendado uma porção de terra para cultivá-la e obter assim seu sustento. Certa vez um de seus alunos tentou ajudá-lo a plantar couves, porém Yang Zhen as arrancava e ia plantá-las de novo um pouco mais adiante. Os vizinhos o citavam como um exemplo de devoção filial." Acreditem ou não, a devoção filial de Yang Zhen está demonstrada pela insistência do personagem em que as couves que sua mãe comeria fossem plantadas pelas mãos do próprio filho!
O cultivo de couves é uma demonstração bastante inofensiva dos sentimentos filiais, porém há numerosos exemplos até de mortes causadas por um desejo de dar mostras irrefutáveis de ve­neração filial. O exemplo mais famoso é o da jovem Cao E, que vivia em Zhejiang, não muio longe da atual cidade de Shaoxing. Seu pai era um xamã (wu) que se afogou no quinto dia do quinto mês lunar (6 de junho) do ano 143, enquanto celebrava o culto do Deus das Ondas (possível deificação do movimento das marés). "O corpo não foi encontrado; sua filha Cao E, que tinha na época 13 anos, percorria o rio noite e dia gemendo e chorando sem cessar. Sete di­as depois ela se lançou também ao rio e se afogou."
Em Sichuan, do outro lado da China, mais um exemplo de amor filial. Uma outra menina, de nome Shuxian Xiong (ou Shu Xianluo), se lançou às águas no local onde seu pai havia afundado e foi achada seis dias depois flu­tuando entrelaçada ao corpo do pai. Citemos ainda o caso de Jiang Shi que se afogou por ha­ver-se arriscado demasiadamente ao entrar no rio para buscar água para sua mãe que tinha pre­ferência pela água do rio em vez da de poço.
As histórias do Hou Hanshu - assim como toda a história da China - estão cheias de exemplos de abnegação, milagres, sacrifí­cios e perseguições cruéis (geralmente da parte de sogras e madrastas) que são tolerados com uma resignação extática, suicídios inúteis, sem falar de manifestações extraordinárias de amor entre irmãos que se negam a separar-se mesmo que seja para dormirem com suas respectivas mulheres, exceto quando se trata de assegurar a descendência.
Como devemos considerar estes atos insóli­tos? Não se trata na verdade de ações que se as­semelham muito ao comportamento dos santos do cristianismo antigo e medieval? Mortificações, beijos em leprosos, jejuns purificadores e outros atos no mesmo estilo nunca foram consi­derados suficientes para provar o amor e a adoração dos santos pelo seu criador. Não es­taríamos diante de um fenómeno similar? A concepção chinesa do mundo, como se tem apontado frequentemente, é muito mais terra-a-terra que a dos ocidentais; a China sempre preferiu a imanência à transcendência, e quando um chinês eleva seu espírito ao criador, nega-se a dar o salto metafísico julgado normal pelos ocidentais, e se volta para aqueles que são seus verdadeiros criadores de carne e osso, ou seja, seus pais.
O Livro Da Devoção Filial (Xiaojing), um opúsculo medíocre datado provavelmente do fim da Antiguidade ou do começo da era im­perial, e que gozou de grande prestígio durante toda a história da China, reafirma o que disse­mos quase textualmente. No capítulo 9 lê-se:
"Não há maior forma de venerar seu pai do que fazê-lo intermediário dos céus.'' A palavra em­pregada para significar intermediário (peï), as­sim como o contexto, demonstram que os au­tores do Xiaojing se referem às mais antigas práticas religiosas chinesas de que temos notí­cia: os sacrifícios oferecidos aos ancestrais que, como intermediários, apresentavam ao céu os pedidos de seus descendentes e intercediam em seu favor. Há aí uma concepção mística con­ferida ao pai: a de associá-lo, se não a Deus, pelo menos a uma representação da divindade. Como vemos, os chineses não estão longe de deificarem seus pais; seu comportamento tra­duz simplesmente um esforço, que se encontra também entre os ocidentais, de irem além de si mesmos para glorificar seus criadores, que para eles são, literalmente, seus pais e mães.
Voltemos aos ideogramas. Como eles “nasceram. Veja-se na figura abaixo a evolução dum ancião uma criança e os dois juntos, e reparem, novamente, como a terceira figura é a mistura das duas primeiras.


Como se vê os chineses têm muito o que nos ensinar. E coisas bonitas.
Sobretudo a mim, que nada sei de chinês, mas encontrei este trabalho de que fiz um resumo que espero não desgostem.


12/02/2016

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