Da China...
Que a China tem uma cultura milenar,
ninguém sabe de quantos milénios, é verdade e não se discute.
Para nós, incultos ocidentais,
orgulhosos ou soberbos da herança greco-romana, que impusemos os grilhões em todo
o canto do mundo, um dia temos que despertar para a imensa cultura de outros
povos, mesmo aqueles que durante séculos não nos mereceram mais que desprezo.
Hoje um pequeno passeio pela China.
Alguém sabe o que significam estes símbolos?
Reparem bem que o terceiro tem a
mistura dos dois primeiros.
Vamos ver como no decorrer do tempo, os
chineses, com sua tranquila sabedoria, conseguiram transmitir as suas ideias e
mensagens com umas “garatujas” (garatujas para nós) que além de inteligíveis,
para eles, são bonitas, decorativas.
Uma das mais antigas formas de
religiosidade chinesa teria sido o culto dos antepassados. Confúcio fez da
devoção filial a base da sua filosofia, uma devoção tão rígida que levava
alguns discípulos a ponto de esquecerem o seu próprio espírito. Alguns livros
escritos há mais de três mil anos – Shijing,
Shangshu, Kanggao, Zuo Zhuan, entre outros – contêm impressionantes cenas
de devoção filial, como o caso de alguns filhos preferirem morrer a não
satisfazer as exigências de seus pais. Todas as histórias levam a concluir que
existia uma obediência cega aos progenitores.
Um dos exemplos mais antigos, tirado do
livro Hou Huanshu (talvez do século
IV d.C.) conta a história de um alto funcionário que, para poder cuidar de sua mãe, não tem interesse
pessoal algum na glória que tal cargo pode proporcionar-lhe.
Outra, textual:
"À
época do Imperador An (ano 107 ao 126) vivia em Runan (Henan do Sul) um homem
chamado Xue Bao... Estudioso e sincero, quando sua mãe morreu se tornou
célebre pelo exemplar amor filial de que deu mostras durante o período de luto.
Seu pai voltou a casar-se, e sua esposa, que odiava profundamente a Xue Bao,
expulsou-o de casa. Mas ele chorava dia e noite, incapaz de ir-se, até que,
golpeando-o com um bastão, obrigaram-no a alojar-se numa cabana nas proximidades.
Toda manhã Xue Bao vinha varrer o pó da casa de seu pai, até que este,
irritado, o expulsou de novo. Xue Bao se estabeleceu, então, em uma outra
cabana perto da entrada da propriedade, sem jamais deixar de ir saudar seus
pais à tarde e pela manhã. Após um ano ou mais, estes se sentiram envergonhados
e o fizeram regressar. Mais tarde, quando morreram seu pai e sua madrasta, Xue
Bao duplicou ou até triplicou seu período de luto. "
Xue Bao
é um exemplo característico dos filhos virtuosos mencionados nos textos
daquele período. Na realidade, seu comportamento parece quase normal se
comparado com os de outros dois personagens similares que enchem as páginas do Hou
Hanshu.
Vemos,
por exemplo, crianças de quatro anos de idade que se negam a comer e beber
quando seus pais estão doentes, ou de um homem que "não comeu carne nem
bebeu vinho durante 10 anos depois que seu pai morreu, e no aniversário de sua
morte ele celebrava jejuando por três dias".
Alguns
exemplos são ainda mais surpreendentes, como o de Yang Zhen (morto em 124),
descendente de uma das famílias fundadoras da dinastia Han, que sendo muito jovem
preferiu tornar-se professor para poder manter-se afastado da vida política. "Órfão
e pobre desde a juventude, vivia sozinho com sua mãe. Ele havia arrendado uma
porção de terra para cultivá-la e obter assim seu sustento. Certa vez um de
seus alunos tentou ajudá-lo a plantar couves, porém Yang Zhen as arrancava e ia
plantá-las de novo um pouco mais adiante. Os vizinhos o citavam como um exemplo
de devoção filial." Acreditem ou não, a devoção filial de Yang Zhen está
demonstrada pela insistência do personagem em que as couves que sua mãe comeria
fossem plantadas pelas mãos do próprio filho!
O
cultivo de couves é uma demonstração bastante inofensiva dos sentimentos
filiais, porém há numerosos exemplos até de mortes causadas por um desejo de
dar mostras irrefutáveis de veneração filial. O exemplo mais famoso é o da
jovem Cao E, que vivia em Zhejiang, não muio longe da atual cidade de Shaoxing.
Seu pai era um xamã (wu) que se afogou no quinto dia do quinto mês lunar
(6 de junho) do ano 143, enquanto celebrava o culto do Deus das Ondas (possível
deificação do movimento das marés). "O corpo não foi encontrado; sua filha
Cao E, que tinha na época 13 anos, percorria o rio noite e dia gemendo e
chorando sem cessar. Sete dias depois ela se lançou também ao rio e se
afogou."
Em
Sichuan, do outro lado da China, mais um exemplo de amor filial. Uma outra
menina, de nome Shuxian Xiong (ou Shu Xianluo), se lançou às águas no local
onde seu pai havia afundado e foi achada seis dias depois flutuando
entrelaçada ao corpo do pai. Citemos ainda o caso de Jiang Shi que se afogou
por haver-se arriscado demasiadamente ao entrar no rio para buscar água para
sua mãe que tinha preferência pela água do rio em vez da de poço.
As
histórias do Hou Hanshu - assim como toda a história da China - estão cheias
de exemplos de abnegação, milagres, sacrifícios e perseguições cruéis
(geralmente da parte de sogras e madrastas) que são tolerados com uma
resignação extática, suicídios inúteis, sem falar de manifestações
extraordinárias de amor entre irmãos que se negam a separar-se mesmo que seja
para dormirem com suas respectivas mulheres, exceto quando se trata de
assegurar a descendência.
Como
devemos considerar estes atos insólitos? Não se trata na verdade de ações que
se assemelham muito ao comportamento dos santos do cristianismo antigo e
medieval? Mortificações, beijos em leprosos, jejuns purificadores e outros atos
no mesmo estilo nunca foram considerados suficientes para provar o amor e a
adoração dos santos pelo seu criador. Não estaríamos diante de um fenómeno
similar? A concepção chinesa do mundo, como se tem apontado frequentemente, é
muito mais terra-a-terra que a dos ocidentais; a China sempre preferiu a
imanência à transcendência, e quando um chinês eleva seu espírito ao criador,
nega-se a dar o salto metafísico julgado normal pelos ocidentais, e se
volta para aqueles que são seus verdadeiros criadores de carne e osso, ou seja,
seus pais.
O Livro
Da Devoção Filial (Xiaojing),
um opúsculo medíocre datado provavelmente do fim da Antiguidade ou do começo da
era imperial, e que gozou de grande prestígio durante toda a história da
China, reafirma o que dissemos quase textualmente. No capítulo 9 lê-se:
"Não
há maior forma de venerar seu pai do que fazê-lo intermediário dos céus.'' A
palavra empregada para significar intermediário (peï), assim como o
contexto, demonstram que os autores do Xiaojing se referem às mais
antigas práticas religiosas chinesas de que temos notícia: os sacrifícios
oferecidos aos ancestrais que, como intermediários, apresentavam ao céu os
pedidos de seus descendentes e intercediam em seu favor. Há aí uma concepção
mística conferida ao pai: a de associá-lo, se não a Deus, pelo menos a uma
representação da divindade. Como vemos, os chineses não estão longe de
deificarem seus pais; seu comportamento traduz simplesmente um esforço, que se
encontra também entre os ocidentais, de irem além de si mesmos para glorificar
seus criadores, que para eles são, literalmente, seus pais e mães.
Voltemos
aos ideogramas. Como eles “nasceram. Veja-se na figura abaixo a evolução dum
ancião uma criança e os dois juntos, e reparem, novamente, como a terceira
figura é a mistura das duas primeiras.
Como se
vê os chineses têm muito o que nos ensinar. E coisas bonitas.
Sobretudo
a mim, que nada sei de chinês, mas encontrei este trabalho de que fiz um resumo
que espero não desgostem.
12/02/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário