quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016



Pai Nosso!


Rezar? Para que? “Senhor, vê se me safas que estou metido numa enrascada! ”
Negociar com o Senhor, é uma vergonha, falta de fé, vigarice.
Mas em vez de rezar, porque não simplesmente meditar? Sempre. Depois do carnaval talvez ainda “mais sempre.”

“Pai Nosso”. Para os crentes – e para os outros! – o primeiro Pai foi o Criador, portanto o Pai de tudo quanto existe, aqui e em todo o Universo. Por muito que a ciência brame, ou tente explicar por fórmulas mágicas de química e física, sem Pai não há filhos!
Se meditarmos, e pensarmos no Pai Nosso, não podemos, jamais, esquecer o outro Pai, o da terra, que nos deu a vida, e o nome. Sem ele não estaríamos por aqui. E só tomamos conhecimento da falta que nos faz quando já não o temos ao nosso lado.
Espera de teus filhos o mesmo que fizeste a teus pais.
Thales de Mileto

“Que estais no céu”. Em qualquer lugar haverá um céu. Eterno e até etimologicamente etéreo. Do mesmo modo para os crentes e não crentes. Lá estará o Criador e, no meu caso e de muitos, o pai terreno. Lado a lado. Sem pressa, nem tempo, porque na eternidade não há tempo. Haverá quando muito o “agora” que não tem princípio nem fim. O sempre. O momento de Paz eterna.

“Santificado seja o Teu nome. Tem que ser. Alguém pode conceber um Pai, Criador que não seja para além de santo? Mesmo sabendo que ele criou os homens e os deixa andarem por aí cometendo as maiores violências, loucuras, muitas vezes usando o seu Santo Nome? Evidente. Destes-lhes o maior dom que Te era possível: a liberdade. Só que os homens não sabem o que fazer com a liberdade. Um dia, talvez, venham a saber. E santificado seja também o nosso pai terreno, mesmo que para alguns não tenha sido o pai ideal. Não foi culpa dele. Alguma coisa lhe faltou na vida para que fosse mais perfeito.
Caminhou nesta terra, sofreu, como todos nós e, com certeza fez o melhor que pôde ou soube.

“Venha a nós o Teu Reino. ” É pedir muito! Querermos aqui na terra, com todos os defeitos que nos são inerentes, um reino celestial, cheio de paz e amor. Bem houve quem nos veio indicar o Caminho, a Verdade e a Vida, com palavras simples que muitos “mestres” têm procurado estudar, interpretar, traduzir e complicar: “Amai-vos uns aos outros! ” Precisa de explicação, de filósofos e/ou teólogos para nos explicarem que temos que nos amarmos? O nosso pai terreno não nos ensinou isso também? Que todos somos uma família e que é “feio” os filhos se zangarem uns com os outros? Zangam-se mais e discutem mais aqueles que, em teoria, deviam somente pregar a simplicidade desta mensagem, que sem dúvida é a única Verdade.
Averróis (Ibn Rushd, Córdova 1126 – Marraquexe 1198) grande figura do conhecimento, filósofo, médico, cadi, muçulmano, recomenda aos dirigentes que condenem as obras dos teólogos por trazerem em si o germe da dissidência e possibilitam todo o tipo de seitas que precipitariam a sociedade no abismo das guerras civis.

“Seja feita a Tua vontade. A vontade do Pai será ver os filhos divididos? Uns podres de ricos e muito perto de metade da população da terra a viver em condições sub-humanas? Outros a fabricarem e venderem armamento para que se matem uns aos outros? A Tua vontade, Pai Criador, poucos, poucos, raros, procuram vivenciá-la, mas a maioria, infelizmente, tapa os ouvidos e os olhos e quer desconhecê-la, negá-la. A Tua Vontade é tão simples! Basta muitas vezes um sorriso, um abraço. Um pão que se dá. E a vontade do meu pai terreno? Será que todos os seus descendentes se esforçam por fazer essa Vontade?

“Assim na terra, como nos céus. ” Se aqui fosse como nos céus, estaríamos no próprio céu, mas todos sabemos que “isto, aqui em baixo” é um verdadeiro inferno.  Tanto que, quando alguém deixa a terra, o que se diz é que esse alguém “finalmente encontrou a paz”. É triste. Podíamos encontrar a paz enquanto por aqui andássemos. O Céu é diferente para cada um. Uma jovem, cega de treze anos pesava treze quilos quando foi recolhida por um padre da Casa do Gaiato. Não conseguia andar. Tempo depois alguém lhe perguntou como seria o Céu para ela; “O Céu – respondeu – deve ser assim como um café bem quentinho! ” Que beleza tem a gente simples e pobre. Não pensam num céu cheio de luxo.

“O pão nosso de cada dia nos dai hoje. ” Que pão? Aquele que falta a bilhões de irmãos, que morrem de fome? Ou o pão celestial, o alimento da alma, do espírito, o que nos permitiria suprir com o pão terreno àqueles que tanto necessitam e não conseguem obtê-lo? Que pão estamos a pedir quando nos atrevemos a pronunciar esta frase? Será que quando pedimos para nós, conseguimos pensar que dez por cento da população mundial é a quantidade de deficientes de toda a espécie: cegos, surdos, aleijados, deficientes de nascença? Queremos o pão para nós ou para o ir levar a quem não consegue obtê-lo por seus próprios meios? Talvez aqueles noventa milhões de toneladas de alimento que a Europa joga no lixo durante o ano? Quantos poderiam deixar de ter fome com noventa milhões de toneladas de alimentos?
Dai primeiro o pão a quem tem fome,
Mas não esqueças de lhe dar a mão.

“Perdoai as nossas ofensas. ” Porque nos haveis de perdoar, se ao magoar o Outro estávamos conscientes da ofensa? Tu, Pai Criador, jamais nos ofendeste! Pedimos-Te perdão porque somos covardes, temos medo do futuro incógnito, daquilo a que chamam inferno. Temos medo. Até do Outro temos medo. E porque temos medo é que ofendemos e maltratamos o nosso semelhante, e criamos máquinas mortíferas. É o medo, e por isso somos covardes, fingindo que somos fortes com as nossas ofensa, maus tratos e promoção de desigualdades. As desigualdades sociais como o racismo vêm do medo que as classes de cima têm que dia, os “desclassificados”, se juntem e lhes vão pedir contas. Serás capaz de nos perdoares, Pai?
Porque los pobres no tienen
adonde volver la vista,
la vuelven hacia los cielos
con la esperanza infinita
de encontrar lo que a su hermano
en este mundo le quitan
Violeta Parra – Porque los pobres non tienen

“Assim como nós perdoamos a quem nos ofendeu. ” Mesmo nestas condições, se formos capazes de perdoar aos outros, porque nos hás de perdoar? Primeiro temos que ir pedir perdão a quem ofendemos ou maltratámos, e receber do Outro o perdão, generoso. Então, se o ofendido, aqui na terra, sinceramente nos perdoar, então o Pai poderá, talvez nos perdoar também. Talvez.
Perdoa muitas vezes aos outros, nunca a ti próprio.

“Não nos deixeis cair em tentações. ” Difícil, Pai. Somos fracos e covardes. Tanta coisa à nossa volta para nos fazer cair. Riqueza, poder, glória, sexo, corrupção, desprezo pelo mais fraco, tanta coisa! E será suficiente nos ajoelhamos para pedir perdão? É fácil pedir-te perdão a Ti, Pai. Mas... ajoelhar primeiro para afastar a tentação e depois agradecer-Te porque afinal nos ajudaste a vencer a nossa miserável fraqueza, isso sim. Depois de termos caído em qualquer tentação, abusado do Outro ou da Natureza, é fazer jogo de vigarista.

“E livrai-nos do mal.”  Tens que ser Tu, Pai, a livrar-nos do mal. Nós não somos capazes de viver longe do mal. O mal é tudo o que o nosso ego procura, o que parece dar prazer à vida material. Tal como qualquer pai terreno que está sempre atento para evitar que seus filhos caiam no mal, na maldade.
Pedimos-Te para nos livrares do mal, de todo o mal. É fácil, pedir. Mas o que Te damos em troca? Cuidamos do Outro, da Natureza, de tudo quanto é Belo e foste Tu que criaste? A luz o Sol, todas as criaturas e plantas, toda a maravilha que é a Natureza que nos ofereceste e que estamos a destruir? Esse mal ainda é congénito. Pode ser que um dia...

Pai! Livra-nos do mal.


03/02/2016

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