O Palhaço
Quem
não se lembra de ter visto “o” Palhaço? O Palhaço Pobre, sempre maltrapilho, com
aqueles sapatos imensos que chamava de “submarinos”, que apanhava pancada e
fazia rir todo o mundo?
Lembram-se
que quando ele “chorava” soltava uns esguichos de água pelos olhos, e procurava
atingir os espetadores que estavam junto do palco? E o público ria e aplaudia.
Além
destas e muitas outras palhaçadas, esses homens eram grandes artistas. Tocavam
concertina, violino, marimbas, trompete, e lembro de um que se sentou na borda
do palco, prendeu um serrote entre os joelhos e com um arco de violino tocou,
no serrote, as difíceis Csardas de Monti, deixando o público num total silêncio
e profunda admiração.
Fora
do palco e da representação, eram homens, muitas vezes tristes, que em tantas
ocasiões vertiam lágrimas autênticas, escondidos nos seus cubículos, amargando
uma vida difícil, dura e, Deus sabe, com que quantidade de problemas às costas.
Alguns, com família e filhos pequenos, andavam em duas ou três carroças, de
terra em terra, e todos tinham o seu papel na representação. Ciganos? Talvez.
Mas artistas pobres. Outros não tinham mais família, ou se a tinham, dela se
haviam afastado quando adolescentes, levados pela mágica da vida de
saltimbanco.
Todos
temos, dentro de nós, em maior ou menor escala, um tanto desses palhaços
pobres. Quantas vezes rimos ou fazemos rir, passando uma imagem de vida alegre,
desprendida, descompromissada, sem problemas, e uma vez sós, em frente da nossa
consciência, dos nossos remorsos, dos nossos erros, de costas para que não nos
vejam, não seguramos as lágrimas, contidas por vezes com amarga dificuldade.
Dizem
que rir é o melhor remédio. Pode ser. Mas enquanto rimos temos a certeza de que
a seguir temos bem mais motivos para chorar.
Se
quisermos filosofar um pouco mais, deixar o vento do espírito nos entreter,
ficamos cientes que na vida o importante é o momento que se vive. O passado não
volta e o futuro é sempre uma incógnita.
O
que podemos é fazer como a avestruz, escondendo a cabeça num buraco e esquecer
o passado. Quanto mais anos vivemos mais peso esse passado tem, por vezes um
peso difícil de carregar. São saudades, tristezas, amarguras que nos trazem as
lágrimas, à mistura com as alegrias de ter visto os filhos nascerem, depois os
netos, lembrar os muitos amigos que ajudaram a preencher a nossa vida, tudo já
desordenado, mas penoso a concentrar no silêncio da meditação.
O
momento, o presente, hoje, tal como o mundo se apresenta, desastrado, a caminho
de uma quase autodestruição, apesar da infinita capacidade da natureza se
regenerar, é vivido com a apreensão do futuro que filhos, netos e subsequentes
vão ter que enfrentar.
Aqueles
que teimam em seguir a ética, os valores humanos que os pais lhes transmitiram,
vão ter que encarar os selvagens ávidos de açambarcarem o mundo, as suas
riquezas e, pior, a sua moralidade.
E
se não nos escondemos para chorar pelas dores do passado temos que chorar pelo
futuro. Não do nosso, que já estamos nele, mas pelo dos outros, filhos e
desconhecidos, para quem a luta por uma vida com dignidade se apresenta cada
vez mais difícil.
Não
há vergonha em deixar as lágrimas correrem pela cara.
Vivemos
só o momento presente, é verdade, mas não podemos esquecer o que foi ficando
para trás, sobretudo os momentos mais pesados, mais dolorosos, os que teimam em
nos assaltar a mente quase sempre à noite, quando nos deitamos à procura de dar
descanso a um corpo já muito gasto e uma cabeça desejosa de adormecer depressa,
os “filmes” mais difíceis teimam em aparecer, em nos atormentar sem que
possamos, ou queiramos, deles nos afastar.
O
sono tarda. Algumas lágrimas humedecem-nos os olhos, e é com eles molhados,
tristes, que cansados acabamos por adormecer.
Antes,
porém, vem à memória aquele Palhaço alegre e triste, simpático, que para ganhar
a vida transforma as próprias dores em risos da multidão.
Ridi
Pagliaccio,
Ridi
del duol, che t'avvelena il cor!
E ognun applaudirà !
16/02/2016