Muita gente no Brasil não sabe se Santo António é de Lisboa ou de Pádua, ou se são dois santos. Na maioria dos lugares invoca-se o de Pádua, com seu nome tem cidades, cooperativa agro-pecuárias, festas, do Norte a Sul, etc. O de Lisboa tem uma paróquia em Florianópolis, terra de açorianos. Por isso tive vários pedidos para escrever sobre o Santo e esclarecer quem é quem!
Acontece que já tinha escrito há quatro anos. Quem não leu na ocasião pode ler novamente.
Foram dois textos, que resolvi colocar no blog de uma só vez.
A festa dos "dois" celebra-se no mesmo dia: 13 de Junho, dia da sua morte.
1
Santo
António
de...
Lisboa
Lisboa, 13 de Junho. Feriado
Municipal. Festa de Santo António... de Lisboa. O Casamenteiro.
Filho de Martinho de Bulhões e Maria
Teresa Taveira, nasceu à volta de 1190, (15 de Agosto?) em Lisboa, um menino
que foi batizado com o nome de um tio, cônego, Fernando, Fernando Martins
Bolhão, ou Bulhões.
“Seus pais moravam à beira da Sé, e
eram gente limpa e remediada”! Talvez o pai fosse ourives, uma vez que o nome
Bolhão significava “barra de prata, com liga de outros metais, boa para bular,
amoedar”. Bular acabou significando “colocar o selo” em documentos de grande
importância, a bula!
Na Sé, havia ao tempo, aula de
gramática e de artes, e, ali, Fernando, a partir dos sete anos, muito jovem, excepcional
memória e invulgar inteligência, aprendeu as primeiras letras e os rudimentos
de humanidades. Desde sempre mostrou uma profunda devoção e o começo de uma
mística, profundas, apesar de andar com “amigos estróinas”, que o obrigaram a
muito meditar sobre a sua vida.
Até aos 15 anos vive na casa dos
pais, entra num período de vida libertina com os tais “amigos” e, para fugir
aos chamados mundanos, decide entrar no mosteiro de São Vicente de Fora, dos
Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, com a idade de 18 anos. Logo tomou o
hábito da mão do Prior, e feito os votos possivelmente um ano depois. Aí fica
dois anos na meditação e estudo e pede depois para ser transferido para o
mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, onde ficaria longe dos amigos que o
assediavam para o mau caminho.
Santa Cruz, em Coimbra, junto à
Corte, tinha uma rica biblioteca e alguns mestres já formados em diversas
cidades da Europa, o que o tornava “uma pequena academia de sábios”.
Em ambiente de estudo e oração
permaneceu entre nove a onze anos. No entanto aquela vida de estudo e oração
não o satisfaziam. Fernando impressionava-se com a visita dos frades menores de
Santo Antão dos Olivais, que de vez em quando iam ao mosteiro de Santa Cruz
pedir esmola. Por este mosteiro devem ter passado os cinco frades menores que
em Marrocos deram a vida pela fé cristã, em 16 de Julho de 1220, e cujos restos
mortais foram recolhidos por D. Pedro, irmão do rei Afonso II, e entregues ao
mosteiro de Santa Cruz para aí serem depositados.
“O exemplo destes humildes, pobres,
alegres e ardorosos pela causa de Deus, como se mostram os franciscanos de
Coimbra e, sobretudo, o magnífico exemplo dos mártires, levam-no a trocar o
nome de batismo por Frei António, e a cândida estamenha Agostinha pela
estamenha parda dos frades menores, o rico e afamado mosteiro de Santa Cruz,
pelo pobre e obscuro de Santo Antão dos Olivais, a vida sedentária de cônego,
pela vida errante de frade mendicante e missionário.”
Entregue à pobreza e à missionação,
Frei António decide partir para Marrocos, onde os cinco mártires tinham sido
degolados pelo Emir, Amir al-Mu'minin, o Miramolim. Desta vez porém os muçulmanos deixam Frei
António em paz, mas ao mesmo tempo uma doença pertinaz o obriga a voltar a
Portugal.
O barco que havia de o levar sofre uma violenta
tempestade, é desarvorado, e vai ter às costas da Sicilia, onde, nas imediações
da cidade de Messina encontra abrigo num pequeno convento de Frades Menores.
E assim acaba a vida de Frei António em Portugal!
E começa o Santo Antonio de Padua!
Num próximo texto continuaremos a seguir a sua
vida. Hoje, deixamos um só dos seus sermões, que mesmo parecendo estranho pode
ajudar muito a meditar:
Parábola do anel de Ouro
(Jesus tomou o
saco das nossas misérias)
Lê-se no
Passionário de São Sebastião que um rei possuia um anel de ouro ornado de uma
jóia preciosa, que lhe era muito querido. Um dia caiu-lhe do dedo dentro de uma
cloaca, o que muito o penalizou. E, não encontrando alguém que lhe pudesse
tirar dali o anel, depondo os vestidos da dignidade real, desceu à cloaca
vestido de saco, procurou o anel durante muito tempo, até que finalmente
encontrou o que procurava e, alegre, trouxe para o palácio o achado. O Reino é
o Filho de Deus; o anel, o género humano; a jóia do anel, a preciosa alma do
homem. Este caiu no gozo do Paraíso, como do dedo de Deus, na cloaca do
inferno. O Filho de Deus muito se doeu desta perda. Para recuperar o anel,
procurou entre os anjos e os homens, e não o
encontrou, porque ninguém foi capaz. Então, depôs os vestidos,
aniquilou-se a si mesmo, tomou o saco da nossa miséria, procurou por trinta e
três anos o anel; finalmente desceu aos infernos e aí encontrou Adão e toda a
sua posteridade. Muito alegre, levou o achado consigo para a eternidade.”
N.- Voltaremos ao Santo António,
mas... de Padua!
10/06/2011
2
Exulta
Lusitania Felix
Santo
António
de...
Pádua
Primavera de
1221. Frei António, doente, tem que regressar a Portugal, mas levado por um
violento temporal, vai dar às costas da Sicilia, onde nas imediações da cidade
de Messina, encontra abrigo num humilde conventinho de frades menores.
Está quase com 31
anos. Um erudito teólogo, profundo conhecedor das coisas da Igreja, da Bíblia,
dos Santos Doutores, e de tudo quanto os muitos anos de estudo em Coimbra lhe
proporcionaram. Até ali tinha sido um estudioso, mas o exemplo dos frades
menores, franciscanos, com toda a sua humildade, pobreza e vocação missionária,
o levam a ingressar nesta Ordem fundada por Francisco de Assis em 1209.
No final de Maio de
1221 realiza-se em Assis um Capítulo Geral, que ficou conhecido na história
como o Capítulo das Esteiras, porque a multidão de frades era tal que a grande
maioria teve que dormir no chão! Lá vai o nosso Frei António, desejoso de
encontrar o Fundador da Ordem, Frei Francisco de Assis. Ali aprendeu ao vivo o
que deve ser o verdadeiro frade menor.
Levado para o eremitério
de Montepaolo, na Romagna, onde fica mais de um ano a celebrar missa, ajudar
nos trabalhos domésticos, e a vida ativa com que sonhara em Coimbra,
converte-se em contemplativa.
Em finais de
Setembro de 1222 há ordenações sacras na vizinha cidade de Forli, e o nosso
Frei António ali vai. No momento próprio o superior da comunidade dos franciscanos
pede aos dominicanos que tinham comparecido à cerimônia, para pronunciarem
algumas palavras de circunstância. Perante a escusa destes, manda então a Frei
António que anuncie a palavra de Deus. E acontece o inesperado: a revelação.
Todos ficam rendidos à sua simplicidade e bom senso, à sua palavra leve e
profunda. Frei António revela ser não só um frade santo, pronto a lavar panelas
de cozinha, como um sacerdote de vastíssima cultura e brilhante arte da
oratória.
Aos sacerdotes
mais dotados nomeavam pregadores. Em pouco tempo o Provincial de São Miguel foi
informado do que acontecera e “Frei
António obrigado a deixar o seu silêncio e sair a público, encarregado do
ofício de pregador, o que o fez percorrer cidades, aldeias, castelos e casais
espalhando a semente da vida com tanta abundância como fervor”.
A sua doutrina e
santidade começou a brilhar em muitos lugares do Norte da Itália. Em 1220 Frei
João Strachia organizara uma casa de estudos em Bolonha, e Francisco de Assis
ao se aperceber que ela se destinava a “poctius
doctos quam piuos”, formar mais doutores do que frades piedosos, acaba com
ela. Mas em Bolonha será por fim a primeira casa de formação intelectual da
Ordem.
São Francisco viu
em António que estudo e piedade podiam não só conviver perfeitamente, como
influenciar-se positivamente, e expede o seguinte bilhete:
“A Frei António, meu Bispo, Frei Francisco
envia saudações. Apraz-me que ensines Teologia aos frades, contanto que para
tal estudo não extingas o espírito da
oração e devoção, como está contido na regra.”
Em 1224 é mandado
a França onde a sua santidade de vida e a sua pregação foram de tal forma
eficientes, que lhe chamaram “martelo dos hereges”; aproveita o tempo e ensina
nas escolas conventuais de Toulouse e Montpellier.
Em 3 de Outubro
de 1126 morre Frei Francisco de Assis. Para escolher o seu sucessor são os
frades convocados a Capítulo, em começo de 1227, onde Frei António é nomeado
Provincial da Itália do Norte, e já não regressa a França.
Em 1228 vai a
Roma, e prega, na Igreja de São João de Latrão, diante do Papa Gregório IX,
cardeais e muito povo. O Papa tão impressionado ficou, que o chamou de “Arca do Testamento”.
Dois anos depois
é-lhe dada a carta geral de pregador e libertado do cargo de Provincial.
Decide então retirar-se
para a sua querida cidade de Pádua, para ali continuar a sua missão de pregador
e escritor. Aí Santo António, como já era conhecido por todo o norte da Itália,
escreve uma série de textos, tentando levar a paz onde reinava o ódio,
sobretudo em Florença entre os guelfos e os gibelinos, a libertar os presos por
dívidas, o que levou a um estatuto publicado pela edilidade de Pádua em 1231,
luta contra as usuras e bens obtidos pela violência, procura afastar as
prostitutas da sua degradante vida, e até se esforça para convencer os ladrões
profissionais a não tocarem no alheio e a trabalharem honestamente.
Escreve
entretanto muita coisa mais, e também os seus famosos “Sermões”.
Com quarenta
anos, sente-se cansado e vai descansar uns dias em Camposampiero, perto de
Pádua. Durante a refeição do meio dia, 13 de Junho de 1231, sente-se
desfalecer. Vendo-o tão mal levam-no para a casa dos Frades de Arcella, onde
recebe os últimos sacramentos. Já com o Senhor à vista, disse aos que o
assistiam: “Video Dominum meo!” e
entregou a alma a Deus.
E apesar do
silêncio guardado pelos Frades, logo correu a notícia pelo povo: “Morreu o padre santo” Morreu o Santo
António!”
Em 17 de Junho
foi sepultado em Pádua.
Nem um ano
passado era canonizado pelo Papa Gregório IX.
Em 1934 foi
declarado Padroeiro de Portugal.
E finalmente em
16 de Janeiro de 1946 o Papa Pio XII, em sua Carta Apostólica, que começa
Exulta Lusitania Felix,
declara Santo António Doutor da Igreja, Doutor
Evangélico.
Lisboa tem imensos ciúmes de Padua, que guarda lá os
ossos do Santo, e nem se atreve a, alguma vez, dizer que o Santo é de Lisboa.
Com estes breves textos se pode ver que enquanto em
Portugal, Santo António foi um frade desconhecido, mas onde estudou e se “encheu”
de toda a bagagem que o tornaria famoso em Itália. Foi aqui que pregou, ensinou
aos frades, pode considerar-se o primeiro lente franciscano, e ainda em vida já
era chamado de santo.
Preparou-se em Portugal e revelou-se na Itália.
Deve ser o único Santo da igreja que tem dois nomes!
16/06/2011
a vida é mesmo um mistério. não nos cabe conhecer todos os seus motivos, mas aceita-los como inevitaveis que são. resta-nos no entanto, o conforto dos companheiros de jornada, que compartilham de parte do nosso caminho, animam-nos com sua amizade e tornam tudo bom, conforme e justo.
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