domingo, 11 de outubro de 2015



Curiosidades Lisboetas - III

Um pouco de história... do Automóvel

Muitos estarão cansados de saber que o primeiro veículo auto propulsionado terá sido a invenção do senhor Nicolas-Joseph Cugnot que apareceu pela primeira vez em 1769. Um motor a vapor, de pistão rotativo, foi na ocasião um meio fenómeno, visto haverem já, máquinas a vapor, mas somente estáticas. Aquele era um avanço considerável sobre estas, mas, muito difícil de conduzir, devido ao enorme peso, sendo as duas rodas da frente, da direção, comandadas por uma alavanca, que exigia muita força para se controlar. Em 1771 aquele veículo, chocou contra uma parede de tijolos, que derrubou, o que terá sido o primeiro acidente automóvel da história, e perdeu o interesse do público!
A verdade é o assunto da primogenitura automobilística não é tão simples assim.
Num ensolarado dia de Junho de 1781, o senhor Pierre Delaval apresentou em Portugal, à rainha D. Maria I, na sua quinta em Belém, um “carrinho que anda por si”!
Pasmem ó gentes! Portugal poderia ter tido a primeira fábrica de “carrinhos” do planeta!
A rainha gostou tanto da “viatura’ que mandou dar ao francês uma gratificação de 57$600 reis, conforme consta do respetivo recibo passado pelo inventor:
J’ai reçu par les Ordes de Son Excelence Monseigneur le Marquis de Marialva Douse monnaye d’or aujurdouy, 19 Juin 1781.
À margem do recibo encontra-se esta elucidativa nota:
São 57$600 rs. que se entregão ao Marquez de Marialva para este homem que veio em 16 de Junho à Quinta de Belém com hum carrinho que anda por si para verem suas Mag.es
Esta “notícia de última hora” foi publicada na Revista Portuguesa”, Ano VII, 2ª série, n° 11, Janeiro-Fevereiro de 1941, no Funchal, Ilha da Madeira.
Parece que nunca mais alguém soube do tal “carrinho” nem do senhor Delaval e seria muito interessante que alguém conseguisse vasculhar na Torre do Tombo para ver se mais alguma coisa existe sobre o assunto. (Delaval só encontrei um sr. Pierre Louis Delaval, nascido em Paris em 1790, ótimo pintor.)
Ficamos sem saber se o carrinho era tipo Ferrari, Cadillac ou... carrinho de corda.
Como a D. Maria ficou louca – talvez porque quisesse um carrinho daqueles para fazer uns ralis lá em Belém, quem sabe? – e como pouco depois a corte veio para o Brasil trazendo milhares de documentos da Biblioteca Nacional... pode até acontecer que o relato dessa misteriosa demonstração que deu origem ao recibo, esteja perdido na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro onde, de quando em vez, se deixam roubar livros, documentos e outras coisas.

Um palacete chorando por cuidados

O antigo convento de Santo António da Convalescença, fundado em 1640, restaurado em 1746, hoje com aspecto de abandono, uma triste, rasgada e envergonhada bandeira nacional num mastrinho no primeiro andar, “ali” na Estrada de Benfica, 275, em Lisboa.
Pelo que dá a entender a vista pelo Google Earth, neste endereço funciona qualquer departamento do Estado, mas o Guia de Portugal de 1924, diz que nessa época tinha já sido transformado em casas de habitação.

O “convento” (cerca de 1940)
Ainda se vê o que parece ser uma igreja ao fundo (hoje derrubada)
e três portas para a rua, das quais subsiste uma única.

Informa o Guia que a sua fachada “ainda” recoberta com azulejos do século XVII, deve esta “ainda” ao arquiteto José Maria Nepomuceno (1836-1895) porque foi este arquiteto que os comprou como entulho nas obras da Madre-de-Deus, que pertenciam a uma capela árabe*! Nesse “entulho” terão ido azulejos dos séculos XVI e XVIII.

O arquiteto Nepomuceno – foto de 1884

No primeiro andar os azulejos que emolduram as janelas do corpo central e das extremas “são do mais apreciado que Sevilha fabricava na primeira metade de Quinhentos”. Como os outros, foram comprados junto ao entulho. Enfim uma grande mistureba!
Portas adentro há (ou havia?) mais coisas que Nepumoceno “colecionou” em Xabregas e outros lados.
Para quem vive em Portugal, uma visita ao antigo convento... deve valer a pena. Mas como nos aparece... é uma pena!
No entanto a opinião sobre o senhor Nepomuceno... não agradava a toda gente. Num próximo texto falaremos da Igreja da Madre-de-Deus, onde este senhor superintendeu às obras de mais um restauro (foram muitos durante quatro ou cinco séculos), mas para já fica sobre este arquiteto a opinião do Conde de Sabugosa (um dos famosos Vencidos da Vida):
... a indignação não tem limites quando ao observar o mistifório (miscelânea, embrulhada) aglomerado por uma recente ‘restauração’ (?) se nos patenteiam intenções pretenciosas colhidas na mofina dos Violet le Duc, e que até fazem supor intuitos sectários de profanar o caracter religioso da fundação. Verdadeiros atentados contra o bom gosto, a arte e a arqueologia.
Azulejos arrancados em alguns sítios, noutros acrescentados com enxertos trazidos de vários monumentos (Farol do Cabo de São Vicente, Convento de Santa Ana, etc.) azulejos mandados fazer modernamente ‘imitando antigo’; fantasias ampliando os quadros da sacristia, e tudo isso num amálgama que não se sabe se o intento foi restaurar, se modernizar, se fazer servir o monumento de ‘reclame’ a ceramistas e azulejadores. Uma confusão!
Mas onde todos os que tiverem algum critério ou simplesmente uns pós de bom-senso, de bom-gosto, ou de consciência artística, sentem invadi-los uma onda de repulsão, é quando, ao examinar os capitéis no pavimento superior do claustro pequeno, verificarem a resolução estapafúrdia que o ‘restaurador’ tomou de substituir alguns que se achavam mutilados por outros onde se encontra figurado ‘um comboio com a sua máquina fumegante’ (!) e alguns símbolos maçónicos (!).
Isto num claustro do séc. XVI!”



Nota: Se já em 1781 mostraram à Rainha um “carrinho que andava por si”... porque não esculpir uma máquina a vapor num capitel a fingir que era do século XVI?
E os símbolos maçónicos? Como a maçonaria foi iniciada em 1717 na Inglaterra, e maçon significa pedreiro, nada mais lógico ao senhor Nepomuceno do que mostrar o óbvio: as colunas foram feitas por maçons, e assim ali deixaram a sua assinatura.
O que julgo interessante é uma visita aos lugares descritos neste texto e conferirem. Pode ser que outro posterior restauro tenha melhorado os caprichos e estas mensagens cripto-líticas.


09/10/2015

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