AFONSO D'ALBUQUERQUE - 2
Armamento usado na Índia
Um dos pontos
interessantes dos feitos de Albuquerque é saber o armamento de que dispunham
os seus colaboradores naquelas guerras e, mesmo podendo ser, a retribuição
recebida por alguns d'eles.
Do seu
armamento sabemos que, em 19 de outubro de
1510, Afonso d'Albuquerque, escrevendo a El-Rei, pedia-lhe a remessa de 100
corpos d'armas para cada fortaleza, 500 lanças de pé para cada uma, 200 piques
(espécie de lanças) e 100 padeses (escudos) biscainhos.
Em carta de 1
de abril de 1512 entendia que, para a manutenção da Índia eram precisos três
mil homens bem armados e, em 28 de novembro do mesmo ano, dizia ser a gente da
ordenança 500 piques, 50 besteiros
e 50 espingardeiros. Também tinha
gente de cavalo e artilharia manejada pelos bombardeiros, camelos de ferro, camelos
de metal y uma espera de metal, 16 cães e 20 berços. Noutras cartas fala de
pelouros de berços, pelouros de falcões, pelouros de cães e pelouros de pedra
de bombarda grossa.
Sendo tais
designações nossas desconhecidas teremos de procurá-las nos livros da
especialidade.
Assim, vendo o Díccionario
de ciências militares por Don Mariano
Rubio y Bellvé, Barcelona, 1898, encontramos o seguinte:
Camello: peça d’artilharia usada antigamente
para bater as fortalezas, e que arremessava balas de 16 libras.
Espera: peça da artilharia primitiva, de
menor calibre que o camelo.
Cão: peça pequena de bronze.
A tal respeito
reproduzimos uma síntese obsequiosa e conscienciosamente feita a nosso pedido
pelo coronel de engenharia e distinto publicista, sr. Esteves Pereira, a quem
aqui apresentamos os nossos agradecimentos:
«O emprego das
bocas de fogo na Península, escreve, pois, S. Ex.ª começou em 1370, época em
que os Castelhanos se serviram de alguns trons no sítio da Ciudad Rodrigo,
defendida pelos portugueses. Em 1384 foram também usadas algumas bocas de fogo
desta espécie pelos defensores de Lisboa contra a armada castelhana. Depois
desta data começaram as bocas de fogo a ser mais ou menos empregadas em
concorrência com as antigas máquinas de guerra até ao século XV, em que a
fabricação daquelas armas alcançou uma certa perfeição e importância. Entre
nós, foram as guerras de África e sobretudo da Índia, que fizeram desenvolver
extraordinariamente o emprego da artilharia; começando este maior
desenvolvimento no reinado de João II, e prosseguindo no reinado de D. Manuel.
Até ao fim do século XVI além do nome genérico de bombardas, com que eram conhecidas
as bocas de fogo nas crónicas desta época, empregavam-se outros nomes mais especiais
para designar a sua força ou importância, tais como para as de maior calibre: colubrinas, basiliscos, leões, camelos, áspides; e para as de menor calibre: berços, sacres, falconetes, esperas,
etc. Estas denominações permaneceram por muito tempo; ainda em 1645 se
encontram em vários documentos oficiais os nomes de águias grandes de 40 libras
de bala, camelos grandes de 36 libras
de bala, sacres, meios sacres, colubrinas, meias colubrinas, esperas, etc.
Aos espanhóis devemos a regularidade nas dimensões e nas formas das bocas de
fogo, que se fundiram em Portugal durante a ocupação. A restauração de 1640
trouxe a necessidade de criar de novo todo o nosso material de guerra; é desta
época que datam a maior parte das bocas de fogo de alma lisa, que ainda hoje
possuímos, sendo à criação especial da Tenência de artilharia do reino que se
deve o desenvolvimento da fabricação da artilharia. No decurso dos anos de 1647
a 1658 fabricaram-se muitas peças dos calibres 5, 10, 11, 12, 13, 16, 18, 24, 25;
e nos anos subsequentes até 1681 foram ainda fabricadas as dos calibres 3, 4,
8, 9, 15, que faltavam na série
anterior. Todas estas bocas de fogo, feitas pelos modelos espanhóis, se
distinguiam pelo reforçado da joia, pelas numerosas molduras e ornatos, e pela
forma de golfinho das asas, tendo uma igual na culatra em vez de botão. Daquela
última data em diante até ao meado do século XVIII pouca artilharia se fundiu.
Colubrina portuguesa.
Vejam-se as asas em forma de golfinho
Antigamente o
calibre das peças era designada pelo peso dos projéteis que arremessavam,
expresso em libras; este modo de indicar os calibres não tinha inconveniente,
porque os projéteis eram de forma esférica. Aos projéteis dava-se o nome de
pelouros e depois de balas; eram feitos de pedra rija ou de ferro fundido; o
seu diâmetro era proximamente igual ao da alma da boca de fogo. A libra tinha
0,469 kg. Peças destes calibres foram fundidas de 1647 a 1658.»
Em 1 de dezembro de 1513,
Albuquerque escrevia sobre as armas que deviam ser enviadas: couraças, pelouros de espera e de
serpe, um castelo de madeira [FA1] com
o qual facilmente se tomasse Áden; piques para a gente da ordenança, lanças e chumbo.
Em 23 de outubro de 1514
participava Albuquerque ter mandado fazer três galés; quanto aos piques mandados para a gente da ordenança, são de
faia e rebentam, dizia ele, acrescentando que as melhores armas para a Índia
eram couraças e pedia doze carretas de artilharia do campo.
Alguns formatos de
“piques” - lanças
Apesar de todo
este, para o tempo, progresso de armamento não se pense que os portugueses se
batiam com inimigos de armamento rudimentar. Albuquerque, em carta de 30 de
novembro de 1513, conta como os mouros com quem pelejavam, tinham já
artilharia, armas e fortalezas, como as dos portugueses.
Vejamos a
remuneração recebida pelos combatentes:
De alguns soldos da
Índia temos conhecimento, embora poucos. Assim, em 1510, um calafate ganhava 4
cruzados e meio, por mês, um cordoeiro, o mesmo ou 1.200 reais por mês; dos
homens d'armas, havia-os com três cruzados por mês e outros com dois cruzados,
notando-se que o cruzado d'ouro valia então, na Índia, 390 reais. Em 29 de
março de 1512 mandava Albuquerque recrutar besteiros com suas bestas mui
apontadas e aljavas cheias d’almazem* por dois cruzados mensalmente e um
fardo d'arroz. O capitão d'esta companhia devia ter mil reais por mês e um
fardo d'arroz.
Entre o pessoal
todo, distinguiam-se os bombardeiros,
grande parte dos quais eram estrangeiros. Havia-os alemães, holandeses e
flamengos. Também naquelas guerras se distinguiam muitos degradados, aos quais,
por tal motivo, era levantado o degredo.
Este assumpto
do armamento não merecia no entanto a D. Manoel o cuidado devido. D'isso se
queixava amargamente Afonso d'Albuquerque na sua carta de 1 de abril de 1512. Nela
chegava a dizer que El-Rei desamparava a Índia, não lhe mandando nem armas,
nem gente nem aparelhos de guerra. No entender do grande governador eram
precisas armas e gente, mas junto do rei havia quem lhe dissesse ser mais
preciso o trato. Na sua pitoresca
frase, Albuquerque aconselhava D. Manoel a que não ponhaes o côvado da amizade dos reis nos senhores de cá!
-In Affonso
d’Albuquerque, António Baião, Lisboa 1913.
* Almazem, que significava “arsenal”, deu origem a armazém, por
influência de arma.
05-06-2015
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