sábado, 1 de agosto de 2015





AFONSO D'ALBUQUERQUE - 2

Armamento usado na Índia

Um dos pontos interessantes dos feitos de Albu­querque é saber o armamento de que dispunham os seus colaboradores naquelas guerras e, mesmo podendo ser, a retribuição recebida por alguns d'eles.
Do seu armamento sabemos que, em 19 de outubro de 1510, Afonso d'Albuquerque, escrevendo a El-Rei, pedia-lhe a remessa de 100 corpos d'armas para cada fortaleza, 500 lanças de pé para cada uma, 200 piques (espécie de lanças) e 100 padeses (escudos) biscainhos.
Em carta de 1 de abril de 1512 entendia que, para a manutenção da Índia eram precisos três mil homens bem armados e, em 28 de novembro do mesmo ano, dizia ser a gente da ordenança 500 piques, 50 bestei­ros e 50 espingardeiros. Também tinha gente de cavalo e artilharia manejada pelos bombardeiros, camelos de ferro, camelos de metal y uma espera de metal, 16 cães e 20 berços. Noutras cartas fala de pelouros de berços, pelouros de falcões, pelouros de cães e pelouros de pedra de bombarda grossa.
Sendo tais designações nossas desconhecidas te­remos de procurá-las nos livros da especialidade.
Assim, vendo o Díccionario de ciências militares por Don Mariano Rubio y Bellvé, Barcelona, 1898, en­contramos o seguinte:
Camello: peça d’artilharia usada antigamente para bater as fortalezas, e que arremessava balas de 16 libras.
Espera: peça da artilharia primitiva, de menor ca­libre que o camelo.
Cão: peça pequena de bronze.
A tal respeito reproduzimos uma síntese obse­quiosa e conscienciosamente feita a nosso pedido pelo coronel de engenharia e distinto publicista, sr. Esteves Pereira, a quem aqui apresentamos os nossos agra­decimentos:
«O emprego das bocas de fogo na Península, escre­ve, pois, S. Ex.ª começou em 1370, época em que os Castelhanos se serviram de alguns trons no sítio da Ciudad Rodrigo, defendida pelos portugueses. Em 1384 foram também usadas algumas bocas de fogo desta espé­cie pelos defensores de Lisboa contra a armada caste­lhana. Depois desta data começaram as bocas de fogo a ser mais ou menos empregadas em concorrência com as antigas máquinas de guerra até ao século XV, em que a fabricação daquelas armas alcançou uma certa perfeição e importância. Entre nós, foram as guerras de África e sobretudo da Índia, que fizeram desenvolver extraordi­nariamente o emprego da artilharia; começando este maior desenvolvimento no reinado de João II, e prosseguindo no reinado de D. Manuel. Até ao fim do século XVI além do nome genérico de bombardas, com que eram co­nhecidas as bocas de fogo nas crónicas desta época, empregavam-se outros nomes mais especiais para desi­gnar a sua força ou importância, tais como para as de maior calibre: colubrinas, basiliscos, leões, camelos, áspides; e para as de menor calibre: berços, sacres, falconetes, esperas, etc. Estas denominações permane­ceram por muito tempo; ainda em 1645 se encontram em vários documentos oficiais os nomes de águias grandes de 40 libras de bala, camelos grandes de 36 libras de bala, sacres, meios sacres, colubrinas, meias colubrinas, esperas, etc. Aos espanhóis devemos a re­gularidade nas dimensões e nas formas das bocas de fogo, que se fundiram em Portugal durante a ocupação. A restauração de 1640 trouxe a necessidade de criar de novo todo o nosso material de guerra; é desta época que datam a maior parte das bocas de fogo de alma lisa, que ainda hoje possuímos, sendo à criação especial da Tenência de artilharia do reino que se deve o desenvolvimento da fabricação da artilharia. No decurso dos anos de 1647 a 1658 fabricaram-se muitas peças dos calibres 5, 10, 11, 12, 13, 16, 18, 24, 25; e nos anos subsequentes até 1681 foram ainda fabri­cadas as dos calibres 3, 4, 8, 9, 15, que faltavam na série anterior. Todas estas bocas de fogo, feitas pelos modelos espanhóis, se distinguiam pelo reforçado da joia, pelas numerosas molduras e ornatos, e pela forma de golfinho das asas, tendo uma igual na culatra em vez de botão. Daquela última data em diante até ao meado do século XVIII pouca artilharia se fundiu.


Colubrina portuguesa. Vejam-se as asas em forma de golfinho

Antigamente o calibre das peças era designada pelo peso dos projéteis que arremessavam, expresso em libras; este modo de indicar os calibres não tinha incon­veniente, porque os projéteis eram de forma esférica. Aos projéteis dava-se o nome de pelouros e depois de balas; eram feitos de pedra rija ou de ferro fundido; o seu diâmetro era proximamente igual ao da alma da boca de fogo. A libra tinha 0,469 kg. Peças destes calibres foram fundidas de 1647 a 1658.»

Em 1 de dezembro de 1513, Albuquerque escrevia sobre as armas que deviam ser enviadas: couraças, pelouros de espera e de serpe, um castelo de madeira [FA1] com o qual facilmente se tomasse Áden; piques para a gente da ordenança, lanças e chumbo.
Em 23 de outubro de 1514 participava Albuquerque ter mandado fazer três galés; quanto aos piques man­dados para a gente da ordenança, são de faia e reben­tam, dizia ele, acrescentando que as melhores armas para a Índia eram couraças e pedia doze carretas de artilharia do campo.


Alguns formatos de “piques” - lanças

Apesar de todo este, para o tempo, progresso de armamento não se pense que os portugueses se batiam com inimigos de armamento rudimentar. Albuquerque, em carta de 30 de novembro de 1513, conta como os mouros com quem pelejavam, tinham já artilharia, ar­mas e fortalezas, como as dos portugueses.
Vejamos a remuneração recebida pelos comba­tentes:
De alguns soldos da Índia temos conhecimento, em­bora poucos. Assim, em 1510, um calafate ganhava 4 cruzados e meio, por mês, um cordoeiro, o mesmo ou 1.200 reais por mês; dos homens d'armas, havia-os com três cruzados por mês e outros com dois cruzados, notando-se que o cruzado d'ouro valia então, na Índia, 390 reais. Em 29 de março de 1512 mandava Albu­querque recrutar besteiros com suas bestas mui apon­tadas e aljavas cheias d’almazem* por dois cruzados mensalmente e um fardo d'arroz. O capitão d'esta com­panhia devia ter mil reais por mês e um fardo d'arroz.
Entre o pessoal todo, distinguiam-se os bombar­deiros, grande parte dos quais eram estrangeiros. Ha­via-os alemães, holandeses e flamengos. Também naquelas guerras se distinguiam muitos degradados, aos quais, por tal motivo, era levantado o degredo.
Este assumpto do armamento não merecia no entanto a D. Manoel o cuidado devido. D'isso se queixava amargamente Afonso d'Albuquerque na sua carta de 1 de abril de 1512. Nela chegava a dizer que El-Rei des­amparava a Índia, não lhe mandando nem armas, nem gente nem aparelhos de guerra. No entender do grande governador eram precisas armas e gente, mas junto do rei havia quem lhe dissesse ser mais preciso o trato. Na sua pitoresca frase, Albuquerque aconselhava D. Manoel a que não ponhaes o côvado da amizade dos reis nos senhores de cá!

-In Affonso d’Albuquerque, António Baião, Lisboa 1913.

* Almazem, que significava “arsenal”, deu origem a armazém, por influência de arma.

05-06-2015


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