Memórias
Os "IPads" da
minha mocidade
O primeiro brinquedo eletrônico de que me lembro, e só por fotografias, teria
eu um ano, foi um Fox Terrier. Pelo duro.
Quando a minha Mãe lhe dizia para tomar conta do bebé, ninguém se aproximava
que ele mostrava logo os dentes. Se fosse o meu Pai a dar a mesma “ordem”, ele
sabia bem como fazer.
Um dia foram dar comigo a cuspir pelos
do cão. Eu estava a comer um biscoito e o magnífico companheiro lembrou-se de
dar também uma mordida e levou-me o dito biscoito. Eu não gostei e para o ensinar dei-lhe uma mordida! O Boby (nem
sei já se era este o seu nome) nem sentiu a minha dura vingança.
Depois, como já contei um dia, teria uns
dois para três anos, o meu primeiro contato com a ciência. Uma velha amiga da
minha avó, cheia de grana, comprara um carro novo, sempre com chauffeur muito bem fardado, que abria a
porta de senhora, como seria de se esperar.
Um Chrysler Airflow 1934, moderníssimo,
que acendia uma luz no interior quando abria as portas. Um encantamento que
nenhum IPhone hoje pode proporcionar.
Uma “máquina” moderníssima
Já na pré[FA1] adolescência as minhas eletroniquices resumiam-se ao
que de mais moderno havia naqueles tempos, e eu mantinha-me sempre atualizado.
Jogar futebol em qualquer canto, ou na
rua, com bolas de trapos, um esfolar as pernas com quedas e caneladas, muito
melhor do que mandar SMS.
Lembro que um dia, regressando do liceu,
teria uns onze anos, e sempre a “treinar” uns bons chutos, deu um numa pedra
que rolou rua adiante e foi bater numa sacola de palha que dantes as tias
levavam para fazer compras. Fez um som estranho, e eu fiquei paralisado, temendo
que tivesse quebrado alguma coisa. O meu irmão, mais velho dois anos, deixou a
encrenca comigo, e com razão e segui para casa. A “tia” que passava em frente do
portão da casa onde morava Salazar queixou-se logo a um polícia que ali estava,
e por onde eu tinha que passar! Eu com medo das graves consequências fui
andando de fininho, com o polícia a fazer cara de mau a olhar para mim. Quando
passei na frente dele simplesmente me fez um sinal com a mão, de que merecia
levar um tapa! Levei foi um bom susto e deixei de treinar com pedras na rua, o
que a minha mãe muito apreciou porque as botas passaram mais tempo a gastar-se!
Mais tranquilo era jogar com as
tampinhas das garrafas de cerveja, que no Brasil chamam caricas! Era uma
corrida emocionante. Sentados ou ajoelhados no chão, pelas pedras que bordam os
passeios das ruas, dois ou mais atletas,
iam dando piparotes nas caricas, para ver quem primeiro chegava ao fim. Se ela
caia ou saía das pedras do “meio fio” tinha que voltar ao lugar da partida.
Havia, como em todos os grandes desportos verdadeiros artistas. Eu... ficava
entre alguns dos primeiros mas era raro ganhar. E quem ganhava levava as
caricas dos adversários.
E jogar ao “bilas”, berlindes, no Brasil
bolinhas de gude! Ainda lembro que os melhores eram aqueles que saiam de dentro
das velhas e boas garrafas de pirulito! Para quem não sabe o era um pirulito:
um refresco feito de água, açúcar e limão, a que se juntava o gás carbónico.
Dentro da garrafa havia uma bolinha de vidro que se fixava ao gargalo, vendando
perfeitamente só com a pressão do gás. Uma invenção magnífica e um produto que
havia em todo o Portugal, cada aldeia afirmando que o seu pirulito era o melhor
de todos. Para o jogo faziam-se três buracos no chão, de uns dez centímetros de
diâmetro, distanciados talvez uns dois metros; a técnica usada para fazer esses
buracos, normalmente era com a parte traseira da sola do sapato ou da bota,
porque ainda não tinham inventado o raio laser. A finalidade era acertar com os
bilas dentro do primeiro buraco para prosseguir e quando chegava ao terceiro
voltava para trás. Se não acertava dava a vez ao concorrente. Quem fizesse uma
ou duas voltas primeiro era o vencedor, e... tinha, como prémio, o direito de “abafar”
o berlinde do outro. Mas estabeleceram-se regras, que como todas as regras e
leis nunca eram de perfeita definição.
Assim havia uns bilas que valiam muito
mais que os simples vidrinhos de uma cor só. Rajados, maiores, de aço, dos
rolamentos, todos tinham a sua hierarquia, e quem possuísse um deles podia
passar junto a qualquer jogador e “abafar” o mais baratinho com que ele
estivesse a jogar. Chamavam-se “abafadores”, e seu “valor” era calculado em
número das bolinhas plebeias. Como se pode imaginar estas situações normalmente
acabavam na porrada, e quem ganhava não era o abafador maior ou melhor mas o
grupo de rapazes mais fortes.
Os abafadores e os “plebeus”
Não existe, até hoje, nenhum IPad ou
Nintendo com melhor jogo.
E as figurinhas das caixas de fósforos?
Outro jogo surpreendente! Neste a habilidade do artista tinha que ser muito
sofisticada!
Só se usava a parte da caixa que tivesse
o rótulo, e tal como nos “bilas” havia hierarquia nas ditas tampinhas (das
caixas). As regras eram simples: jogava-se a tampinha contra a parede e se ela
caísse com a imagem para cima, ganhava. Ao contrário, perdia, e o adversário
tinha o direito de ficar com ela. Assim os “contendores” apresentavam-se sempre
com uma boa dose de tampinhas, muitas delas “roubadas” em casa sem ser preciso
destruir a caixa e as suas laterais onde se riscavam, e acendiam, os fósforos.
Algumas das “armas de antão”
(Do site www.forum-numismatica.com )
Claro que já não recordo da hierarquia
das caixas mas, como em tudo, o seu valor estaria na raridade e/ou beleza.
Caixas vindas de outros países certamente seriam preciosidades e dava para
trocar por uma porção das comuns!
Também fui jogador de pião, mas, aqui
que ninguém nos ouve fui sempre péssimo! Enrolava-se-me o fio (barbante) nos
dedos, o pião rodava pouco e os mais competentes competidores tinham um sádico
prazer em atirar o pião deles contra os dos aselhas (desajeitados), como eu,
que muitas vezes ficavam sem o brinquedo porque a ponta de ferro dos atiradores
muitas vezes quebrava o nosso. É claro que só faziam isto os garotos mais
velhos! Sempre a mesma covardia. Desde a nascença.
Além de futebol, que a partir aís dos
dez anos já se jogava com bolas mais sérias, às quartas feiras, no Liceu, na
parte da tarde havia ginástica, e aos sábados de manhã atletismo, que sempre
gostei de praticar.
Reuníamo-nos no campo de futebol do
liceu, e havia alunos de todos as idades, desde os do 1° ano, dez onze anos de
idade, até aos finalistas, entre os 16 e 18.
Aí os nossos jogos “eletrônicos”
resumiam-se a corridas, saltos, lançamento de disco; jogos de futebol e os de
vôlei faziam no ginásio. As “baterias” dos nossos equipamentos, naquele tempo
parecia que nunca se descarregavam! Nem as “telas” nos cansavam a vista.
Só para terminar. O verão passava na
quinta dos meus avós, em Sintra. Ali, aos dez anos comecei a jogar o ténis, mas
como havia irmão e primos mais velhos a minha vez tinha que esperar e não havia
muitos que quisessem aturar o “miúdo”! Então o meu entretenimento eram as
árvores. Subir às árvores. Todas as que tivessem galhos à mão, e sobretudo às
figueiras!
Com todos estes exercícios
“intelecto-eletrónicos” se foi passando a minha juventude assim como a de bilhões
de seres, que ainda hoje, os que sobram, sentem as lágrimas a quererem aflorar
ao pensar como eram magníficos esses tempos fora de casa, ao ar livre, quando
as SMS para os amigos era ir a pé a casa deles, combinar alguma brincadeira um
passeio a pé pela serra, sempre que possível fora dos trilhos e por cima de
estevas e rochas.
Isso ou ficar sentadão, ou deitado,
horas e dias sem fim, na frente dum mostrador dum PC ou dum Smartphone, tem
alguma comparação?
Tem. Dantes não havia escolha, Deus seja
louvado. Hoje tem.
Os jovens que escolhem o ar livre e os
verdadeiros desportos merecem o meu respeito, sem que para isso precisem
abster-se da informática. Como eu!
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