Reduções e
Bandeiras
Brasil –
século XVII
Em março de 1549, chegaram ao Brasil os primeiros padres jesuítas que de
depararam com enormes dificuldades em iniciarem o processo de catequização
indígena em massa.
Não tardou muito a perceberem o interesse dos portugueses em escravizar os índios, e o
modo de melhor os defenderem foi migrarem as missões para cidades interioranas.
Além de ensinar a doutrina católica, os jesuítas iniciaram o trabalho de
orientação agrícola para que vivessem independentes e afastados dos
colonizadores portugueses.
Os índios, que viviam como nômades percorrendo grandes
distâncias em busca do melhor lugar para ficarem, passaram a sedentários com o
cultivo da terra, já que conseguiam alimentar tribos inteiras com o trabalho
agrícola.
Entretanto, graças a isso, os colonizadores descobriam e
mandavam prender e torturar grandes aldeias, que se chamaram às missões de “reduções”,
na intenção de obterem mais escravos para negociarem.
A esses ataques de rapina humana passou a chamar-se
“bandeiras”.
Na época em que Portugal e Espanha estavam governados por um
mesmo rei, foi publicada a partir de 1607 uma série de decretos que protegiam
as missões, dando-lhes total autonomia desde que houvesse ali um representante
da Coroa. Ao mesmo tempo se proibiu o acesso de mestiços e negros, e se deram
salvaguardas para os índios reduzidos a fim de que não pudessem ser capturados
pelos encomenderos, os caçadores de escravos. O resultado dessas
novas medidas foi que grande número de indígenas buscou proteção dentro das
reduções, num período em que crescia aceleradamente a demanda por escravos, e
os ataques ilegais aos aldeamentos também se multiplicavam. Calcula-se que
somente na década de 1630 tenham sido mortos ou aprisionados cerca de 30 mil
nativos na região do Paraguai. Em todas as
reduções foram aldeados muitos indígenas, atingindo 10.000 almas a de São
Cristóvão e em outras a 8 e 7 mil.
As
reduções jesuíticas no território riograndense chamaram a atenção dos
bandeirantes que viram nesses centros de população viveiros de indígenas
propícios às suas caçadas.
Era,
além disso, voz corrente na época, que
o solo riograndense encerrava ricas minas de metais preciosos.
Para
ali se dirigiu e penetrou a primeira bandeira paulista, em 1636, pelo «caminho
marítimo», como dizem duas grandes autoridades nesse assunto.
A
bandeira que penetrou no território riograndense era chefiada pelo famoso
paulista António Raposo Tavares. Saíra de São Paulo em Janeiro, constituída por
120 paulistas e 1.000 tupis, tendo sido engrossada na sua travessia.
Em
Novembro penetrou no território que demandava e a 3 de Dezembro seguinte atacou
a redução de Jesus Maria, onde penetrou triunfante, depois de seis horas de
encarniçada e sangrenta luta. Os habitantes da redução, que orçavam em cerca de
10.000, retiraram-se em desordem.
Avançou
em seguida para São Cristóvao, que foi abandonada precipitadamente.
Aí
retornaram os padres, à frente de grande número de neófitos, e travaram a 25 de
Dezembro formidável combate com os bandeirantes. Estes obtiveram vitória no fim
de cinco horas de luta, já ao cair da noite, de cujas sombras se aproveitaram
os vencidos para hábil retirada.
Os
governadores de Buenos Aires e do Paraguai negaram-se a socorrer os jesuítas e,
por isso, estes, sem elementos para uma resistência eficaz, resolveram
abandonar as povoações que haviam estabelecido nas margens do Jacuí e dos seus
afluentes e foram-se localizar com os catecúmenos que puderam salvar, na
mesopotâmia argentina (entre os rios Uruguai e Paraná).
Em
Junho de 1637 já estava Raposo Tavares de regresso a São Paulo, com enorme
botim e grande número de aborígenes apresados durante a sua aterradora
incursão.
A
segunda bandeira rumo ao Sul, foi a de Francisco Bueno que, saindo de São Paulo
em começo de 1637, penetrou, em Maio, no território riograndense e em Dezembro
atacou a redução de Santa Teresa, que ofereceu fraca resistência.
Os
indígenas, pelo temor que tinham dos paulistas, preferiram fugir ou
entregar-se, sem combater.
Daí
marchou o chefe bandeirante para as reduções localizadas nas margens dos
tributários orientais do Uruguai, atacando, no começo de 1638, Todos os Santos,
São Carlos, Candelária, e São Nicolau, onde houve sangrento combate, o último
dessa cruzada que obrigou os jesuítas a abandonarem todas as povoações do
Noroeste riograndense, para, com os seus catecúmenos se localizarem, juntamente
com os que abandonaram as do Jacuí, entre os rios Uruguai e Paraná, no actual
território da Província de Comentes, na República Argentina.
Uma
parte desta bandeira voltou para São Paulo em fins de 1638 e a outra em começo
de 1639, tendo, assim, permanecido nos sertões cerca de dois anos, em lutas contínuas
com o homem e com a natureza.
Foi
a bandeira de Francisco Bueno que anulou o poderio dos jesuítas e a posse
espanhola na margem esquerda do Uruguai ou seja no território que havia de
constituir mais tarde a Capitania de São Pedro.
Outras
bandeiras penetraram no território riograndense no decurso do século XVII – entre elas a que teve
como chefes Domingos Cordeiro e Pascoal Leite Pais. este irmão do Caçador de
Esmeraldas e que foi derrotado pelo cacique Nicolau Nienguirú, no combate
travado em Caaçapa-guassú em 1639 onde morreu o padre Alfaro.
Este
sacerdote, que era dotado de espírito combativo, vendo a indecisão e receio do
governador paraguaio Pedro de Lugo, que procurava evitar combate com o inimigo
à vista, enfrentou este, a cavalo, encorajando os indígenas. Foi por essa
ocasião atingido por uma bala no olho esquerdo e teve morte instantânea.
Esse
acontecimento encheu de cólera os indígenas e, sob as ordens de Nienguirú, como
feras raivosas, caíram sobre os bandeirantes e os destroçaram completamente.
A
bandeira de Jerónimo Pedroso, derrotada no Mbororé a 11 de Março de 1641,
transitou pelo território riograndense, embora não fosse este o seu objectivo
nem aí o seu campo de acção, como asseveram alguns historiadores, na suposição
de que o Mbororé corre, como eles dizem, «no sertão sulino do Rio Grande».
Aquele
arroio é tributário da margem direita do Uruguai. Aí foram, mais tarde,
atacados pelos indígenas capitaneados pelos jesuítas.
As
razias dos bandeirantes convenceram aos jesuítas de que lhes era impossível
manterem-se no território da margem esquerda do Uruguai e, por isso, tomaram a resolução de abandonar essa região, levando
os indígenas para as reduções na argentina.
O
aborígene riograndense teve então oportunidade de revelar entranhado apego ao
solo natal.
Tão
forte era nele esse sentimento que, a despeito da obediência servil em que fora
educado, desatendeu aos padres, recusando-se a segui-los, preferindo o
cativeiro sob o domínio dos paulistas ou o retorno às selvas, ao abandono da terra
em que nascera e vivia.
Este sentimento
tão altamente revelado e que tanto impressionou. os padres foi por estes
explorado mais tarde, para se oporem ao
tratado de 1750, originando esse procedimento a guerra guaranítica.
Foi um
espectáculo impressionante e selvagem o abandono daquele território: as
povoações foram incendiadas pelos próprios habitantes que, em seguida,
dirigidos pelos padres, iniciaram a retirada, tardos, tristonhos, chorosos,
como um rebanho tangido pelos padres.
Muitos se
desgarraram durante a marcha e se internaram nos matos, onde foram respirar
desafogados e satisfeitos, pela liberdade e pela alegria de ficarem.
Outros levaram a
desobediência até ao sacrilégio, como aconteceu. com os que eram conduzidos
pelo padre Alfaro, que chegaram ao ponto de quebrar o altar portátil deste
sacerdote.
Um tuxava da
redução de São José ameaçou de morte o padre Cataldino, que se prostrou de
joelhos, entregando-se ao golpe que o cacique não quis desferir, impressionado
com aquela atitude ou condoído da humildade.
Os que maior
resistência ofereceram ao abandono da
terra natal foram os da Província do Tape.
Foi uma luta
tenaz e hercúlea a dos jesuítas durante esta emigração e, a despeito da energia inquebrantável, da coragem
inexcedível, da grande ascendência que tinham sobre os indígenas, poucos,
relativamente ao número de
aldeados, foram os que chegaram à margem direita do Uruguai.
A maioria ficou
no território natal, refugiada, dos padres e dos bandeirantes.
Aí retornaram os
jesuítas, durante alguns anos, com o seu notável e jamais igualado poder de
persuasão, a fim de convencerem os recalcitrantes ao abandono da terra natal.
O resultado
dessa tenacidade sem par, não foi nulo - mas não correspondeu ao esforço
empregado.
O apego do aborígene
à terra do nascimento obrigou os jesuítas a transportarem-se novamente para a
margem esquerda do Uruguai.
Aí fundaram, a
partir de 1687, os sete povos de Missões, onde desenvolveram notável progresso
industrial e agrícola, com a utilização do braço indígena.
Foi adoptada uma
planta única para todas as reduções: uma praça quadrada, com 250 metros em cada
face. A frente ficava para o Norte. Na face do Sul erguia-se o templo,
sumptuoso, de 3 ou 5 naves, ficando a entrada voltada para a parte interna da
praça.
O templo era
ladeado pelo cemitério e pelo Colégio, onde residiam os padres e ao seu lado
estavam as oficinas, os asilos, a sala de música e os depósitos. Ao fundo, abrangendo em largura as repartições
mencionadas, ficava a horta.
Do
lado oposto, isto é: no alinhamento do cemitério, ou seja na face de leste,
ficavam: o hospital, a cadeia e o quartel. Tanto na face da entrada da praça
como nas que lhe eram laterais ficavam os alojamentos dos indígenas, com amplas
salas sem repartições, destinadas às famílias, que aí dormiam e preparavam os
seus alimentos.
As
reduções eram constituídas por seis, doze e até mais quadras ou quarteirões
paralelos, com diversas ruas.
Os
quarteirões eram de cem metros de frente por quinze de fundo. Tinham duas
frentes e em cada uma destas vinte salas, com uma porta e uma janela. Essas
salas eram separadas no sentido longitudinal por uma parede de um metro de
espessura, onde assentava a cumieira. Os quarteirões eram circundados por
alpendre. Os edifícios eram cobertos de telha.
Na
sede das estâncias de cada redução havia pequenos ranchos para o alojamento do pessoal aí
destacado. Todas as estâncias tinham a sua capela, construída de pedra e
coberta de telha.
Nas
reduções, antes de clarear o dia, rufavam-se os tambores para dispertar os
indígenas, mas somente uma hora depois lhes era permitido deixarem o leito.
Fazia-se isso em observância aos preceitos que Tomás Campanella julgava
necessários para o aperfeiçoamento da raça!
Ao
ser tangido, porém, o sino grande do campanário, todos se levantavam para as
suas orações matinais e iam depois tomar o primeiro alimento, isto é, o mate e
em seguida fumar.
Às
7 horas no verão, e às 8 no inverno,
todos principiavam a trabalhar: os artífices nas diversas oficinas,
sendo as mulheres nos teares.
Os
trabalhadores agrícolas reuniam-se em frente à igreja e daí partiam
encorporados para a lavoura, conduzindo em andor a imagem de Santo Izidro - o
padroeiro dos agricultores.
O
regresso e o retorno eram também feitos em procissão. Ao meio dia todos
almoçavam nas suas casas. Finda a refeição retornavam ao trabalho, até ao pôr do Sol.
Cada
casal dispunha de pequeno trecho de terra onde trabalhava para si dois dias na
semana.
A
sobra do fruto que aí colhia, não podia vendê-la - era trocada com seus irmãos
de raça ou recolhida aos depósitos da redução.
Os
indígenas sob o domínio dos jesuítas não possuíam dinheiro.
Depois
do toque de silêncio na redução, às 8 horas no inverno, e às 9 no verão, não
era permitido o trânsito pelas ruas e ninguém saía dos seus dormitórios.
É
longa e triste a história destas reduções e das bandeiras. Todo o magnífico
trabalho dos missionários terminou quando foram
expulsos da colônia portuguesa do Brasil em 1759 através de um decreto do
Marquês de Pombal.
N.- Texto recolhido do trabalho “A Capitania de São Paulo” do
escritor, historiador e general brasileiro Emílio Fernandes de Sousa Docca (1884-1945)
22/06/2014