Lhaneza
Pronto.
Está quase tudo dito.
Infelizmente
caíu em desuso, no esquecimento, esta palavra portuguesa que deriva do latim “planu”, que os dicionários definem como
afabilidade, lisura, franqueza,
amabilidade, delicadeza.
Manuel
Bernardes, em Luz e Calor, de 1724, escreveu “E
entretanto se descuidam dos pontos lhanos e substanciais do Evangelho”,
e António de Andrade, em 1624, “...continuou
em vir assistir a obra sua com muita bondade; e esta lhaneza e muita
facilidade que tem no tratar...”
Assim
mesmo falta acrescentar ao significado as palavras alegria e carinho. Aquela
alegria e aquele carinho que os verdadeiros amigos demonstram sempre que se
encontram. Amigos de longa, média e curta data, onde lhaneza continua a existir, difícil, quando não rara, neste mundo
esmagado pelo poder da finança.
E
foi assim que “voaram” três dias passados em Brasília, a capital do roubo
público, com dois amigos que me encheram de lhaneza.
Um,
jovem, que conheci há pouco mais de quinze anos, outro menos jovem, desde há
três, que se desfizeram para tornar aquela curta estadia um momento inesquecível.
Tudo isto complementado por um novo amigo, de alegria contagiante, que nos recebeu
em sua casa, onde fomos apresentados, e nos fez parecer que desde sempre nos
conhecíamos.
Mas
todos preocupados em mostrar que, na verdade, a amizade é uma das maiores
maravilhas da nossa existência, e que entre amigos tudo deve ser comum,
especialmente os amigos.
Um
bem haja ao José Robson e ao Paulo, e também ao novo amigo de quem há que
contar um pouco da sua vida.
O
curioso caso de Teresio Capra
A
história do italiano Teresio Capra é tão peculiar quanto à vivida por Brad Bitt
em “O curioso caso de Benjamin Button”. Tal como no filme, Capra vai se
reinventando à medida que novos desafios surgem em sua vida. Aos 14 anos, Capra
já fazia parte da Brigada de Paraquedistas das tropas de Mussolini, na Segunda
Guerra Mundial.
Com
17 anos, começou a trabalhar como minerador em minas de carvão da Bélgica, onde
contraiu uma silicose - doença profissional que afeta a elasticidade dos
pulmões. Trabalhava no turno vespertino e escapou do acidente que matou 180
mineradores italianos do turno da manhã. Antes de completar 21 anos, Capra
desembarcava no Rio de Janeiro, era 1950. Sem formação profissional adequada
para os desafios urbanos brasileiros, o italiano tratou logo de se matricular
no SENAI, onde fez cursos de carpintaria, pedreiro e mestre-de-obras.
Capra
não esperou muito para conseguir emprego em uma construtora e casar com a
mineira Maria Aparecida, com quem teve dois filhos, Tânia e Edison. O salário,
de quatro mil Cruzeiros, era insuficiente. Então ele tomou uma decisão
arrojada: com os músculos bem desenvolvidos graças ao trabalho na construção
civil, Capra foi lutar box nos estúdios da TV Rio para complementar a renda.
Foi pioneiro também nisso.
Ao
atravessar um campo para pegar o ônibus da linha Jacarezinho/Copacabana, Capra
sentiu uma forte dor de barriga e procurou um matinho para se acomodar. Pois
foi nesta situação insólita que o destino deu uma mãozinha. O vento jogou na
direção de Capra um jornal velho com um anúncio pedindo mestre-de-obras para
trabalhar em Brasília. A expressão “paga-se bem” chamou sua atenção. Nesse dia,
não foi trabalhar. Seguiu direto para o endereço publicado no jornal, na rua
México, onde funcionava o escritório da construtora Ecisa. Foi atendido por um
engenheiro inglês, Donald.
Para
trabalhar em Brasília, Capra fez uma proposta de risco: um mês sem salário e
depois o engenheiro avaliaria o resultado. Trinta dias depois, Donald analisou
o andamento das obras da Quadra 103 Sul, sob responsabilidade de Capra. Gostou
do que viu e perguntou de quanto seria o salário. Capra pediu 12 mil cruzeiros,
Donald pagou 14 mil. Era o ano de 1957 e o italiano desembarcara na futura
capital do País.
Ao
mesmo tempo em que construía a cantina e o alojamento dos operários da Quadra
103 Sul, Capra ergueu a casa de madeira onde sua família iria morar.
Disciplinado, sem preguiça para o trabalho, Capra ganharia muito dinheiro ao
vencer o desafio proposto por sua empresa de ser a primeira construtora a
alcançar a cumieira da obra. Ganhou duas vezes, acumulando 200 mil cruzeiros.
Tudo guardado em casa.
Quando
a Caixa Econômica Federal abriu sua primeira agência em Brasília, uma Kombi
parou em frente à casa de Capra para fazer o depósito da fortuna. “Era muito
dinheiro. Havia notas no colchão das camas, em latas, por tudo. Mas não tinha
perigo. Naquela época não havia ladrão em Brasília”. “Bons tempos”, recorda
Capra.
Com
dinheiro no banco e um sócio disposto a buscar novos empreendimentos, Capra
comprou de uma alemã a única boate que havia na Cidade Livre. Batizou de Olga’s
Bar. Vinte e um dias depois a boate seria consumida por um grande incêndio que
acabou com boa parte da Cidade Livre. Foi no governo de Jânio Quadros, época em
que as obras em Brasília foram suspensas e muita gente faliu.
O
desastre, no entanto, não desanimou Capra. Junto com um amigo, pegou o Simca
Chambord rumo ao Rio de Janeiro. Planejava buscar um trabalho alternativo por
lá. Mas o período não era de sorte. O carro capotou em uma curva e foi vendido
como ferro velho. Com esse dinheiro, Capra voltou a Brasília e começou uma nova
obra. Recebeu uma serralheria como pagamento, era 1962, e assim deu início a um
novo empreendimento.
Teresio
Capra, 85 anos de juventude, dinamismo, alegria e simpatia.
Resumindo
toda esta vivência: “em matéria de
sentimento, tudo quanto pode ser avaliado, não tem valor, como o tempo na
eternidade. ”
E
se o reconhecimento é a memória do coração, ele hoje bate mais forte.
27/02/13
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