quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013




Lhaneza

Pronto. Está quase tudo dito.
Infelizmente caíu em desuso, no esquecimento, esta palavra portuguesa que deriva do latim “planu”, que os dicionários definem como afabilidade, lisura, franqueza, amabilidade, delicadeza.
Manuel Bernardes, em Luz e Calor, de 1724, escreveu “E entretanto se descuidam dos pontos lhanos e substanciais do Evangelho”, e António de Andrade, em 1624, “...continuou em vir assistir a obra sua com muita bondade; e esta lhaneza e muita facilidade que tem no tratar...”
Assim mesmo falta acrescentar ao significado as palavras alegria e carinho. Aquela alegria e aquele carinho que os verdadeiros amigos demonstram sempre que se encontram. Amigos de longa, média e curta data, onde lhaneza continua a existir, difícil, quando não rara, neste mundo esmagado pelo poder da finança.
E foi assim que “voaram” três dias passados em Brasília, a capital do roubo público, com dois amigos que me encheram de lhaneza.
Um, jovem, que conheci há pouco mais de quinze anos, outro menos jovem, desde há três, que se desfizeram para tornar aquela curta estadia um momento inesquecível. Tudo isto complementado por um novo amigo, de alegria contagiante, que nos recebeu em sua casa, onde fomos apresentados, e nos fez parecer que desde sempre nos conhecíamos.
Mas todos preocupados em mostrar que, na verdade, a amizade é uma das maiores maravilhas da nossa existência, e que entre amigos tudo deve ser comum, especialmente os amigos.
Um bem haja ao José Robson e ao Paulo, e também ao novo amigo de quem há que contar um pouco da sua vida.

O curioso caso de Teresio Capra
A história do italiano Teresio Capra é tão peculiar quanto à vivida por Brad Bitt em “O curioso caso de Benjamin Button”. Tal como no filme, Capra vai se reinventando à medida que novos desafios surgem em sua vida. Aos 14 anos, Capra já fazia parte da Brigada de Paraquedistas das tropas de Mussolini, na Segunda Guerra Mundial.
Com 17 anos, começou a trabalhar como minerador em minas de carvão da Bélgica, onde contraiu uma silicose - doença profissional que afeta a elasticidade dos pulmões. Trabalhava no turno vespertino e escapou do acidente que matou 180 mineradores italianos do turno da manhã. Antes de completar 21 anos, Capra desembarcava no Rio de Janeiro, era 1950. Sem formação profissional adequada para os desafios urbanos brasileiros, o italiano tratou logo de se matricular no SENAI, onde fez cursos de carpintaria, pedreiro e mestre-de-obras.
Capra não esperou muito para conseguir emprego em uma construtora e casar com a mineira Maria Aparecida, com quem teve dois filhos, Tânia e Edison. O salário, de quatro mil Cruzeiros, era insuficiente. Então ele tomou uma decisão arrojada: com os músculos bem desenvolvidos graças ao trabalho na construção civil, Capra foi lutar box nos estúdios da TV Rio para complementar a renda. Foi pioneiro também nisso.
Ao atravessar um campo para pegar o ônibus da linha Jacarezinho/Copacabana, Capra sentiu uma forte dor de barriga e procurou um matinho para se acomodar. Pois foi nesta situação insólita que o destino deu uma mãozinha. O vento jogou na direção de Capra um jornal velho com um anúncio pedindo mestre-de-obras para trabalhar em Brasília. A expressão “paga-se bem” chamou sua atenção. Nesse dia, não foi trabalhar. Seguiu direto para o endereço publicado no jornal, na rua México, onde funcionava o escritório da construtora Ecisa. Foi atendido por um engenheiro inglês, Donald.
Para trabalhar em Brasília, Capra fez uma proposta de risco: um mês sem salário e depois o engenheiro avaliaria o resultado. Trinta dias depois, Donald analisou o andamento das obras da Quadra 103 Sul, sob responsabilidade de Capra. Gostou do que viu e perguntou de quanto seria o salário. Capra pediu 12 mil cruzeiros, Donald pagou 14 mil. Era o ano de 1957 e o italiano desembarcara na futura capital do País.
Ao mesmo tempo em que construía a cantina e o alojamento dos operários da Quadra 103 Sul, Capra ergueu a casa de madeira onde sua família iria morar. Disciplinado, sem preguiça para o trabalho, Capra ganharia muito dinheiro ao vencer o desafio proposto por sua empresa de ser a primeira construtora a alcançar a cumieira da obra. Ganhou duas vezes, acumulando 200 mil cruzeiros. Tudo guardado em casa.
Quando a Caixa Econômica Federal abriu sua primeira agência em Brasília, uma Kombi parou em frente à casa de Capra para fazer o depósito da fortuna. “Era muito dinheiro. Havia notas no colchão das camas, em latas, por tudo. Mas não tinha perigo. Naquela época não havia ladrão em Brasília”. “Bons tempos”, recorda Capra.
Com dinheiro no banco e um sócio disposto a buscar novos empreendimentos, Capra comprou de uma alemã a única boate que havia na Cidade Livre. Batizou de Olga’s Bar. Vinte e um dias depois a boate seria consumida por um grande incêndio que acabou com boa parte da Cidade Livre. Foi no governo de Jânio Quadros, época em que as obras em Brasília foram suspensas e muita gente faliu.
O desastre, no entanto, não desanimou Capra. Junto com um amigo, pegou o Simca Chambord rumo ao Rio de Janeiro. Planejava buscar um trabalho alternativo por lá. Mas o período não era de sorte. O carro capotou em uma curva e foi vendido como ferro velho. Com esse dinheiro, Capra voltou a Brasília e começou uma nova obra. Recebeu uma serralheria como pagamento, era 1962, e assim deu início a um novo empreendimento.
Teresio Capra, 85 anos de juventude, dinamismo, alegria e simpatia.

Resumindo toda esta vivência: “em matéria de sentimento, tudo quanto pode ser avaliado, não tem valor, como o tempo na eternidade. ”
E se o reconhecimento é a memória do coração, ele hoje bate mais forte.


27/02/13

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