sexta-feira, 12 de outubro de 2012



Ressacas Lusitanas

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Portugal sofre, e os dirigentes riem! Lembra um pouco o que se teria passado nos circos romanos, com os espectadores a aplaudir e rir e os gladiadores a saber que caminhavam para a morte.
Mas vamos tentar desdramatizar um pouco, porque mesmo em grande agonia os portugueses sempre deram demonstrações de força e capacidade de sobrevida.
A história de Portugal está cheia de páginas que podem, e devem, encher de força e esperança qualquer um.
Teve dois horríveis terremotos no século XVIII, que destruiram uma imensidão de belos monumentos, devastou Lisboa e deixou marcas que não se apagam, jogou-se pela janela o Miguel de Vasconcellos, lacaio do rei de Espanha e sacudiu-se o jugo do vizinho, ofereceu-se aos ingleses Tanger e Bombaim e mais dois milhões de cruzados para casar a filha de D. João IV com o babaca Carlos II de Inglaterra, que deixou o país endividado, assassinaram o Rei D. Carlos e o Príncipe D. Luis, destruiram ainda mais o país com a chamada I República, e completaram a destruição após o vinte-cinco-barra-quatro, e já no tempo da “nau Catarineta/ passava mais de ano e dia/ que iam na volta do mar;/ já não tinham que comer,/ já não tinham que manjar;/ deitaram solas de molho/ para o outro dia jantar;/ mas a sola era tão rija,/ que não la poderam tragar”, até que no desespero a solução foi levarem a alma do capitão, o responsável! (Olha aí uma boa sugestão!)
Não vou repetir o que aqui escrevi em 14 de Março deste ano, mas lembro que ali estão algumas lições a meditar, e seguir. E com tudo isto, e muito mais, Portugal sobreviveu.
Hoje é de certeza um destino espetacular para férias, já que não tendo ouro, nem solos, nem petróleo, tem um sol e uma luz, presente que só três mulheres apaixonadas, a deusa Atena, Penelope e Nausica, podiam ter oferecido a Ulisses que deixou essa beleza na terra onde também deixou o seu nome!
Pouco a pouco o país, apesar da crise, vai organizando mais o turismo e, passo a passo descobrem-se inúmeras possibilidades de alguém se encantar e querer voltar para repetir. O Algarve segue na frente, agora galardoado como a melhor região do mundo para se hospedar e jogar golfe, o Porto com o seu aspecto quase medieval, a Ribeira a pulular de turistas, as inevitáveis caves do vinho mais famoso do mundo, a subida do Douro em belas embarcações, a visita a cidades pequenas como a acolhedora e linda Ericeira, com hoteis também simples e confortáveis, comida à base do mar, insuperável, Mafra, cujo primitivo castelo foi conquistado por Afonso Henriques com a ideia de cercar Lisboa, o seu imponente Palácio, obra inútil do quinto João, que, com os diamantes que saíam do Brasil (e que acabaram nas mãos dos flamengos e ingleses), queria mostrar-se mais poderoso do que os Bourbons de Versailles, e hoje é uma obra, restaurada, digna dos melhores palácios do mundo, com a sua magistral biblioteca, a igreja com os seus seis orgãos, todos construidos em 1806 e 7, única, onde infelizmente poucas vezes, se pode assistir a um concerto – inolvidável – e lá no interior uma área que não vi até hoje semelhante em qualquer outro lugar: a enfermaria para os monges doentes, que por si só é um verdadeiro espetáculo.
Vale a pena abrir este link e “navegar” um pouco dentro desta obra espantosa:

Ali bem perto está Torres Vedras, que hoje as pessoas mal conhecem só por ter uma espécie de Carnaval, festa sempre demasiado artificial, mas que deu nome à grande linha de defesa montada para defender Lisboa das invasões francesas, as famosas linhas de Torres, roteiro interessante para quem gosta de caminhar a pé, para estudiosos e arqueólogos, e que teve importância decisiva na Guerra Peninsular.
Nessa guerra, durante as invasões francesas os portugueses fizeram o inimaginável: para atrasar ou até derrotar o invasor, fugiam, abandonavam as suas casas, mas deixavam a terra vazia, sem víveres, queimando até as plantações. Diz um general francês, que nem de um só português conseguiram informações, não houve um traidor, e os que eram aprisionados e supostamente deveriam passar a integrar-se no exército invasor, durante a noite desapareciam todos e juntavam-se aos ingleses que os tinham vindo auxiliar.
Nessa altura Portugal ficou muito pior do que está hoje! O que não roubaram ou pilharam os franceses, os ingleses deram também uma “mãozinha”. E que mãozona!
Hoje continua a ter o sol de Penelope e de Atena a deusa da guerra, da sabedoria e da civilização.
Com estes trunfos na mão, Portugal pode e deve levantar-se. Rápido.
Para aqueles que visitaram Portugal e não foram ouvir o fado, não sabem o que perdem. Há imensos e bons artistas, muitas casas de fado, e aquela toada vibrante e plangente, continua em inseparável parceria com um bom copo de vinho tinto. E se Portugal tem e bom!
Mas atenção: a maioria dos restaurantes costuma ter um extensa carta de vinhos e uma diminuida reserva. Não se deve perder muito tempo a escolher. Fecha a carta e simplesmente pergunta que vinhos tem! Aí... quase sempre acerta!
Num jantar numa dessas simpáticas casas, o jovem empregado, dezoito anos de idade e só na segunda noite de trabalho, trouxe a tal carta. Olhei, li tudo, mas antes de encomendar fui dizendo: “Olhe que sou uma pessoa que costuma ter o azar de acertar no vinho que não há! Veja lá se tem este...” Saiu foi conferir, e voltou: –“ Não, esse está em falta! – Eu bem lhe dizia. Vamos tentar outro.”
O outro também não tinha, e o solícito jovem regressa mais uma vez trazendo na mão, uma outra garrafa, dizendo: “Tem este. E é muito bom! – Só tem esta garrafa? – Sim”. Na mesa ao nosso lado estava um casal de brasileiros já rindo com este diálogo, e rápido entrou no “jogo”: “Traga já mais uma para mim antes que acabe!”
Logo o ambiente estava descontraido! E os fados soaram! E o tinto “correu” melhor!
É assim na vida: só se pode levar a sério o que não tem solução. A morte. Tudo o mais é passível de discussão, regateio, desconto até nas malfadadas eleições.
Mas, em Lisboa, não deixe de visitar o Museu do Azulejo, a Igreja de São Roque, o Oceanário, muito, muito mais, e vá a Sintra ver TUDO o que aquela bela terra tem para lhe oferecer.
Para comer, de entrada, não esqueça as ameijoas à Bulhão Pato, se possível acompanhadas dum Alvarinho – dos melhores vinhos do mundo e arredores – e a seguir o vosso apetite ditará.
E é assim. Anda todo o mundo cabisbaixo, porque esquecem, ou ninguém lhes disse que Portugal já passou por momentos muito piores, e sempre continua havendo lugares para apreciar, sorrir e se encantar.

11-Out-12

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