domingo, 30 de outubro de 2011




Terá ainda solução a crise?

(A de 1918 ou 2011 ?)


“Considerando que por todas as partes deste Reino haja falta de pão, de que entre todas as partes do mundo soia ser muy abastado, e vendo como agora está posto em tamanha carestia, que não há quem se sustente, e isto por falta de homens de lavrarem as terras... (Provisão de D. Fernando, dada em Santarém aos 26 de Junho de 1375).”
Para a humanidade dividida em nações de interesses diferenciados, e até opostos, há um princípio na política econômica – o maior enriquecimento nacional – não pela acumulação de stocks monetários, mas pelo desenvolvimento das forças produtivas.
Com tantas leis e decretos sobre o trigo e farinhas, em Portugal, em 1914/15, efeito da guerra, o trânsito de farinhas e do trigo foi então enredado em exigências de justificações e guias. Reviveu a economia medieval.
E quanto mais apertadas foram as regulamentações e maior o número de imposições legais, mais a fraude alastrou e contaminou a tudo e a todos, frustrando os melhores intentos.
“O primeiro passo de uma nação, para aproveitar suas vantagens, é conhecer perfeitamente as terras que habita, o que em si encerram, o que de si produzem, o que são capazes.” Abade Correia da Silva – 1750-1823.
No começo do século XIX já cientistas excluíam Portugal das zonas tipicamente cerealíferas, afirmando que a cultura dos cereais é contrariada pelo clima.
Andamos desviados da nossa missão agrícola de país hortícola e pomícola, admiravelmente dotado pela natureza para as culturas arbóreas e arbustivas.
Já não era pequeno mal que apoquentassem a lavoura, manietando-a a alta das rendas e, sobretudo, a falta de capital. Além da alta taxa de juros que absorve a grande parte dos proventos que a empresa poderia dar. Pode-se dizer que ainda hoje a usura tem nas suas mãos a sorte da agricultura portuguesa.
Além disso, não sabemos produzir, nem sabemos vender.
A consciência nítida do interesse geral encontra-se apenas nas sociedades bem constituídas, e num grau de força e prosperidade tal que a consideração do bem público, pode abafar os egoísmos que surgem.

Nos povos em decadência enfraquece o espírito nacional, o que quer dizer que a consciência dos laços de solidariedade se apaga ou desaparece, como se deixasse de existir o interesse comum.
A nação não existe já como um todo vivo, mas como uma soma inerte de elementos quase independentes.
Não havia decerto necessidade de provações tão duras como a desta guerra (e desta crise), para o convencimento da decadência portuguesa. Tornou-se infelizmente bem patente o relaxamento dos laços sociais.
É exatamente um tal estado que nos explica como neste povo em que subsistem os defeitos de uma organização comunitária no que respeita à falta de confiança e dependência do poder público para a solução de todos os problemas, o Estado de quem tudo se espera, é precisamente o menos apto a fazer alguma coisa.
Produz-se por interesse, não por patriotismo nem por filantropia.

- Terá ainda solução a crise?

Tem-se em geral uma impressão errada de resistência e vitalidade dos povos, quando estas se comparam, à fraca resistência individual.
Há um tão natural e poderoso instinto de conservação e de vida no fundo das sociedades, quando porventura atacam pelo espírito as instituições vitais para qualquer povo. É afinal difícil desorganizar por completo; e pode um povo descer na escala dos povos fracos, improgressivos, até à ínfima miséria social, mas não ultrapassando um limite mínimo as suas condições de vida, porque é nela tenaz e poderosa a resistência a toda a dissolução.
Por outro lado, nestes termos, são escusados temores. Mesmo abandonado a si próprio, às suas decisões tradicionais, aos seus hábitos inveterados, ao seu trabalho, à monotonia do seu viver diário, mesmo portanto sem ministros, sem sábios, sem legislações complicadas – o povo conseguiria viver.

- Terá ainda solução a crise?

O que pelo menos se pode desde já asseverar é que, pelo caminho que as coisas levam, e convertidos afinal em novas causas do mal, os remédios com que se tem procurado diminuí-lo, tudo se irá agravando, porque certamente ainda há pior que o estado atual.
A nossa preparação para o futuro tem já neste momento todos os defeitos contrários ás qualidades exigidas.
Provavelmente nós sofreremos a guerra... quando começar a Paz.

(Texto retirado da “Questão cerealífera” e da “Crise das Subsistências”. Escritos por António de Oliveira Salazar em 1914 e 1918).

Mas... depois da tempestade, a bonança!


27/10/2011

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