segunda-feira, 3 de outubro de 2011

(Continuação - última parte)


Historia da residência dos

Padres da

Companhia de Jesu

em Angola


CAPITULO 9. DO FRUITO ESPIRITUAL QUE NESTE REYNO SE FEZ

Desdo anno de 1560 em que veio a primeira vez a este Reyno de Angola Paulo Dyas de Navaes com nome de embaixador del Rey Dom Sebastião até o anno passado de 1593, entrarão neste Reyno vinte e seis da Companhia emviados pelos Provinciaes da provincia de Portugal. Tornarão tres pera o Reyno, falecerão onze, são vivos oie nesta residencia doze. Alguns estão sempre em Maçangano, outros muitas vezes no arraial e os mais nesta villa de S. Paulo. O fruito que Deos por elles obrou nas almas, assi dos moradores como dos soldados e naturaes da terra tocaremos aqui em geral brevemente.
Os moradores casados, suas familias, e os mais Portuguezes que nesta villa de S. Paulo, e da de Maçangano vivem sempre os aiudão muito das pregações dos nossos, acodião frequentemente a se confessar entre anno, e por via delles se conservavão em paz, e emmendavão suas vidas.
Com os soldados se fez sempre muito por meio dos ministérios da companhia porque logo no principio os pozerão os Padres em hum santo custume de trabalharem de se confessar quando avião de entrar em batalha.
Huma cousa posso afirmar pera gloria de Deos da qual são boas testemunhas os conquistadores antigos: que se não forão os Padres da Companhia por muitas vezes se tivera de todo acabada esta conquista (1).
Porque os soldados vendose em muito aperto de guerras e tomes, tratavão de desemparar ao Governador Paulo Dyas. E com exortações dos nossos se aquietavão. Ao Padre Baltezar Afonço cometerão se viesse para baxo e deixasse ao Governador que deles farião o mesmo, aos quaes respondeo que nunca Deos tal permitisse que onde o Governador acabasse ali acabaria elle, e o mesmo aconteoeo ao Padre Baltezar Barreira, ao Padre Jorge Pereira e ao Padre Diogo da Costa em diverças coiunções até com nossa pobreza aiudarmos a curar muitos delles emfermos, e a sustentar aos sãos necessitados. O Padre Baltezar Barreira chegou a tirar os couros das cadeiras que avia em casa pera solas dos que andavão descalsos. E no anno de 1592 nesta casa da villa de S. Paulo mandou dar meza de farinha do Brasil, e peixe aos soldados pobres muitos dias os quaes pouco a pouco hião recrecendo na portaria e dia ouve de cento e cincoenta. Até que estrovou esta obra quem tinha obrigação de aguardeçer, mas sempre se continuou com os que se atrevião a vir buscala.
Não falo no acodir aos emfermos com orremedio da confissão porque sempre se continuou.
Quanto ao que se fez com os naturaes os moradores da Ilha Loanda das terras de Corimba e Caçanze, erão todos gentios obra de oito mil pessoas, fomos a ensinarlhes a fee, acabamos com elles, queimassem seus idolos e feitiços, e depois os baptizamos com grande consolação nossa e de todos, e de todo este Reyno.
Antes que viessem a fazer emtendimento das couzas de nossa santa fee nos custou muito trabalho, do qual se seguio a morte a muitos por ser esta fralda do mar muito estéril e chover nella raramente, a gente viver em suma miséria, que só com peixe e brigigões se sustenta. Pello que he necessário aos que hão de doutrinar, levarem tudo o que hão mister para sua sustentação E ainda pera lhes acudir a suas necesidades. E sobre tudo hirem armados de paciencia pera muitas fomes, sedes, calmas, frios, e outras incomodidades que se não escusa passar. Porem todos estes trabalhos se tomão em suavidade assi com a esperança do prémio, e consolações espirituaes com que Deos Nosso Senhor os costuma temperar, como com mostrar diante dos olhos o fruito delles. Muitas crianças estão no Ceo de pouco baptizadas. Muitos se cazarão na lei da graça, ouvem missa com muita devoção rezando por horas de Nossa Senhora ou por contas e os que não tem Igreias, tem cruzes em suas aldeias aonde vão encomendarse a Deos. Os casados vivem em temor de Nosso Senhor e são muy emclinados ao sacramento da Confissão pello que quando estamos na Ilha Loanda alguns dias temos bem que fazer nesta santa ocupação.
Desta casa da villa de S. Paulo forão os Padres quatro vezes a Congo e outras tantas a ilha de S. Thomé em diverços tempos; de caminho baptizarão mais de dez mil almas, e com os ministérios da companhia fizerão outros muitos serviços a Nosso Senhor.
O Governador Paulo Dyas de Navaes por ter experimentado o que os Padres nesta conquista tinhão feito e de quanta importância erão neste Reyno, no testamento que fez aos 24 de Outubro de 1582, pôs huma verba em que diz desta maneira. Peço a sua Magestade não consinta que os Padres da Companhia de JESU desemparem esta conquista pois foi cavada desdo principio e aquirida com seus conselhos e aiudas spirituaes. E aos mesmos Padres peço e roqueiro da parte de JESU Christo por cuio amor cometerão esta impreza que a levem por diante, e a cultivem com sua vida e exemplo, e doutrina, para que nela se multipliquem os filhos de Deos, e a fee católica que começarão a plantar, se estenda por esta grande gentilidade.

(1) No mesmo sentido e pelo mesmo tempo escreveu o licenciado Domingos de Abreu de Brito no seu Sumário e Descripçâo de Angola, aconselhando que se enviassem Padres da Companhia de Jesus ao Congo, «pera que nelle facão o fructo que tem feito em o Reyno de Anguolla», e observando que a eles se devia a conservação da conquista de Angola nos desassete anos de 1575 a 1592. «O que se af firma, são palavras de Abreu de Brito, que a parte que tem causado sustentarse o dito Reyno nos dezasete annos que esteve sem ser socorrido com o socorro que convinha forão os ditos padres parte de se conquistarem com a doutrina o que faltava nas armas por onde farão muito fructo por o Gentio ter muita fee em as suas vertudes e douctrina». Um Inquérito à vida administrativa... página 91.

Esta breve relação da conquista de Angola se fez por ordem do Padre Pero Rodrigues Visitador da residencia dos Padres da Companhia naquelle Reyno, ávidas para isso informações de pessoas dignas de fee, como são os Padres da Companhia Baltesar Afonço que veio com Paulo Dyas e o Padre Jorge Pereira e dos conquistadores antigos: João de Villoria, Ouvidor geral, Gaspar Leitão de Campos capitão da villa de S. Paulo e Luis Mendes Rapozo Alferes do Reyno, oje 1° de Maio de 1594 annos.

(Nota: quem quiser reunir tudo num livro, pode imprimir pela ordem em que foram postados estes textos. Podem ainda imprimir a capa abaixo. Sugestão: imprimir em formato A5 e... depois encadernar)


Nota: Fica só a faltar a apresentação desta "Relação", por Francisco Rodrigues (em 1936 ?) que será feita em próximas postagens.






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