Sobre a agonia, ou o estrangulamento económico-financeiro de Portugal, vale - muito - a pena ler este texto do professor de Economia A. Palhinha Machado.
ENTENDAMO-NOS...
O montante da Dívida Pública portuguesa, nos dias que correm, é enorme - e só aí teríamos já um problema e tanto. Mas não é este o problema que nos ladra aos calcanhares.
A Dívida Externa Total (pública e privada), designadamente a dos Bancos, é ainda maior (mais do triplo da Dívida Pública) – suficiente para tirar o sono ao mais despreocupado. Mas, hélàs! Não é também o “tal” problema.
E qual é, então, esse malfadado problema?
Algo bem mais prosaico:
- Estado, Bancos e empresas (como os empresários não se cansam recordar) - todos nós, em suma, para continuarmos a funcionar com uma aparência de normalidade, só com mais empréstimos;
- E não há quem queira emprestar-nos um cêntimo que seja (excepção feita aos mecanismos internacionais de apoio a países indigentes, mas aí com condições severas e limites apertados).
Dito de outro modo, o nosso problema, neste preciso momento, não são as dívidas que acumulámos esforçadamente durante os últimos 20 anos, num ciclo que começou no Estado (até 1997), acelerou “prego a fundo” com a Banca (entre 1998 e 2008) e regressou de novo ao Estado (2009-2010).
Essas poderiam muito bem ser “roladas” (isto é, novas dívidas para pagar as que se vencem) sem grande alarido, até que chegassem tempos mais bonançosos. Desde que pagássemos a tempo e horas uns juritos puxadotes, naturalmente.
O problema é que qualquer caminho a partir daqui, da situação em que presentemente nos encontramos, só é imaginável (e minimamente suportável) com mais endividamento: do Estado, dos Bancos e das empresas.
E, por muito que pese a todos aqueles que clamam por medidas dirigidas ao crescimento económico e ao emprego, a dura realidade é que não se encontra, lá fora, quem se disponha a financiá-las (se esses tais souberem de alguém, que façam o obséquio de o apresentar). E porquê?
Porque, entre nós, o investimento directo esbarra com “custos de contexto” (legislação, sistema judicial, burocracias várias) que desmotivam o empreendedor mais arrojado (talvez por isto, muitos dos nossos empresários nada fazem sem a asa protectora do Estado e do seu aparelho).
Porque o investimento de carteira não encontra, por cá, nem mercados suficientemente líquidos, nem as mais elementares soluções de cobertura dos riscos financeiros, nem segurança jurídica quanto baste, nem confiança fiscal que o convençam.
Porque, até 2015, vencer-se-ão cerca de € 3 biliões (3 seguido de 12 zeros) das Dívidas Públicas da UE, o equivalente a 5% do PIB mundial – e nesse concurso de beleza só por acaso alguém reparará em nós, por mais lifts que façamos.
Porque, enfim, mais dívida (se houvesse quem emprestasse) só agravaria o actual prognóstico – o qual não poderia ser mais reservado.
Espíritos ingénuos (e, também, menos hábeis no manejo da “dismal science”) pensariam, talvez, que uma boa parte da novel dívida poderia muito bem ser colocada cá dentro - se necessário fosse através de “empréstimos patrióticos” (eufemismo para empréstimos forçados).
Na realidade, os recursos financeiros internos chegam e sobejam para financiar a parcela maior da Despesa Pública Primária (os gastos públicos, excluindo os juros da Dívida Pública), aquela que consiste em remunerações e na aquisição de bens e serviços locais. E os empréstimos internos teriam sempre três vantagens inestimáveis:
- Reduziriam num ápice a procura interna (como os impostos, aliás);
- Deixariam praticamente intacta a liquidez da nossa economia (o que já só acontecerá com os impostos a partir do momento em que os depósitos a prazo e outras aplicações financeiras comecem a ser liquidados);
- Não induziriam o sentimento de espoliação que acompanha invariavelmente uma chuva de impostos brutais, mesmo se temporários.
Com eles, o deficit orçamental não diminuiria tão rapidamente, é certo. Mas os deficits orçamentais (muito vulneráveis a contabilidades criativas) só são relevantes porque implicam acréscimos da Dívida Pública – e a Dívida Pública Externa (essa sim, que não engana) estabilizaria bem mais cedo do que a troika prevê.
Espíritos ingénuos, disse bem. Ignoram, pobres deles, que, desde há muito, IGCP (Instituto de Gestão do Crédito Público) e BdP (Banco de Portugal) capricham em menosprezar o aforro nacional: um, com burocrática displicência, só tem tido olhos para os mercados internacionais – oferecendo internamente taxas ridículas e condições terceiro-mundistas; o outro assistiu passivamente ao crescente endividamento dos Bancos de cá junto de uma mão cheia, se tanto, de Bancos espanhóis, franceses e alemães – evitando assim que os depositantes fossem adequadamente remunerados.
É claro que os empréstimos internos (necessariamente de longo prazo) teriam de ser representados por títulos escriturais livremente transmissíveis, para os quais haveria que organizar um mercado secundário que lhes conferisse suficiente liquidez.
[Descrever em pormenor como isto se faz não é difícil, mas afugentaria o Leitor mais paciente. Sempre digo, porém, que teria de ser algo radicalmente diferente dos Certificados do Tesouro - um disparate que pede meças à “engenharia financeira” das SCUTS]
E é de crer que, com taxas de juro da ordem daquelas que as novas emissões de Dívida Pública (de muito curto prazo, diga-se de passagem) estão a obter, e com um mercado secundário bem organizado, uma parte significativa das necessidades financeiras do Estado nestes tempos de aperto viesse a ser assegurada por empréstimos internos não forçados – o que seria oiro sobre azul.
E porque é que não se faz tal? Ouço perguntar.
Simples. Porque a conversão de depósitos a prazo em títulos de Dívida Pública fragilizaria ainda mais os nossos já frágeis Bancos, na exacta medida em que tornaria o perfil temporal dos seus Balanços ainda mais desequilibrado (Activos realizáveis a um prazo médio bem acima dos 8 anos, financiados por Passivos a vencerem-se a menos de 1ano, sem se saber se será possível, ou não, renová-los).
O que é dizer: não se faz para poupar os Bancos de cá à “angústia do roll over” (a imperiosa necessidade de ir renovando, renovando sempre o Passivo) e ao risco de liquidez que a acompanha.
Alguma razão assistirá àqueles de entre nós que clamam contra o papel dos Bancos na actual crise: os Bancos estiveram na origem da crise; os Bancos condicionam fortemente as medidas que podem solucioná-la; os Bancos querem fazer crer que o que se passa não lhes diz respeito.
Em vista disto, ocorre perguntar:
- Porque é que os Bancos de cá não reforçam os seus Capitais Próprios, como forma de atenuar o referido desequilíbrio temporal nos seus Balanços - e € 12 mil milhões para tal são manifestamente poucos?
- Porque é que não se incentiva as empresas a reforçarem, também elas, os seus Capitais Próprios – em vez de se continuar a premiar fiscalmente o endividamento?
- Porque é que não se oferece aos visados, como alternativa aos impostos brutais e à suspensão de cláusulas contratuais (o que é o caso dos subsídios na função pública), a subscrição de Dívida Pública específica, nos termos que delineei mais acima?
- Porque é que ninguém fala em Dívida Pública interna?
Não ignoro que o Governo (este e os anteriores) tem recorrido amplamente a empréstimos internos mais ou menos forçados. Mas são reservados aos Bancos de cá, o que significa duas coisas pouco recomendáveis:
- Que os Bancos vão usar nesses empréstimos depósitos e/ou fundos obtidos junto do BCE, conseguindo assim margens apreciáveis – só porque se impede o mercado de funcionar;
- Que esses empréstimos vão ocupar, nos Balanços dos Bancos, o lugar destinado ao financiamento da actividade económica.
A. PALHINHA MACHADO
OUTUBRO 2011
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