quarta-feira, 3 de agosto de 2011



Quadros da História de Moçambique

Vasco da Gama na Ilha de

Moçambique


Ancorara a armada à vista da ilha, talvez um pouco a noroeste, do lado da terra firme, cuja costa se desenhava nitidamente, vivendo-se a bordo das naus o alvoroço da chegada àquelas paragens, onde lhes foram dadas tão esperançosas informações da Índia.

Vamos acompanhar os acontecimentos ocorridos nos vinte e nove dias ali passados, tomando para guia o suposto* Álvaro Velho, que a bordo da Bérrio foi anotando, quase dia a dia, os episódios da viagem.
Logo no dia da chegada, o sultão de Moçambique se encaminhou para os navios com numeroso séquito, aproximando-se do que mais perto ficara da terra, onde foi recebido jubilosamente pelo seu capitão Nicolau Coelho, comandante da caravela S. Miguel.
Por algumas horas ali se demorou, havendo amistosa troca de presentes. Ao regressar a terra quis o sultão levar consigo alguns homens do navio, para lhes mostrar a ilha em sinal de amizade. É que um equí¬voco se estabelecera desde a primeira hora: o chefe muçulmano tomou por turcos os novos visitantes, discípulos portanto do profeta, como ele o era. Os portugueses não se deram pressa de desfazer o engano; desembarcaram na ilha, foram recebidos na habitação do sultão e trouxeram para os navios os mimos que a terra dava.
Uma semana durou esse bom entendimento, voltando o chefe a visitar os navios, dando informações, chegando mesmo a acordo na cedência de dois pilotos.
Mas, talvez por ocasião da visita à armada de três abexins de religião maometana se viesse a descobrir toda a verdade. Os nossos, ao saberem da nacionalidade desses visitantes, sem dúvida julgando-os cristãos, inquiriram a respeito da Cristandade da Abissínia, mostrando-lhes as imagens dos santos patronos dos navios. O equívoco desapareceu então. As relações amistosas trocaram-se em desconfiança e mais do que isso, como nos elucida o nosso guia:
E, depois que souberam que nós éramos cristãos, ordenaram de nos tomarem e matarem à traição; mas o piloto seu, que connosco levávamos, nos descobriu tudo o que eles ordenavam de fazer contra nós, se o puderam pôr em obra.
Estava terminada a boa paz entre os portugueses e os muçulmanos da Ilha de Moçambique, nesse sábado dia 10 de Março do ano de 1498.
 
A PRIMEIRA MISSA EM MOÇAMBIQUE A 11 DE MARÇO

Perante as hostilidades nascentes mandou Vasco da Gama levantar ferro e aproximar a armada da pequena ilha que se avistava à direita, para que ali sossegadamente a tripulação pudesse desembarcar e cumprir o preceito Dominical, no dia seguinte.
É esta a primeira vez que o Diário menciona a celebração do Santo Sacrifício em terras de Moçambique. Alguns autores parece não terem atentado neste passo do Diárío, indicando a data do regresso da armada (26 de Fevereiro de 1499) para a inauguração do culto católico nestas paragens.
Uma vez ancoradas perto da pequena ilha, que depois se veio a chamar de S. Jorge ou de Goa, como um dos pilotos árabes havia ficado na ilha de Moçambique, aprontaram-se dois batéis, um sob o comando do próprio Vasco da Gama e o outro comandado por Nicolau Coelho, para irem em sua busca. Ao aproximarem-se de terra, cinco ou seis barcas cheias de homens em atitudes bélicas, agitando no ar arcos e frechas, se dirigiram para as suas duas embarcações, que iam munidas de bombardas.
O capitão-mor deu voz de fogo contra as barcas, a cujo estrondo Paulo da Gama imediatamente acorre na Bérrio.
Se as bombardas só atemorizaram parte da gente de Moçambique, a vista da caravela em movimento causou a debandada geral para terra, «antes que a eles chegasse».

Não se aproveitou Vasco da Gama de tão fácil vitória; não continuou a perseguição e mandou voltar para o ilhéu, perto do qual pousaram durante a noite. Na manhã seguinte, domingo, «debaixo de um arvoredo muito alto» a tripulação da armada assistiu à primeira missa celebrada em terra moçambicana, tendo-se alguns confessado e recebido a sagrada comunhão. Qual fosse o sacerdote que a celebrou, não o dizem os cronistas. Dos capelães da armada apenas se conhece o nome de dois: o mártir Padre Pedro da Covilhã e o Padre João Figueira, este citado por Gaspar Correia nas Lendas da índia como autor de um relato da viagem de Vasco da Gama, que o cronista declara ter compulsado, mas hoje completamente desconhecido.
E, assim confortados com os Sacramentos da sua Fé, regressaram às naus e prepararam-se para retomar a rota da índia, deixando descoberta uma parte da costa da África Oriental e a ilha de Moçambique.

 
PRIMEIRAS LINHAS DA ETNOGRAFIA MOÇAMBICANA

Deixou-as Álvaro Velho no seu Diário. Quanto aos homens alguma coisa nos dissera já das gentes de Inhambane e Quelimane, acrescentando agora para os da ilha de Moçambique que eram «ruivos e de bons corpos, e da seita de Mafamede, e falam como mouros; e as suas vestiduras são de panos de linho e de algodão, muito delgados e de muitas cores, de listras, e são ricos e lavrados».

Com o seu espírito de observador arguto vai-nos pintando os retratos, descrevendo-nos também que «trazem toucas nas cabeças, com vivos de seda lavrados com fio de ouro».

Das suas ocupações apurou que «são mercadores e tratam com mouros brancos, dos quais estavam aqui em este lugar quatro navios deles, que traziam oiro, prata, e pano, e cravo e pimenta, e gengibre e anéis de prata, com muitas pérolas, e aljôfar e rubis, e, isso mesmo, todas estas coisas trazem os homens desta terra».

Assim se exprime, visivelmente admirado, o homem do Ocidente no seu primeiro contacto com o Oriente.

Por Dr. Alcântara Guerreiro, in “MOÇAMBIQUE” – Documentário trimestral , nr. 59 – Setembro MCMXLIX

* - Durante muito tempo se duvidou da autenticidade do autor do “Roteiro de Vasco da Gama”, hoje completamente aceite como verdadeiro.

03/07/2011
















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