(Continuação – penúltima parte)
Historia da residência dos Padres da
Companhia de Jesu em Angola...
12.o - O Governador Dom Jeronimo Dalmeida achou o Reyno todo levantado pello que lhe foi necessário começar de novo conquistalo. No mês de Junho de 93 aiuntou os soldados que andavão auzentes da conquista, e com hum exercito se partio desta villa de S. Paulo porto da Loanda acom¬panhado também de muitos moradores. Indo ao longo do rio Coanza pella parte da província da Quiçama se vierão aiuntar os soldados de Masangano com os que de qua hião. Foi este exercito sobre hum senhor rebelado por nome Songa, queimarãolhe as casas entralhãolhe hum forte de grandes rachoadas, e matarâolhe muita gente. Hia por capitão desta gente João de Villoria com cento e secenta soldados e desoito cavalos. Passou logo o Governador com este campo as minas do sal, fez nelas hum forte iunto de agoa, e deixou em prezidio nelle perto de cem homens e quatro cavalos. Foi esta huma cousa que o Rey de Anguola e todos os imiguos mais sintirão e sentem oie que nenhuma outra perda, que lhes cauzasem os nossos. Por¬que das minas da prata fazem pouco caso, as do sal são o seu tizouro por ser a moeda corrente com que comprão peças, e todo o género de mantimentos; indo adiante conquistando esta província se vierão ao serviço de sua Magestade vinte seis fidalgos com sua gente de guerra pera aiudarem aos nossos e foi Deus servido dar lhes muitas vitorias assi em assaltos como em campanha. Estando o nosso campo perto das minas de prata de Cambambe foi necessário conquistar a hum Soba poderoso por nome Cafuche Cambare pera fiquar toda Quiçama sogeita. Nisto adoeceo o Governador gravemente e dahi a alguns mezes se veo a esta villa de S. Paulo assi pera convalecer, como para aiuntar algum socorro pera os soldados. Deixou por capitão mor do campo a Baltesar Dalmeida de Sousa, o qual foi conquistando a Cafuche e alcansou delle algumas vitorias.
CAPITULO 8.
PERDAS NOTÁVEIS QUE SOCEDERÂO ASSI EM BATALHAS COMO EM TRAIÇÕES
1.o - A primeira guerra que fez o Governador Paulo Dyas de Navaes foi no anno de 1575, em favor del Rey de Congo contra huns levantados na terra chamada Caçanze. Foi o capitão João Castalho Vellez com oitenta soldados. Os imígos cativarão a todos os nossos. Matarão vinte e tantos, os mais depois se resgatarão.
2.° - O Reyno de Benguela está do de Angola pera a banda do sul divi¬dido delle pello rio Longa, trinta legoas desta villa de S. Paulo porto da Loanda. Tinhão os nossos naquelle Reyno hum forte iunto do mar, de que era capitão António Lopez Peixoto, sobrinho do Governador Paulo Dyas. Estando de paz com a gente da terra, saio o capitão com alguns portuguezes a folgar. Os imigos que estavão em silada, saltarão com os nossos, e matarão obra de quinze. O capitão escapou a cavalo muito ferido, e falleceo antes de chegar a este porto, os do forte se recolherão em hum navio com a fazenda, e artelharia e se vierão pera esta villa. Esta perda aconteceu no anno de 78.
3.° - No anno de 79 estando o Governador Paulo Dyas de Navaes em paz com o Rey e aíudandoo em suas guerras e os Portuguezes espalhados pelo Reyno negoceando sua vida, hum portuguez muito privado dei Rey lhe deu um conselho o qual tratandoo com seus conselheiros a todos pareceo bem. E foi que mandasse matar a todos os portuguezes que avia em seu Reyno, e lhes tomasse as fazendas, porque não viessem em algum tempo a fazerlhe guerra, e tomarlhe o estado. Fingio logo o Rey huma guerra a que mandou os portuguezes que tinha na sua cidade de Cabaça que erâo quarenta os quaes pondo em fugida aos imigos fingidos, e começando de descançar forão todos mortos pellos imiguos verdadeiros, que os acompanhavão. Tomou El Rey toda a fazenda que serião mais de duzentos mil lefucos, que somão mais de sessenta mil cruzados. Matarão também a mais de mil escravos cristãos. No mesmo dia se mandarão matar os portuguezes que andavão pello Reyno negoceando, e no mesmo foi cercado de hum grande exercito o Governador como se disse no capitulo das vitorias. O autor desta traição não ficou sem castigo porque no mesmo dia foi morto com os quarenta por ordem del Rey dizendo, não he bem que viva quem fez matar a seus irmãos. Depois vendo o Rey, que o Governador lhe desbaratara seu exercito e que hía destruindo a província da liamba, tornouse a seus conselheiros, e mandouos matar, ainda que erão os principaes do Reyno chamados na língoa Tendála e Quitinga que entre nós respondem a Gover¬nador do Reyno e Regedor.
Com esta traição e bárbaro atrevimento deu o Rey de Angola claro título de iusta guerra a coroa de Portugal pera serem seus vaçalos cativos, a terra conquistada e elle desapossado do Reyno, posto que ia dantes tinha dado para isto direito, assi por ter quasi cativo seis annos a Paulo Dyas de Navaes que foi com titulo de embaixador, como também por não deixar pregar o santo Evangelho ao Padre Francisco de Gouvea da Com¬panhia de Jesus que foi com o dito embaixador a petição de Angola Inene seu pai antes orreter cativo até a morte que forão quatorze annos.
4.o- No anno de 81 mandou o Governador Paulo Dyas destruir hum senhor na Quiçama por nome Catalla. Foi diante o capitão mor Manoel João com seis soldados e hum soba amigo que se chamava Mochima com sua gente e deixou ordem que o mais corpo do exercito o seguisse. Os que hião detrás errarão o caminho e forão por outro. O capitão mor achouse sem gente mas foi lhe forçado pelejar por estar iunto dos imigos.
Fello muito valerozamente, elle e os seis que o acompanhavão, o Mochima, e os seus. Nisto ferirão no pee ao capitão, posto de giolhos jugou do montante até que acabou com todos que o seguiâo. O nosso campo quando chegou achando aos contrários com vitoria correo muito risco, mas recolherãose com ordem de Baltazar Barreto que hia na vanguarda, e André Ferreira Pereira na retaguarda. Esta perdição ainda que pequena no nu¬mero dos portuguezes mortos, foi notável, e muito sentida pella pessoa do capitão mor, e por fazer depois muita falta no arraial.
5.° No anno de 85 deu o capitão João Castanho Vellez em hum fidalgo por nome Angola Calunga na província do Mosseque e como o tomou descuidado desbaratouo facilmente, fugiu o Soba, e os nossos ouverâo grande preza de gado, e gente. Nisto o imiguo aiuntou os seus, e determi¬nou tomar os nossos as mãos, a horas de meio dia estando os nossos pera comer em hum campo razo, vem o Soba com os seus batendo as palmas em sinal de paz e de virem dar a obediência sem arcos, mas com suas facas, e cutelos com que sempre andão. O capitão e mais soldados muy alegres com tão bom sucesso asentarãose a comer sem ficarem alguns em guarda com as armas prestes. Nisto os imigos que erão muitos dão de súbito sobre os nossos, tomarãonos as mãos e aonde cada hum estava assentado ali acabou. Morrerão todos sem ficar nenhum, o soba Cambambe com sua gente e outra muita que peleiava da nossa parte por desprezarem ao imigo e se fiarem delle, e pêlos nossos serem soldados novos na terra (1).
6.° - Por falecimento do Governador Paulos Dyas de Navaes, socedeo na governança o Governador Luís Sarrão o qual se pôs em caminho, para a província do Dongo onde o Rey de Angola tem sua corte; aos 26 dias do mês de Dezembro de 89 teve novas como el Rey de Matamba mandava contra elle hum grande exercito, ávido conselho deu ao sargento mor Francisco de Sequeira cento e vinte portuguezes, com muita gente preta cuio capitão a que chamão Tendala era Manipedro homem muy esforçado e muito temido dos contrários.
O exercito de Matamba vinha marchando com muito silencio repartido em três muy grossos esquadrões, com seus arcos, e frechas, azaguaias e cutelos: por fora dos esquadrões vinha outra infinidade de gente em meia lua muy larga. O nosso exercito não hia iunto por cuidar ter o imigo mais longe, encontrarão com elle aos 29 do dito mez às 8 horas da menhãa, e postos em ordem conforme a brevidade do tempo, arremeterão os esquadrões do meio com grande estorço porem os imigos não com menor passavão por cima dos seus mortos e vinhão ferir aos nossos; nisto cerrouse a meia lua e ficou todo o nosso exército cercado entre ella e os esquadrões. Matarão ao sargento mor e aos mais dos portuguezes, alguns levarão vivos muito feridos, morreo Manipedro com muita gente preta. O capitão de Matamba não peleiou mais aquele dia por ter sua gente cançada. Sabida a nova pela terra levantarãose os Sobas senhores das terras por onde os nossos se avião de recolher e el Rey de Angola mandou muita gente de guerra a tomar os passos.
O Governador teve novas do desbarate a horas do meio dia por muitos pretos que feridos se recolhião ao arraial fugindo dos imigos que lhe vinhão no alcance; entregou logo o Governador assi a detenção do nosso campo como a ordem da retirada ao capitão mor André Ferreira Pereira. Saio em seu cavalo com obra de doze homens e alanceou hum dos contrários de no¬tável estatura, os mais fugirão e derão lugar a se salvarem os que vinhão pera nós.
Aos 30 dias do mesmo alevantou o Governador o campo, e começou de marchar largando a bagagem aos imigos recolhendo armas, e pólvora e algum mantimento, arretirada foi nesta ordem. Na vanguarda vinha o ca¬pitão João de Villoria com obra de quarenta portuguezes, no meio os pretos emparados com duas mangas de arcabuzeiros. Na retaguarda o Governador e capitão mor com Gaspar Leitão de Campos que agora he capitão da Villa de S. Paulo, e Manoel Gorge Doliveira que agora he capitão de Maçangano, e os conquistadores velhos. Desta maneira veio o nosso exercito cer¬cado sempre de inimigos peleiando muy esforçadamente e matando nelles quasi cada dia por espaço de 15 dias em que andarão perto de oitenta legoas sem morte de nenhum nem perda de cousa alguma que com sigo trouxessem. Chegarão a povoação de Callele onde estava aguardando ao Governador o alferes do Reyno Luís Mendes Raposo com doze Portugueses cercados também de inimigos com muito risco da vida. Nesta povoação descançou o exercito oito dias, e dahi se recolheo ao presidio de Bamba e a villa da vitoria de Maçangano o que foi grande mercê de Deos pêra que não se perdessem de todo as esperanças desta conquista (2).
7.o-. Este anno prezente de 94 peleiou o capitão mor do campo Baltezar Dalmeida de Sousa com Cafuche Cambare Soba poderoso da Quiçama, e ouve delle algumas vitorias em que fizerão muito os de cavalo como se disse no fim do capitolo das vitorias. O imigo não podendo resistir em campo recolheo os seus e suas famílias em humas quebradas e vale de grandes matos. O capitão mor deixou no arraial o capitão Pedro Alvares Roballo com cento e trinta soldados, se foi com obra de outros tantos, e alguns ca¬valos acometer ao ímígo a 22 dias de Abril do prezente anno. Entrarão os nossos com grande ímpeto e fizerão muito estrago nos contrários com as espingardas, e cavalos. Porem elles usando de seu ardil que he fazer menos resistência a entrada dos imigos, e carregar com toda a força ao tempo da retirada, começarão de ferir aos soldados da retaguarda, e aos cavallos de dentro dos matos donde não erão vistos e tanto que virão aos nossos embaraçados decerão com todo o pezo da guerra sobre elles, e posto que os nossos peleiarão com grande esforço, forão ali mortos quasi todos, convém a saber dous capitães Gaspar Vellozo e António da Costa com outros sol¬dados velhos, e alguns sobas que peleiavão por nós com sua gente. O capi¬tão mor peleiou até não aver mais que fazer, saio ferido, e o cavalo tanto que o tirou das quebradas cahio morto de frechadas que trazia; escaparão mais cinco portuguezes.
O Governador Dom Jeronimo Dalmeida não se achou nesta guerra por que ao tempo que começou conquistar este ímigo, adoeceo muy gravemente, e dali a algum tempo se veo a esta villa a convaleçer, e aiuntar algum remédio para sostentar aos soldados e aqui teve as novas das vito¬rias, e deste mao sucesso.
O capitão mor aiuntandose com os que ficarão no arraial e largando a bagagem veio caminho de 3 dias até hum soba que está por nos, chamado Quisíngango e pondo as costas no rio Coanza fez logo rosto ao ímigo, aloiandosse em hum lugar alto. Foi este conselho de tanta importância que se entende tomalo Deos por meio pera fazer huma grande mercê a esta conquista que he não se seguir deste desbarate nenhuma alteração na gente da terra, porque os imigos vendo ao nosso campo reformado não seguirão a vitoria, e os amigos mandarão logo sua gente de guerra a defender o nosso prezidio do sal e desbaratarão a hum soba que o vinha combater, por entenderem ser este forte de muito effeito para os defender a elles, emfrear aos contrários, e ter quieta a mor parte da província de Quiçama. Este he o estado da Conquista de Angola oie primeiro de Maio de 1594.
(1) Descreve este desastre o Padre Diogo da Costa, notando que os soldados portu¬gueses «forão logo tomados ás mãos e descabeçados sem ficar nenhum». Boletim citado, páginas 380-381. Carta de31 de Maio de 1586.
(2) Abreu de Brito dá no seu Sumario noticia particularizada desta catástrofe (Um Inquérito à vida administrativa... páginas 41), e citam-no Lopes de Lima nos Ensaios, páginas XVI-XVII, e Felner, ob. cif., páginas 169-171. Esta nossa história acrescenta pormenores interessantes especialmente sobre a retirada do exército português, que mos-tram não ter sido talvez Luiz Serrão o «péssimo general», que diz Lopes de Lima.
(a continuar; só mais uma parte)
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