Da Lisboa Antiga
e
da Nova Lisboa
Não sei se alguém se lembra, mas foi no verão de 1147, que se juntaram (a 28 de Junho) à volta de Lisboa, uns milhares de loucos, chegados em 190 navios – colonienses, bolonheses, flamengos, normandos, francos, bretões, ingleses – e ofereceram seus préstimos ao rei Dom Afonso Henriques, para ajudarem na conquista da cidade de Lisboa, que havia já 358 anos estava “ilegitimamente” na posse de mouros que a usurparam a anteriores cristãos, catequizados, “in illo tempore” por Donato, Torquato, Secundo, Indalécio, Eufrásio, Tesifonte, Victor, Pelágio e “muitos outros assinalados varões apostólicos.”
Lisboa contaria por essa época com 60.000 famílias que pagavam tributo, além de outros homens livres isentos desse pagamento. Na cidade “o cimo do monte era cingido por uma muralha em redondo, e tanto à esquerda como à direta, as muralhas desciam em declive até às margens do Tejo. Os seus territórios, no perímetro em redor, não ficam atrás de nenhum, pela fartura dos produtos do solo, quer das árvores quer das vinhas. Predomina a oliveira. Nada fica nela por cultivar, e é extremamente rica em figos. Próximo fica o castelo de Sintra, local onde há uma fonte puríssima, cujas águas servem para curar a tosse e a tísica, pelo que os moradores quando ouvem alguém tossir sabem que não é natural dali. Saudável de ares. Nos seus campos espinoteiam éguas de surpreendente fertilidade, pois, ao serem bafejadas pelos favónios, concebem do vento, e depois, atacadas pelo cio, copulam com os machos, assim se acasalando com o sopro das brisas. A Sul fica a região de Almada, rica em vinhas, figos e romãs, e tão fértil de cereais que de uma mesma sementeira se fazem duas colheitas”.
Aquarela de Alfredo Roque Gameiro (1864-1935)
(Maravilha de terra deveria ser aquela!)
Entretanto aquela turba de “cruzados”, seguia para a Terra Santa, não por razões de fé, mas desvairados com a possibilidade de saques que os poderiam enriquecer ou tirar da miséria. Eram, na opinião do cronista deste feito, uns bárbaros selvagens, com exceção dos ingleses, uma vez que o cronista, um senhor ”R”, em carta ao senhor “O”, a eles pertencia!
Era difícil o entendimento entre eles, desconfiava cada grupo do outro que lhe poderia “passar a perna”, chegando a afirmar que o rei de Portugal os queria enganar a todos.
Por fim, Afonso Henriques prometeu que o saque ficaria todo com os cruzados e só a cidade com ele. Uma exceção se abria: o alcaide mouro poderia sair da cidade com toda a sua família e seus pertences, ao que se opôs o flamengo conde de Aerschot, porque cobiçava para si uma égua árabe que aquele tinha, e se propunha tirar-lha de qualquer jeito!
Os assaltantes, atacando por grupos separados, construíram torres, algumas chegando a 34 pés de altura (mais de 10 metros), para tentar entrar por cima das muralhas. Na primeira vez que aproximaram a torre das muralhas, e de feroz luta com os defensores, à noite a maré alta deixou a torre isolada! Os mouros aproveitaram para a atacar com todo o ímpeto, mas os poucos defensores conseguiram não a deixar incendiar, nem destruir. No dia seguinte a cena repete-se, mas com sorte, e muita bravura, o resultado não se alterou.
Os flamengos trabalharam algumas semanas para abrir uma entrada na muralha pelo lado sul. Quando ao fim de imenso esforço o conseguem, dão de caras com um morro mais difícil de vencer do que as muralhas.
Durou quatro meses esta luta de assaltantes e defensores, que for fim, esgotados, mas ainda com razoável estoque de grãos e água, decidem parlamentar. A proposta dos assaltantes foi simples e clara: “Podem sair todos, mas não levam nada que temos que pagar aos cruzados!”
Proposta rejeitada. Os sitiados ainda haviam tentado buscar apoio escrevendo ao rei de Évora, Abu Moamede, que os informa que havia estabelecido tréguas com o rei Afonso Henriques e nada poderia fazer.
Dias depois a cidade acaba por se entregar.
O assalto foi bestial. Enquanto alguns, como ingleses e bretões procuravam cumprir com o combinado, saquear sim, mas sem maltratar os habitantes, outros grupos saqueavam, roubavam, incendiavam, matavam e estupravam as mulheres. Tão bestiais que até degolaram o bispo cristão moçarabe! Nada escapava à sua sanha.
Os lisbonenses fugiram, vaguearam, miseráveis, pelos campos, morrendo aos milhares, porque entretanto, Afonso Henriques havia já conquistado Santarém, Almada também sido, facilmente, tomada, e Sintra se entregara. As terras nos arredores não protegiam os “inimigos” da fé.Resistiram heroicamente os tais mouros por quatro meses. Certinhos. A 28 de Outubro de 1147, Lisboa passou a fazer parte de Portugal. Desde há 864 anos, menos de duas vezes e meia o tempo que lá estiveram os “inimigos”.
A outra “FICAVA EM ANGOLA E CHAMAVA-SE NOVA LISBOA”. Mais tempo levou esta Nova Lisboa a “cair”! Só se chamou assim entre 1928 (quando, por decreto foi nomeada capital de Angola) e 1975. Fundada por Norton de Matos em 1912, com o nome de Huambo, nome que voltou a ter depois de 1975. Nesta data deixou de estar “ilegitimamente” na posse dos invasores!
A propósito: quem viveu em Nova Lisboa, ou por lá passou, ou mesmo que jamais lá tenha ido, pode recordar ou conhecer o que era aquela linda cidade... nos antigamentes!
Eu por lá andei muitas vezes, sempre como visitante, e lembro, com aquela saudade que chega a doer, o Ruacaná, onde me hospedava, o seu ótimo restaurante, e a Cuca para quem trabalhei tanto tempo, e vi nascer a partir da primeiras paredes! Lembro bem da Chianga, onde tantas vezes fui “apostar” qualidade de rações! As da “Cuca-Protector” contra as que faziam lá no IAA. As primeiras ganharam sempre!
Leiam o belo, simples (por isso mesmo mais agradável) e muito bem documentado livro, que vos leva a uma bonita visita a essa cidade.
Acabou de sair pelas Edições Colibri – Lisboa.
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