domingo, 6 de fevereiro de 2011



SÉCULO XXI



Todo aquele que tenha um espírito que
verdadeiramente pense e sinta,
não pode deixar de ter sobre si,
num peso contínuo, todas as dores da vida.
Miguel Ângelo



Para quem nasceu quase no tempo em que um só pelo da barba seria garantia suficiente para o compromisso de qualquer negócio... e assiste hoje a um capitalismo, aliás não é já capitalismo mas financismo desenfreado, louco, absurdo, ignóbil, doentio e violento, pára para pensar qual o destino da humanidade!
Não estaremos no fim do mundo, se bem que o pareça, mas no início, no caos. E isto é o único consolo que se pode encontrar, para as gerações vindouras. As atuais vão sofrer muito.
Saiu há dias, em Portugal, uma nova “Revista de Cultura – Finis Mundis”, com uma série de textos interessantes, mas um deles chama especialmente a atenção, “O Financismo, Estágio Intermédio do Capitalismo”, escrito por um professor russo, Aleksandr Dugin. Mas, ao ler o texto com atenção, encontram-se afirmações, que nem suposições são, que nos levam a pensar sobre o que se passa neste mundo.
“O pensamento marxista padece de uma incapacidade para escapar aos limites do paradigma industrial, e o drama do derrube do sistema soviético materializa na história esta falha conceptual de contornos inequívocos.” (até aqui...) Continua:
"O sistema liberal soube:
- Dissolver o proletariado;
- Prevenir a sua consolidação num partido revolucionário à escala mundial.”
Com o contínuo esmagamento, que o atual financismo desenfreado impõe à classe trabalhadora, ou proletária, que o dito professor diz que acabou, à escala mundial, com um contínuo, e aparentemente interminável crescimento do desemprego nos países do ocidente, não parece ser difícil de antever que não faltará muito para estourar uma revolução, se não socialista, em termos marxistas, mas social. Na Europa e Estados Unidos o desemprego aumenta, apesar de todas as manobras dos governos para financiar o crédito a oligopólios a custo zero, e a particulares que pagam a diferença, e a indústria automóvel que só leva a gastos e poluições, em África a fome continua, na Europa e Estados Unidos para lá caminham, o fato é que cada vez mais o tal proletário vai ter que enfrentar um tremenda luta. Nos países árabes, onde as revoluções estão acontecendo, ainda não se percebe se é o avanço do fundamentalismo, se um grito da democracia, ou do tal proletariado com fome.
Por ora as opiniões divergem, mas se os fundamentalistas querem, à força, dominar todo o mundo árabe, há muitos outros, mesmo sendo muçulmanos, que já não aceitam a lei do Corão, a xaria, etc. A luta que ainda agora começa e já fez muito rei, sheik, ditador, e até os aiatolás, pôrem as barbas de molho, parece antever uma tremenda guerra entre eles. E todos nós vamos pagar por isso.
O petróleo irá atingir preços astronômicos, as comodities, se já estão em preço absurdo vão aumentar ainda mais, com a escassez e o custo dos transportes, e, esses tais financistas, que ganham, ou perdem fortunas, com um simples toque de tecla na Internet, e estão a promover, com desculpas climatéricas, o brutal aumento dos produtos alimentares básicos, vão aproveitar ainda mais o momento da desgraça.
O trigo, pelos fogos na Rússia, disparou; mas, e a soja, o café, o milho, e outros? Houve secas e inundações, mas aumentar alguns dos produtos básicos da alimentação, em até cinqüenta por cento, só pode dar revolta. Em todo o mundo.
Voltemos ao prof. Dugin:
“O financismo é um módulo de estádio do desenvolvimento do paradigma capitalista.”
“O financismo coroa a lógica do capitalismo e representa em si o último “supremo” estádio da alienação.”
“O financismo representa em si o cume do desenvolvimento da economia moderna.”
“O financismo não é um problema mecânico, um desvio do paradigma (o tradutor gosta de paradigmas!) econômico do capitalismo, mas sim uma etapa normal do seu desenvolvimento, a etapa do triunfo mundial.”
E, só mais este brilhante “paradigma”:
“Lamentarmo-nos pelo fato dos volumes de especulação das bolsas mundiais superarem em muito os balanços dos países desenvolvidos, ou porque as transferências fictícias de capitais impedem o desenvolvimento dos setores produtivos, desviando os investidores para as esferas da economia ilusória, é estúpido ou irresponsável.”
Após outros considerandos, o professor termina:
“É impensável conceber uma Alternativa a partir das esferas simplesmente econômicas. A Alternativa deverá ser transcendente no que diga respeito a todos os discursos modernos. O anti-financismo deve ser o nível superficial de uma mais profunda e radical luta contra o capitalismo e o liberalismo, luta que tem como condição prévia a exigência de não derivar de interesses pragmáticos, mas sim da dignidade da espécie humana, espécie que tem vindo a clamar demasiado no abismo do mundo desencantado e da morte de Deus, espécie que não nasceu para perpetuar o niilismo, mas sim para reconhecer-se numa elevada ontologia, na sacralidade, justiça, fraternidade, liberdade e igualdade.”
Por fim, o que pensar de tudo isto, quando sabemos já que comunismo só é praticável na teoria e no verdadeiro amor a Deus e ao próximo, o que praticamente não existe nos primatas, as democracias e as liberdades que têm levado os homens ao ponto que parece não ter retorno – a destruição das famílias, o sexo desenfreado e demasiado explícito em todos os horários da TV, a violência, crimes de toda a ordem, cadeias cheias, o uso de drogas e o consequente e brutal narcotráfico imparável, etc. – ou as monarquias como um símbolo, rico e inoperante, quando para símbolo basta uma palavra?
Estamos a viver uma época extremamente perturbada, difícil, sobretudo para os jovens, e por muito que se pense não se consegue, nem antever, quanto mais propor, a tal Alternativa.
A bomba atômica não vai resolver. Mas... com o caminho que tudo está tomando, não será para admirar que algum louco se atreva a lançar a primeira, para em seguida surgirem pelos ares mais umas dúzias.
Talvez o caos em que estamos, acalme. Nessa altura os engenheiros, os professores e os mestres, que sobreviverem, serão os primeiros a morrer de fome. Poucos já sabem plantar uma batata ou um pé de milho.
Voltará a humanidade umas dezenas de milhares de anos para trás, para recomeçar a evoluir e chegar ao mesmo patamar de podridão em que hoje se encontra!
E repetirá; mais uma vez, e outra, e outra, e assim por essa eternidade.


Rio, 5 de fevereiro de 2011

Um comentário:

  1. Caro Francisco:
    Acho muito interessante o tema e gosto do tipo de questões que coloca. Já tinha lido o professor russo e achei de princípio que ele estava a querer salvar a honra de um convento soviético já arruinado mas depois fiquei a meditar e reconheci que o homem tem razão em muitas das facetas que refere. As minhas dúvidas surgiram por eu ter andado à caça dos pós-modernistas e a zurzir-lhes com toda a força que consegui reunir mas acabei por verificar que o russo estava a dizer o mesmo que eu apenas utilizando exemplos bem mais concretos. É que o financismo é a banca internacional na mão dos pós-modernistas: é a especulação financeira em desprimor do investimento produtivo; é o JÁ em substituição do prazo; é o tudo em vez do plausível; é a loucura em vez da sensatez; é a consideração do homem como um meio em vez de como o fim.
    Sim, é FINIS-MUNDI.
    De qualquer modo, continuo à procura da solução alternativa à expressão de Karl Popper quando ele diz que «só nos resta ir para o Inferno...».
    O seu texto é bem mais interessante do que o do professor russo e ficarei muito satisfeito se o Francisco me autorizar a publicá-lo.
    Grande abraço,
    Henrique Salles da Fonseca

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