quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011


Mais histórias do século...

repassado!

 

Coisas de Camilo
.
e António Arroyo



Nestas pequenas histórias, com graça, que a seguir se contam, entram algumas personagens portuguesas, do século XIX, bem conhecidas até hoje!

O cão do Camillo.

Num dos seus manuscritos, conta Francisco Gomes de Amorim:

“Camillo Castelo Branco veio a Lisboa em 1858 e trazia um enorme cão de gado que foi cobiçado por Alexandre Herculano. Camillo voltou para o Porto e ali recebeu de um certo Soromenho (creatura de H.) a insinuação para que offerecêsse o seu cão a A. H. (Alexandre Herculano) que m.to lho agradeceria. Camillo mandou logo o cão e H. em recompensa propô-lo na Academia Real de Sciências para sócio correspondente. Camillo foi proclamado por Herculano um homem dos de maior talento do paiz (e realmente o tem). Mas o mais engraçado é que Camillo teve saudades do cão, a quem devia já a honra de o ter feito academico, e voltando a Lisboa pediu-o emprestado a Herculano. E nunca mais lho mandou. Este agora prega contra elle e manda procramá-lo um grande patife!!!
  Alexandre Herculano num postal da
Union Postale Universelle (adivinha-se a sua assinatura)

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Excerto duma carta de Camilo Castelo Branco a seu amigo José Barbosa e Silva

“Meu caro Barbosa
A tua requisição do colete veio desatar um nó górdio, do qual, e para o qual eu tinha sido um Alexandre tão desasado quanto vais ver da exposição dum joguinho em que tu perdeste, como o boticário de Tolentino.
Foi o caso. Entre o meu fato aparecia um colete preto que revelava uma barriga como a que tenho sonhado nas minhas ambiciosas aspirações a presidente de câmara de S.Tirso onde espero comprar quatro courelas que me dêem censo e senso.
Perguntei dez vezes à D. Eufrásia e à estúpida filha que diabo de colete era aquele. Responderam-me que tal qual viera num dos meus baús de Lisboa. Teimei que não era meu, redargüiram-me que eu talvez por engano o enfaixasse com a minha roupa. O engano parecia-me parvoinho; porém, como à saída do Hotel Central o meu baú foi arranjado por uma criada, supus que algum hóspede pagou a inadvertência da criada.
Nesta conjecturas tomei posse do colete, e mandei-o enfaixar com outra roupa condenada a uma venda inglória e obscura em casa de onzeneiro adelo. Tristíssima sorte foi a do teu colete, meu caro Barbosa. Chora-o, como eu o chorei, quando o adelo me mandou há pouco dizer que um passageiro incógnito lho comprara. Sabes agora a esperança que me resta? É engordar suficientemente para servir de molde ao alfaiate, e mandar-te fazer um colete que desbanque o outro na finura do lemiste, e na recherche da abotoadura. Entretanto fulmina com toda a tua iracunda a estupidez da filha da D. Eufrásia, à qual a mãe já transmitiu quatro solenes bofetadas por causa do colete. Se me não levas a mal escreverei um necrológio ao tão ignobilmente perdido colete, depois de lhe teres fadado tão alto destino, como o de aparecer no Chiado, e roçar as colchas admascadas dalguma condessa de porcelana, ou de biscuit que é mais delicado.”

Do livro “Correspondência de Camilo Castelo Branco” – Obras de Alexandre Cabral, Vol II.

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Mais duas histórias contadas por António Arroyo:

“Os padres levavam por vezes muito longe a sua ignorância e inconsciência. Numa aldeola das margens do Douro, a montante de Entre-os Rios, assisti eu a um baptisado, há mais de quarent’anos. O padre, já edoso, tossia. Apesar disso, segundo o ritual, depois de ter mecanicamente lido uns latins, passava um dedo molhado na sua saliva pela boca do pequenino que, poucos dias depois, morria de coqueluche, ou coisa que o valha. Nessas terras vivia-se então na idade media. Ninguém acreditava em micróbios; ninguém os vira.

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Curioso exemplo de vergonhosa superstição em “matéria medica”, o seguinte caso que tive varias ocasiões de observar numa humilde freguesia do baixo Alentejo. Aí por 85 ou 86, adorava-se na matriz da terreola um santo, não sei já se de barro, se de madeira, “que tinha virtude contra a raiva”. Cão danado, pessoa ou animal mordido por ele, era levado ao abade, desbocado borrachão já hoje falecido, que aplicava a mais rápida cura. O santo tinha na cabeça um buraco onde ele metia um pedaço de pão que primeiro mastigava. Passado “o tempo necessário”, partia o pão em dois, dava metade a comer ao paciente e conservava a outra metade no buraco do santo até que o “vírus” perdesse a energia.
Uma ocasião disse-lhe que era triste abusar-se assim da pobre gente, explorando-lhe a credulidade.
- O snr, quer que eu morra de fome? Gritou ele; a terra não dá nada. Isto é uma miséria.
Só dava para ele se emborrachar.”

Do livro “Singularidades da Minha Terra”, 1917.

30/jan/2011















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