Graças e desgraças de um
luso-angolano
nos países baixos!
Quase lá nos antigamentes, já vão 45 anos, fui para a Europa fazer uma série de estágios e visitas a fábricas de material fotográfico, microscopia, raios X, etc.
De Munich a Leverkusen, a seguir Antuérpia, na Gevaert - que Deus tenha em sua memória - para mexer com filmes de artes gráficas.]Perto do final do estágio, muito amável, o diretor de exportação que tinha África a seu cargo, convidou-me para jantar em sua casa, um tanto fora do centro da cidade. Eu tinha comprado um carro, usado, mas ótimo, e com um pequeno esquema que o anfitrião me passou, consegui chegar no horário combinado.
Só ele e a mulher. Sentámo-nos na sala onde já estava em cima da mesa uma garrafa de whisky e dois copos - daqueles largos e não tão baixos – e o dono da casa, sempre amável, encheu o meu copo até acima, sem gelo nem nada. O dele, igual. Quando vi aquela brutalidade de bebida pensei que não conseguiria depois sair dali, mas fomos bebendo, devagar, e eu, sem saber bem como, consegui tragar tudo e ficar mais ou menos normal. O dono da casa, ainda amável, perguntou se eu queria repetir a dose que recusei. Para ele, mais meio copo.
Entretanto a dona da casa avisa que o jantar está servido e lá fomos os três para a mesa onde, amáveis, estava, aberta, uma garrafa de Casal Garcia (!). A meio do primeiro prato o nosso amigo empurra o prato, talheres e copos, afasta tudo quanto tem na frente, deita a cabeça na mesa e... ali fica ressonando que nem um porco.
A senhora, envergonhada, quis justificar, dizendo que o marido andava com muito trabalho, cansado, etc., mas ele estava era bebedissimo. Ficou a senhora à mesa e eu, sem dizermos uma palavra, ela a levantar-se para levar os pratos à cozinha e trazer outras comidas, e por fim aparece com um bolo daqueles que embucham o mais destemido, que eu aproveitei para ver se ajudava a abafar o tanto whisky que tinha bebido, além do copo do vinho que, por honra do país e para não fazer má figura, fui obrigado a beber!
Acabou o jantar e nessa altura o bêbado acorda e novamente tenta servir-me mais bebida. Como a conversa não tinha a menor hipótese de se fazer, porque o homem não abria mais do que um olho de cada vez, agradeci muito e fui embora, alegando que era tarde, etc. Aquelas desculpas esfarrapadas mas necessárias.
Entrei no carro e nessa altura o esquema do caminho a percorrer choca no primeiro obstáculo: a rua por onde viera agora era contramão! Procurei uma “paralela” que desse retorno, e comecei a dar voltas àquela área, meio perdido, sem encontrar o caminho. Ninguém nas ruas a quem perguntar, eis se não quando surge um autocarro – ônibus – e, esperto, eu, pensando que ele iria para o centro onde estava o meu hotel, decidi segui-lo. Andei, parei, andei, parei e cada vez me parecia que mais me afastava, quando de repente o dito autocarro entrou num portão e sumiu. Era a sua garagem e encerrava o dia de trabalho!
Esperei algum tempo até que um outro carro sai da garagem. E eu atrás. Anda, pára, anda, pára e ao fim de quase uma hora, desde que saí daquele “magnífico” jantar, reconheci uma rua do centro e cheguei ao hotel!
Se fosse hoje e a polícia me mandasse soprar no “bafômetro”, teria ido direto para a prisão!
O estágio a chegar ao fim, no último dia os vários estagiários – cinco – decidiram convidar o “mestre”, um jovem e simpático engenheiro, para um jantar de despedida. Comemos “moulles marinières”, uma delícia que ainda hoje me faz água na boca. Ninguém se embebedou!
E no dia seguinte a caminho de Amsterdam. Bem me avisaram que a meteorologia previa intenso nevoeiro vinal da Mancha, e que as estradas ficavam perigosas, mas assim mesmo no fim do dia resolvi arriscar.
Ao passar em Rotterdam, já noite, dentro da cidade, não se via um palmo adiante do nariz, nem sequer as placas indicando as estradas.
Entrei numa rotunda e depois de me terem informado que devia sair na segunda rua à direita, andando com o carro a passo de caracol e junto ao passeio, os olhos bem abertos à procura da tal segunda rua, a verdade é que não conseguia distinguir nenhuma “saída”.
Passado um pouco ouço uma sirene da polícia atrás de mim. Parei. Sai do carro um polícia, atencioso, e pergunta o que ando ali a fazer.
“Á procura da estrada para Amsterdam, mas não consigo encontrar!”
“O senhor já deu três voltas à rotunda! Venha atrás de nós que lhe mostramos o caminho, mas tenha muito cuidado que a estrada está toda assim!”
Quando chegamos à estrada e não havia mais que errar, deixaram-me seguir, sempre avisando que o caminho estava perigoso. E estava. Muito.
E lá vou, ainda a passo de caracol. Já me doíam os olhos e a cabeça com o esforço para não sair da estrada.
A certa altura um “anjo salvador”: um letreiro luminoso indicava ali um hotel! Chegava ao fim o meu sofrimento!
17-jul-10
No dia seguinte de manhã segui viagem, sem nevoeiro, atravessando aqueles campos lindos e cheguei ao meu destino!
17-jul-10
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