Apreciem a beleza desta descrição do grande mestre Óscar Ribas:
UANGA (feitiço)
Romance Folclórico angolano
de Óscar Ribas
Editora : União dos Escritores Angolanos
Retirada do Canto "Festa de Núpcias ''
de Óscar Ribas
Editora : União dos Escritores Angolanos
Retirada do Canto "Festa de Núpcias ''
Páginas 44 – 47
Conheceram-se numa massemba.
Este bailado, rico de fogosidade e elegância, persistiu do caduque, dança de Ambaca. Como afinidade, persistiu a característica fundamental - a semba ou umbigada. O caduque executava-se ao ar livre sob a toada do goma (tambor comprido), dicanza (chocalho de bordão ) e uma lata vibrada com duas baquetas grosseiras. Com o aparecimento da harmônica, nasceu então a massemba: substituiu-se o tambor e a lata por aquele instrumento, pela sala trocou-se o ambiente campestre.
Ultimamente, o instrumental associou o pandeiro, os ferrinhos e a garrafa, funcionando esta como aparelho de sopro. O fogope - voz de comando para a semba - passou a determinar o ritmo da musica, circunstância que releva a melodia. A indumentária também se requintou: as damas chegaram a trajar de igual, poupando até, num sarau, duas mudas; e os cavalheiros embora menos rigorosos , já se apresentam com a mesma uniformidade inclusivamente de smoking.
Apesar da evolução, a messemba tende a desaparecer: os bailes invadem as esferas humildes, e vestimenta européia, hodiernamente proferida pelo elemento feminino , não se harmoniza com ela. Entretanto sua glória repreenderá através das páginas do folclore angolano: Alimentou a folia durante séculos. Em séculos, em seus volteios recrearam-se muitos colonos, alguns do nosso escol.
Outra famosa dança campal era a jimba. Exercitava-se sob o acompanhamento de canto, com puíta (tambor feito com uma ancoreta , sendo aberto um fundo e outro tapado com uma pele, a qual prende interiormente um caniço , vibrado com uma corda ) e bendo (pífaro de caniço).Mais teatral que a massemba, movimentava-se em círculos determinados pelos dançadores: com cabriolas, pelos homens, com saracoteios, pelas mulheres. Mais tarde originou a quimuala.
Ambas já não se praticam e pertenciam as camadas inferiores.
Essas e outras diversões mortas, porém subsistem debaixo de diferentes aspectos, pela transplantação de antigos escravos, procriaram em países remotos, mormente o Brasil. Mas como bons filhos essas mesmas assinalam sua procedência: a mágoa nos cantares, o viço no folguedo.
E todo o mundo, no arrebatamento do prazer, aquece-se ao eletrizante calor da saudosa prole africana.
Na massemba em que o casal se relacionou, soluçava a harmônica em ais de amor, ria a dicanza em loucas gargalhadas. E, em aprazível orfeão, homens de flor na lapela, mulheres de fita pendente do turbante, todos vaidosamente trajados, cantavam com delírio:
Soou o tiro,
Ó gentes que somos do senhor Quinjango
Quinjango é forasteiro ilustre,
Como militar anda por muitos caminhos.
Contados-lhe os dias
Hoje chegou Quinjango
Ele é forasteiro ilustre,
Como militar anda por muitos caminhos.
A patroa deu à luz
A escrava abortou, Quinjango:
Quinjango é forasteiro ilustre,
Como militar anda por muitos caminhos.
Comprastes uma galinha-do-mato
Mistura com galinha de casa, Quinjango
Quando fugir a galinha-do-mato,
Fica a galinha de casa, Quinjango.
O dinheiro, para ti,
Vale mais que mais a vida, Quinjango:
Ele é forasteiro ilustre
Como militar anda por muitos caminhos.
O mestre-sala comanda:
- Com elas!
Nas rodas dos dançantes - pá - rebenta uma palma uníssona.
Ao centro, depois dum breve saracoteio, detém-se em frente deste ou daquela, com a mão espalmada no peito saúda-os com uma vénia, que é correspondida com outra.
E: “Damas e cavaleiros para o centro!” – os saudados saem dos lugares, serpeiam pela sala, e – “Fogope!” - entrechocam-se com um figurante do círculo. Por sua vez, esse irrompe do cêrco, o outro preenche-lhe o posto, e as sembas sucedem-se na mesma cadência.
E à luz rutilante de dois candeeiros de carboneto, cavalheiros e damas, cada qual primando no donaire do volteio, rodopiam sobre si mesmos, ondulam garbosamente, dançam a famosa massemba, o típico bailado de Luanda.
A animação lateja no ambiente: havia elasticidade nos movimentos, ardência nas entoações. A harmônica, sempre súplice, gerava afetuosos sentimentos, ao passo que a dicanza, galhofeira por índole, desvairadamente se ria das pieguices despertadas. Mas ninguém ligava importância ao chocalho de bordão: ele era insensato, apenas sabia cachinar.
Pela sua veleidade, os corações só escutavam os lamentos da harmônica: falava em amor, amor concebia.
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