domingo, 27 de dezembro de 2009

Benguela  e ...

Falar de Angola e esquecer Benguela é pior que ir a Roma e não ver o Papa... mesmo os não crentes!

Benguela - vejam bem esta Praia Morena

Em 1657 já lá estava Benguela
(isto é para quem não sabe onde fica África, Angola e menos ainda Benguela!)

Pois é. Foi em Benguela que assentei os primeiros “arraiais” quando cheguei a Angola, casado, em 1954. Terra morena, tão cantada através de grandes poetas - é fundamental não esquecer os irmãos Lara, a Alda e o Ernesto - onde como já repeti muita vez, e não canso, era o único lugar no Mundo onde não havia pretos, nem brancos, nem mestiços: só gente! Praia, cerveja, algumas festas no tradicional Bairro Benfica, dos quintalões, das famílias tradicionais, e alegria suficiente!
O meu trabalho, com máquinas agrícolas, englobava todo o Centro e Sul de Angola o que proporcionou visitar essa imensa região, e não só as cidades como o “mato”!
Numa das primeiras viagens, lá para os lados de Quilengues fui visitar um jovem e incipiente agricultor e criador de gado, vivendo numa casa de adobe e cobertura de zinco, procurando crescer e fazer o seu pé de meia. A tomar conta não só das pessoas como do gado, uma cadela, atravessada de “Leão da Rodésia”, que estava com uns quantos filhotes, talvez com uns 30 dias. Curriculum da cadela: já bem cheia, em vésperas de parir, um leão rondou o gado aproximando-se perigosamente. A cadela, barriga cheiona, enfrentou a fera, chegou a levar uma patada que a fez voar, mas só desistiu quando o leão virou costas e foi embora! Moral da história: levámos um dos filhotes desta heroína para nossa casa!
Algum tempo depois a visita foi a Chimbe, a sul de Catabola, que se chegou a chamar Nova Sintra, mesmo que raramente alguém usasse esse nome! Um comerciante da “cidade” tinha comprado em leilão uma antiga fazenda de ingleses, abandonada, e queria cuidar dos terrenos e da casa. Uma noite passada no velho casarão, janelas sem vidros, e perto duma baixada alagada, foi o maior suplício que me lembro de ter passado: o mosquiteiro deixou uma pequena entrada aos pés da cama e o ataque das feras durante a noite, e sobretudo de madrugada, foi infernal. Por dentro, o mosquiteiro supostamente branco, estava preto, tanta era a bicharada!
Regresso a Benguela no magnífico combóio do CFB, Caminho de Ferro de Benguela. Carruagem cama, porque iria levar mais de 24 horas até ao destino. Dois leitos, um dos quais estava já ocupado por um inspetor de fazenda. Feitas as apresentações, logo de entrada o tal inspetor mostrou-se um ótimo companheiro, descontraído, divertido, sabia um monte de piadas, e fez com que a viagem fosse muito agradável. Passados uns quantos anos voltámo-nos a encontrar, dessa vez ambos a viver em Luanda, quase vizinhos, onde criámos uma bela amizade. O Alfredo Diamantino!
Há algumas histórias de Benguela que eu, desculpem, mas eu, não canso de repetir, nem que seja só para mim mesmo. Fazem parte da minha vida, dos momentos bonitos e simples que todos nós vivemos e que por isso não queremos esquecer. Os tempos não voltam, mas por vezes é bem melhor fechar os olhos e deixar fluir essas memórias do que ler um bom livro. Até porque as memórias, sabemos que não nos enganam.
A nossa casa, na Rua Fausto Frazão (está errado o nome no foto do Google), a uns quatrocentos metros daquela linda “Praia Morena”, quase na direção do “Porta-aviões”, como era o andar superior dum belo sobrado, sempre recebia uma constante e fresca aragem quando chegava a noite! 


Benguela! Rua Fausto Frazão e muito mais...
A nossa casa - o andar de cima - e a "viatura" de um só HP


Nesse tempo, ar condicionado, era artigo de que nem se cogitava. Mas aquela aragem, as janelas abertas, vinte e poucos anos de idade... era bem pertinho do paraíso!
Um dos serventes da Lusolanda, para onde fui trabalhar, o humilde e simpático António, volta e meia ia a minha casa ajudar nalguma tarefa mais pesada e, se entretanto chegasse a noite eu o levava de carona até perto da sua sanzala, Carona de bicicleta, porque carro... as finanças não davam para esse luxo. E lá ia eu pedalando, o António sentado no quadro, o “luminoso” farol iluminando o caminho! Uma noite, numa das ruas mais escuras que atravessávamos, uma intrusa cobra procurava cruzar a rua. O António quando viu a besta-fera saltou da bicicleta e, com algum desespero quis segurar-me para que não me aventurasse para tão medonho encontro! Mas eu, jovem, atrevido, decidi matar a fera; avancei com a bicicleta na mão, e sem grande dificuldade pus-lhe a roda da frente atrás da cabeça, ficando assim segura! “António! Arranja um pau!” Encontrou-se a arma, umas cacetadas na cabeça da bichinha que não nos havia feito mal algum, jogou-se o corpo da defunta para um canto da rua e lá voltou o António para o seu lugar de carona até ao destino final!
Nessa bicicleta lá íamos nós, a minha mulher de barrigão sentada no quadro, o cachorrinho, quando ainda pequeno apoiado no guidão, e quando chovia ainda a minha mulher segurava, além do nosso companheiro canino, um guarda chuva! Era um conjunto digno de nota, mas nunca ninguém se riu. Todos achavam que estava tudo certo.
Pois é. Benguela era assim. Qualquer dia voltamos lá, e um dos sonhos é voltar mesmo, fisicamente! Já sei que não está igual ao que era. Que as pessoas são outras. Que o meu amigo Antônio talvez nunca mais encontre, mas, voltar à Praia Morena, beber uma Cuca – naquele tempo ainda não havia Cuca que só foi inaugurada em 1956, só Laurentina, que era bastante ruinzinha, as alemãs Beck’s, Saint-Pauli e a holandesa Heinneken e pouco mais – e deixar as horas fluírem, sonhar um pouco... reviver!






Quem se lembra destes rótulos ?

Que bom.
Para o ano tem mais. De Benguela, Luanda, Lourenço Marques e Maputo, e de outros lugares em África. Não foi impunemente que por ali andei mais de duas décadas.
Bom Ano Novo!


N.- Se "clicarem" em cima das imagens podem vê-las ampliadas.

27.dez.09

6 comentários:

  1. MEU CARO FRANCISCO AMORIM, EU ESTIVE EM BENGUELA DE 1963 A 1970, TRABALHAVA NA LUSO ÁFRICA.
    ME CHAMO CARLOS BRANDÃO

    QUANDO SOUBER DE ALGUM ENCONTRO DE BENGUELENSES ME AVISE.
    MEU E.MAIL~~brandaocarlos@netcabo.pt
    LARIPO

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  2. Olá!
    A casa onde residia em Benguela continua de pé e está até bem conservada, tirando uns "remendos" no telhado feitos em chapa.
    Hoje a Rua José Falcão é a Av. Fausto Frazão, a mais bonita de Benguela, larga e comprida, ladeada por altas palmeiras. Os passeios são largos e foram recentemente recuperados, à espera do CAN 2010 que começa em 10 de Janeiro.

    1 abraço

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  3. Uma das melhores "coisas" do blog são os comentários. Já reencontrei amigos, obtive informações atualizadas e, sobretudo, estabelece um belo contato entre pessoas.
    À Isabel Sofia, muito obrigado.
    Ainda tenho a esperança de voltar a essa terrq e, quem sabe, andar de bicicleta!
    Um abraço
    Francisco

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  4. Olá novamente!

    Acho maravilhoso o amor que tem por África e por Angola em particular!
    Tenho fotografias actuais de Benguela e de outras cidades de Angola que puderei partilhar!
    Caro Francisco, se quiser envie-me um mail para lebasiaifos@gmail.com para o poder contactar directamente. O meu marido e eu teremos todo o gosto em recebê-lo em Benguela quando quiser vir matar as saudades.
    1 abraço
    Isabel Sofia

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  5. Erro meu... a rua José Falcão..... não era assim que se chamava!!!
    Já era Avenida Fausto Frazão!
    Que me desculpem!
    Francisco

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  6. Meu caro Francisco:

    A Catabola a que você se refere só pode ser a do Huambo, essa sim, Catabola e que nunca teve outro nome. A do Bié, essa era conhecinha como Nova Sintra. O Sporting de Nova Sintra, fundado em 1932, a Escola Preparatória de Nova Sintra, a estação dos Correios (carimbos) e do CFB tinha Nova Sintra. Num livro chamado "Os verdes do mato não acabam" dscreve alguma da ficção passada em...Nova Sintra. E continua a haver o almoço dos naturais e amigos de Nova Sintra, todos os anos em Benavente.

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