A conotação ideológica da palavra kilombo, que em kimbunbu significa junta, união, está relacionada com uma das mais importantes instituições políticas do século XVII, em toda a região entre os rios Zaire, Kwango e Kuvo. A sua importância foi especialmente significativa nos antigos estados do Kongo, Matamba, Ndongo e nos estados Ovimbundu do actual Planalto Central angolano, onde provavelmente teve a sua origem.
Segundo Childs, que assinalou a semelhança entre alguns costumes Ovimbundu e os dos "Jaga", kilombo é sinónimo de Kakonda ou Cilombo, nome de um dos principais grupos Ovimbundu. O mesmo autor diz-nos ainda que Cilombo era a designação da "mulher" do herói-civilizador mítico Kakonda, fundador do estado com o mesmo nome. De origem Ovimbundu ou não, esta instituição foi assimilada por muitas forças políticas e militares da África Central ocidental, entre as quais os "Jaga"/Mbangala e os titulares Ngola-a-Kilwanji, tomando-se para a rainha Jinga e também para os Portugueses e para os "Jaga", num instrumento político e de organização militar decisivo.
A importância do kilombo como forma de organização militar, transparece na legenda histórica sobre a origem dos "Jaga" e das suas instituições. Segundo a tradição histórica oral recolhida por Cavazzi, Temba Ndum-ba, heroína-civilizadora, resolveu um dia restaurar as antigas leis do "pai" e dos "antepassados", convencida que a rigorosa observância das mesmas tornaria o seu nome glorioso e temido. Para assegurar o sucesso na guerra, Temba Ndumba impôs a kijila, que em kimbundu quer dizer "proibição" e que consistiu num conjunto de leis proibitivas, que implicavam certos tabus, como por exemplo a abstinência das carnes de porco, de elefante e de serpente. Segundo as leis kijila, os membros do kilombo eram também obrigados ao comprimento de certos rituais de guerra, assim como a observâncias de cariz religioso, estas a cargo do xinguila, especialista adivinho.
Um dos rituais do kilombo, obrigava ao sacrifício de uma criança que devia ser pisada no pilão e reduzida a uma «massa informe», à qual se juntava ervas, raízes e uns pós. A massa de carne humana, depois de fervida e atingir a consistência desejada, era chamada maji-a-osamba, a «pomada milagrosa», com que os homens se deviam untar antes de partirem para a guerra. Acreditava-se que os rituais, em conjunto com a aplicação da maji-a-osamba, conferiam uma invulnerabilidade mágica aos iniciados, que de outra forma estariam expostos às susceptibilidades das forças naturais.
Uma outra lei kijila, que reflecte o cariz de especialização militar do kilombo, consistia na interdição de se criarem crianças dentro dos limites do acampamento, estipulando que os gémeos, que por razões de crença religiosa eram associados ao infortúnio e ao mau presságio, e os diminuídos físicos, fossem, por norma, sacrificados logo após a nascença.
A renovação do grupo era feita através da socialização de jovens prisioneiros que, ao unirem-se com as mulheres do kilombo, se tomavam membros de pleno direito.
O kilombo, como ideologia política, oferecia duas vantagens que, em muitos casos, foram decisivas para que fosse adoptado:
1. Era uma estrutura social em que os seus membros não se relacionavam segundo normas prescritas de parentesco consanguíneo gozando, por essa razão, de uma maior mobilidade social e de uma relativa equidade de estatuto e de oportunidades de promoção. Por essa razão, o kilombo tomou-se numa instituição supra-tribal, capaz de unir e aglomerar indivíduos de diversas origens étnicas.
2. O kilombo era também uma forma de organização militar rígida, apoiada num código moral vocacionado para criar guerreiros, conferindo, aos grupos que o adoptavam, um comportamento que muitas vezes se traduziu numa capacidade bélica superior.
A adopção do kilombo esteve ligada a grupos fraccionários, como foi o caso dos Kinguri, ou a chefes ambiciosos com projectos hegemónicos que, por insuficiente número de seguidores, não reuniam as condições objectivas para a realização dos seus projectos. Este foi o caso de Ngola-a-Mbandi, da rainha Jinga e dos Portugueses. Também os Kinguri, que aparentemente deixaram a Lunda sob pressão política e militar dos Luba, adoptaram as leis kijila do kilombo, como uma solução para os problemas de desintegração e divisão que emergiram quando ainda estavam submetidos à ideologia inerente ao título Kinguri. A sul do rio Kwanza surgiram alguns grupos de guerreiros chefiados por titulares kilombo, que incluíam títulos subordinados Lunda, Kinguri e Makota, denominados Mbangala, "Jaga"/Mbangala ou somente por "Jaga".
Um chefe em apuros, ou movido pela ambição, podia adoptar a organização do kilombo, ou/e reivindicar legitimidade à posse de um título que descendesse de um chefe kilombo.
Cerca de 1626-1627 a rainha Jinga, quando cercada pêlos exércitos de Ngola-a-Ari e dos seus aliados Portugueses, estabeleceu uma aliança com Kaza Ka Ngola, que detinha posições kilombo. "Casando" com "ele", a rainha Jinga adquiriu um título kilombo, tembanza, "primeira mulher", que lhe conferiu a legitimidade que porventura lhe faltava para preparar o maji-a-osamba. A apropriação desta posição kilombo por parte de Jinga, poderá explicar a forte influência que ela parece ter exercido ocasionalmente sobre alguns titulares, nomeadamente os "Jaga" Kalandula e Kabuku Ka Ndonga, entre 1640 e 1650.
Uma passagem da carta que a rainha Jinga escreveu ao governador Português Sousa Chichorro, datada de 13 de Dezembro de 1655, é bastante elucidativa quanto à circunstancialidade da adopção das leis kijila:
...«dou a minha palavra que, tanto que chegarem os reverendos padres com minha Irmã, tratarei logo de deixar parir e criar as mulheres seus filhos, cousa que até agora não consenti por ser estilo de quilombo, que anda em campo, o que não haverá, havendo paz firme e perpétua, e em poucos anos se tomarão minhas terras a povoar como dantes, porque até agora me não sirvo senão com gente de outras províncias e nações que tenho conquistado, e me obedecem como sua senhora natural com muito amor, e outros por temor».
In "Economia e Sociedade em Angola * Na época da Rainha Jinga * Século XVII", por Adriano Parreira, Editorial Estampa, Lisboa, 1987
Do Brasil, por Francisco G. de Amorim
04 jul 09
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