terça-feira, 29 de abril de 2025

 Há mais de 3 meses que nada escrevo neste blog. Outros escritos mais  importantes me ocuparam.
Vou ver se agora escrevo, enquanto tiver disposição para isso, uns apontamentos autobiográficos, por capítulos.
Este primeiro, que segue, é sobre CALOTEIROS.

FLASHS BIOGRÁFICOS

de

Francisco Gomes de Amorim

 

Muitos amigos/as me têm sugerido que escreva as minhas memórias. Não. Já não tenho nem tempo, nem disposição para me meter numa andanças dessas.

No entanto decidi que poderia ir escrevendo alguma coisa. Nada de ordem cronológica como “nasceu em tantos do tal, era um bebé bonitinho e gordinho, etc.” mas vou dividir estas memórias por capítulos, independente de tempo e cronologia.

E faço-o porque pouco mais do que isso tenho para fazer e não penso em escrever mais biografia nenhuma de quem quer que seja.

Assim o primeiro capítulo ou bloco vai-se chamar

 

OS CALOTEIROS

É verdade, teve alguns pilantras que não me pagaram o que deviam, e só um deles era vigarista pobre ou desempregado. A maioria foi de corruptos milionários.

 

I

Luanda Aí talvez em 1964 fui, com a família toda a Portugal (tinha direito a férias) e encantei-me com um imponente Jaguar, usado, bem em destaque numa loja de carros usados.

Carro imponente, Jaguar XK VII, chamado até o Rolls Royce dos pobres, forrado a couro vermelho, uma lindeza, em perfeitas condições, porque tinha pertencido ao diretor da representação da marca, que havia falecido e a família não queria mais aquela máquina. Custo barato US$ 1.000,00, o equivalente na altura a Esc. 23.500,00.

Carro antigo estacionado na grama

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Levei para Angola. Não era carro para ir trabalhar todos os dias e a verdadeira dona foi a minha mulher, baixinha, quase sumia dentro daquele carrão ao ponto de um dia um amigo me ter telefonado a dizer que tinha visto o carro ir direitinho para casa, mas sem ninguém dentro! Ela mal chegava para ver pelo para-brisa, e assim mesmo só por baixo do volante!

Tivemos esse carro uns poucos anos e um dia, um “cara” conhecido não me largava: queria comprar aquele carro. Eu sabia que o sujeito não era de muito boas contas, mas pensei que se ele pagar pelo menos metade... já não choraria.

Levou o carro por 33.000$ 00 pagando metade no fim do mês e a 2ª metade 30 dias depois.

São passados, hoje, uns 55 a 60 anos e ainda não recebi sequer a tal “primeira metade”! Fui idiota, claro; não lhe devia ter entregado o carro antes de ter recebido os primeiros 50%!

Não lembro o nome dele nem me faz falta. O dinheiro faz sempre.

 

II

Quando, ao fim de meia dúzia de anos no Brasil consegui entender como é possível viver sem ser na miséria, isto é, sem pagar aquela montoeira de impostos que nos levam todo o lucro do muito trabalho que se tem, comecei a ter dinheiro para viver em ser no sufoco e não ficar aterrado pensando num amanhã incerto com uma mão cheia e filhos para alimentar e educar.

Comecei a trabalhar com as cafonas “mesas de som” cheias de aparelhos bonitos, alguns até caros, que davam um lucro confortável, e outras instalações profissionais de som, em boates, quarteis, hospitais, hotéis, escritórios, etc.

O maior calote que levei foi até muito interessante.

Chamado para fazer um projeto de instalação de som numa grande Base Aérea, em SP, fui recebido pelo comandante que me mostrou tudo quanto queria ver feito: microfone na Administração para transmitir ordens gerais, altifalantes nos corredores dos alojamentos, nas salas de aulas, o mesmo devia ser previsto a partir da sala do comandante, etc. Obra grande e complexa.

Por fim apresenta-me um major, chefe da Secretaria, a quem devia remeter o projeto e a proposta.

Some o comandante, o major dá-me um cartão dele, com seguinte recomendação:

- Antes de mandar o orçamento, telefone para mim, para minha casa, a dizer-me o valor.

Já achei que havia moscambilha (ler trapaça, quem quiser).

No dia seguinte depois de fazer todos os cálculos de equipamento, mão de obra, deslocações de pessoal, etc. telefono ao tal major. À noite, para casa dele, como é óbvio.

- Quanto deu o total? Perguntou, voraz o major.

- 1,5 milhões em ORTN (o sofisma para aguentar o valor contra uma desvalorização absurda na altura, isto aí por 1989 (nesse ano a inflação ultrapassou 1.700 %, quer acreditem ou não, e diz a Internet que a moeda era “cruzado novo”)

- Olhe pode passar o valor para 3 milhões!

Eu nem ouvi bem o que ele disse, tal o absurdo.

 - Quanto???

- 3 milhões !!!!!!!!!!!!!!!

- Oh! Major! Eu vou fazer a obra, equipamento, mão de obra, impostos, etc., e peço 1,5 e o senhor quer outro tanto para si ???

- É.

- Então eu vou pôr mais outro milhão e meio para mim!

 - Pode pôr.

- Pagamento: /12 na confirmação da proposta e a outra metade na entrega da obra.

- Tudo bem, - diz o major como se estivesse a comprar um copo de água!

Elaborei a proposta por 4,5 milhões. Atenção; sempre baseando o pagamento em ORTN, e fiquei convencido que ia ganhar uma graninha extra.

Fizemos tudo direitinho mas o primeiro pagamento não havia meio de sair. O tal major enrolava, enrolava, porque transferia da conta da FAB para a dele, em vez de ser para a minha e ganhou muito com a desvalorização.

Quando finalmente liquidou tudo, eu recebi, com a desvalorização, ainda menos do que esperava com a primeira proposta. Quer dizer: perdi dinheiro!

Não fui lá dar uns tapas no major nem fazer queixa ao comandante, porque entretanto estive em Portugal a tratar de florestas!

A isto chama-se idiota. Eu.

 

III

Entre 77 e 80 trabalhei para uma empresa (fabriqueta) no Rio, que pertencia ao Prof. Gonçalves de Proença, um ex-ministro do Salazar, fugido também para o Brasil pós 25/4. Ele montou uma fábrica/oficina de móveis e objetos de decoração, com um ótimo técnico português igualmente refugiado, depois que lhe assaltaram a oficina em Lisboa.

Faltava o “braço” comercial e através de conhecimentos diversos o prof. entregou-me os clientes de São Paulo e eu ganhava 10%. Tinha pouco trabalho, aceitei!

Logo com as primeiras encomendas vi que o acabamento era excelente, mas as proporções erradas!!!
Tive que medir cadeiras, mesas de centro, de jantar, laterais, camas, abajures chiquérrimos, etc. e pedir depois ao filho Chico que desenhasse tudo em tamanho pequeno, com base nas medidas que lhe entreguei, o que ele fez num instante e, além de ter modificado tudo na fábrica, fiquei com um ótimo documento de vendas, porque os cliente podiam saber o que fazíamos.

O prof, quando amainou um pouco a revolução bolchevista em Portugal para lá regressou e entregou a firma ao técnico, meu amigo Fernando Silva e a mim!

Consegui dar um forte impulso às vendas, mas, burro e emigrante inexperiente, pagava demasiados impostos e não dava para folgar, tanto mais que eu vivia em São Paulo. Saía de casa, na velha e ótima Variant de 1969, às 3 horas da manhã para estar na fábrica antes das 7.

Isto durou quase dois anos, até que entreguei tudo a um novo sócio e... dei o fora.

Mas entre muita coisa que vendia, eu mesmo carregava tudo na nossa Kombi (minha) e fazia a entrega aos clientes de SP, além de levar cadeiras por estofar que o fazia em casa, com a minha mulher, trabalhinho perfeito.

(Estofámos talvez mais de 300 cadeiras!)

Mas, outra vez, ia dizendo que vendi uma mesa de centro em tubo de latão e tampo de vidro para um cliente. Pagamento 50% no pedido e 50% 30 dd.

Na entrega ele e a sua madama foram muito amáveis, receberam-me em casa, elogiaram o trabalho deram-me um cafezinho, etc. Quando fui receber o saldo, o “gajo” já não me mandou subir; que eu esperasse na entrada do prédio. !!!??? Estranhei. Aqui tem caso!

Lá desceu, um boa noite seco e começa logo a dizer que a mulher passava o tempo todo a reclamar porque tinha que limpar o latão que escurecia.

- É verdade, escurece, mais ainda em áreas de maior poluição como é este bairro. Mas tem Mil e uma maneiras de o limpar, deixando-o novo, e depois, durante o dia proteja-o com uma pano.

O cara depois insistir na reclamação e de não se ter interessado pelos doutos conselhos, disse logo não ia pagar o que devia.

Aí eu não gostei.

Mirei bem nos olhos dele:

- Sr. “x”, nós vendemos para as melhoras lojas de São Paulo, casas de gente de muito dinheiro, jamais alguém tomou semelhante atitude ou mesmo reclamou. Sabiam o que era latão. O sr. está a roubar-me, mas não se preocupe, não vou chamar a polícia nem lhe vou dar um tapa na cara porque nem isso merece. Não vou empobrecer, mas vou dar-lhe mais dois conselhos: um, atire a mesa pela janela e sua mulher cala a boca, ou atire-a a ela, o segundo, não apareça mais na minha frente porque eu não vou gostar.

O babaca estava lívido... com medo que eu lhe desse um tapa no focinho, coisa que nunca fiz a ninguém.

E saí. Sem o pagamento, mas aliviado por ter dado tão bons “conselhos” ao miserável.

O porteiro do prédio, ali a uma meia dúzia de metros estava lívido. E ficou.

 N.- A continuar

29/04/25

Nenhum comentário:

Postar um comentário