Vida:
de destaque ou simples?
Lá
pela região de Yorkshire, vivia há várias gerações a família Berricloth.
Agricultores,
gente educada e culta, muito considerada na região, ao casal Anne e Harry
nasceu o primeiro filho, a quem foi dado o nome de Jayce Berricloth.
Desde
bem pequeno acompanhava o pai nas fainas da propriedade, perguntava muito,
parecia querer saber de tudo, o que deixava o pai orgulhoso porque pressentia
que esse seu interesse o levaria a ser um bom estudante e até, quem sabe,
seguir carreira académica. Os outros três filhos Harry, Elisabeth e Ralf,
apesar de interessados também na vida da família, nenhum se debruçava com tanto
interesse como o irmão na vida da faina agrícola.
Chegou
o tempo da escola onde Jayce facilmente se destacava dos colegas, sem que isso
lhe proporcionasse qualquer prazer especial ou orgulho, sendo uma criança
alegre, amante de jogos tradicionais, sempre muito estimado por todos.
Assim
que ingressou no ensino médio os professores logo se aperceberam que aquele
aluno não precisaria de muitos anos, os habituais, para ingressar na
Universidade, e assim, sem ter completado dezesseis estava já em Oxford.
Escolheu
física e mecânica, sempre como um dos mais dotados alunos, aos vinte anos formou-se,
começando logo a receber inúmeras ofertas de trabalho.
Jayce
preferiu ir um pouco mais longe, continuar a estudar, manteve-se na
universidade para seguir até ao doutoramento, PHD, logo convidado a permanecer
como docente. Estava com uma formação de alto nível, e o futuro garantido.
Na
região onde nascera vivia uma família da nobreza antiga onde a fama do jovem mestre
havia já chegado, e, como o conhecimento entre as famílias Berriclouth e
Bowes-Lyon vinha também de longa data, não tardou a que algumas significativas
trocas de olhares e encontros, fosse mostrando que entre Jayce e Catherine, entretanto formada em
Matemáticas na Universidade de Leeds, algo parecia levá-los ao altar.
Já se antevia casamento que não
tardou a celebrar-se; o casal muda-se para Londres, ela como professora de
matemática, ele não só em Oxford, PHD, pesquisador, levando ambos destacada
vida profissional, financeiramente confortável, sem que a noiva tivesse recorrido
a qualquer dote, sabendo que um dia teria uma importante parte na herança dos
pais, a vida foi correndo desafogada, e logo duas crianças vieram alegrar a
casa.
Jayce entretanto estava já no topo
da ciência, grande nome, muito trabalho, e os filhos recebendo a melhor
educação, crescendo orientados pelos pais que os educavam com perfeição.
Pessoa de destaque, constantemente
convidado para dar aulas e palestras, em Inglaterra e em muitos outros países, a
participar de congressos, essa vida começou a incomodá-lo. Faltavam-lhe aqueles
espaços de tempo livres, fundamentais para o descanso, para ele mesmo e para lazer
junto com a família.
Na faixa da meia idade, pouco
passados os cinquenta, os filhos por sua vez terminadas as faculdades, todos a
ficarem independentes, com a mãe Catherine sem abdicar da sua vida social, a
que Jayce comparecia sem qualquer prazer.
Cada vez mais na sua cabeça se
formava uma ideia que seria todo o contrário do que tinha sido a sua vida até
então.
Vivia para a docência, palestras,
investigação, para os filhos que não tardavam a seguir as suas vidas, e sempre
que possível conseguia uma desculpa para não comparecer a reuniões sociais, que
o aborreciam.
Nem tudo eram rosas e um dia
Catherine, ao regressar a casa no seu carro teve um grave AVC, perdeu a direção do carro, chocou-se com um
poste e ficou em coma totalmente incapacitada. Um drama difícil de suportar.
Teve que se recolher a uma instituição de saúde onde nada mais lhe puderam
fazer do que cuidar do resto da sua vida.
Em Oxford, Jayce, havia feito
amizade com um professor também de física, Nasik Sanjeev, indiano com quem
passou a estar cada vez mais tempo.
E no seu espírito foi-se formando
a ideia de abandonar aquela vida de professor, martirizar-se ao visitar a
mulher em vida vegetativa, e procurar um refúgio para poder viver um pouco para
si mesmo.
A ideia da Índia começou a ganhar
forma no seu espírito, e já congeminava que era aquilo que queria para viver a
SUA vida, sozinho, num qualquer lugar isolado. Um eremita, sem horários,
compromissos políticos ou profissionais.
Não tardou a lembrar-se que a
esmagadora maioria dos indianos, e seu respeito pela natureza e animais, não
come carne, o que certamente lhe iria causar complicações, pelo menos, de
entrada.
Riscou a Índia da cabeça e começou
a pensar no Kénia.
Tinha vários alunos kénianos que o
poderiam ajudar a definir para onde ir, e até uns que o poderiam orientar à sua
chegada.
Começaria por aprender localmente com
gente simples a base da língua e depois então procuraria repousar a cabeça tão
cheia de problemas e pesquisas, relações sociais e a preocupação com Catherine,
que nada melhorava, situações que o estavam a derrubar.
Comunicou aos filhos que lhes ia
deixar tudo quanto tinha, devidamente oficializado, mas que necessitava
absolutamente de alguma paz, que desde pequeno jamais tivera. Sempre a correr,
a estudar, a pensar. Estava cansado. Mas que não vendessem as terras, quem
sabe, voltaria mais tarde, velhinho para morrer junto dos antepassados.
Disse-lhes onde procuraria se
estabelecer, como um eremita, viver só a sua vida, a cabeça leve, apreciar a natureza
que nunca tivera tempo para o fazer a não ser quando bem criança acompanhava
seu pai nas fainas agrícolas.
Não ia à procura de algo
espiritual, queria só lugar de tranquilidade. Optou por uma região, a cerca de
200 kms de Nairóbi, já perto do Equador, a mais de 2.000 metros de altitude, junto
a povo ligado à agricultura, bom clima e gente pacífica.
É evidente que não cortava os
vínculos com a família, mas sentia absoluta necessidade do isolamento.
Por conselho do colega de Oxford
escolheu essa região que lhe poderia proporcionar o que procurava tendo sempre
que ficar relativamente perto de algum lugar de gente simples que começariam
por ensiná-lo a viver uma vida em profunda ligação com a natureza, a conhecer
ervas medicinais e alimentícias, a despedir-se de uma civilização industrial e
de exigência infindável, para viver na maior paz.
Sirhan Onyango, um dos alunos
kenianos, passou a apoiar e orientar o professor, até com entusiasmo,
garantindo-lhe que a sua família no país, lhe poderia dar todo o apoio
necessário.
Prometeu ir dando notícias de vez
em quando aos filhos, e que não deixassem do o informar sobre a mãe, o que foi
sempre comprido.
Chegou a hora, tinha-se entretanto
munido de alguns acessórios indispensáveis, como facão e outras coisas simles para
a sua vida de Robinson Crusoé, e umas
quantas rimas de papel onde pensava poder ir anotando o que iria aprendendo.
De acordo com Sirhan já havia até
escolhido o nome que adotaria no Kénia: Anamú Wangari.
Chegou o dia da partida, despedida
simples com algumas lágrimas, levou consigo só o que entendeu que lhe podia
facilitar a vida “perdido” no meio da floresta, abraçou todos e foi embora.
Muito bem recebido no novo país,
rápido estava entrosado na “ermitância” que procurava.
Aprendeu a língua nativa,
cultivava alguns alimentos, sempre sob o apoio dos nativos, meditava e o se
espírito, mais descansado, acabou por lhe parecer que necessitava de fazer algo
mais interessante, tinha já a sua casa, construída com os meios locais, onde
conseguia sentir-se confortável e em paz.
O que não esperava é que lhe
aparecessem alguns pais e mães propondo-lhe uma filha para quebrar a solidão
daquele senhor que eles já admiravam! Garotas jovens, bonitas, atraentes, mas
Jayce não estava interessa nem em formar nova família nem em sexo, o que
deixava os pais e filhas um tanto entristecidos pela recusa!
O Kenia é um país de longas raízes
ancestrais onde a arqueologia vai fazendo descobertas interessantíssimas para o
conhecimento do aparecimento do homem, aquele a que chamam sapiens.
E esta ideia foi mexendo com a
cabeça do PHD que decidiu visitar alguns sítios em exploração. Encantou-se com
o que viu e não tardou a estar entre os arqueólogos e outros exploradores, para
quem os seus conhecimentos levados de Oxford passaram a ser de muita utilidade.
Jayce, não voltou a ser professor,
mas a vida simples e a arqueologia completavam agora tudo quanto sem ter
previsto o faziam viver feliz.
Passou anos nessa vida, começaram
a pesar-lhe muito nos ombros e na cabeça. Estava com cerca de 90 anos, com
saúde, mas sem saber se devia permanecer no Kénia e ali fechar os olhos ou
voltar à sua casa em Yorkshire.
Tinha
por lá filhos, além de netos e bisnetos que não conhecia.
A
mulher, no seu coma profundo apagou pouco depois da sua saída de Inglaterra.
Sentia
as raízes a chamá-lo ao berço de origem!
Precisava
agradecer aos kenianos o extraordinário apoio e vida que lhe tinham
proporcionado. Por outro lado um simples exame de consciência lhe dizia que
tinha sido demasiado egoísta em ter abandonado a família.
Regressou
a Yorkshire. Velho. Ficou chocado ao ver o desenvolvimento da cidade e de toda
a região e chorou ao ver como a família tinha crescido, e a cara dos netos e
bisnetos que o viam quase como um fantasma que descera à terra.
Era
um estranho no ninho.
Isolou-se
num canto e uma lágrima aparecia quando os mais pequeninos o iam visitar.
O
tempo estava a acabar. Não tardou a fechar os olhos.
12/11/23
Gostei muito obrigado
ResponderExcluirAna Mariano de Carvalho