quinta-feira, 13 de abril de 2023

 

PÁTRIA

 

Muito se tem escrito já sobre o significado ou a noção de “Pátria”, prevalecendo, desde sempre, para encurtar razões, a frase de Fernando Pessoa: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”.

Muito bonito, muito poético, mas não diz nada.

Eu mesmo escrevi já sobre isso e, sobretudo transcrevi um belíssimo texto escrito por Abdelmalek, em 1996, um sociólogo argelino, com o título “O País onde nunca se chega”. Um texto profundo carregado de verdades sobre a tal Pátria.

Em 2008 um grupo de escritores criou uma revista (de Cultura para o Século XXI) – “Nova Águia”, dedicando o primeiro número à ideia de Pátria.

E nela se espraiaram filósofos, professores, poetas, e outros, pintando a Pátria com lindas palavras, rimas a musicar, até com passarinhos em cimo dos telhados e o verde nas encostas das montanhas, e outras liberalidades que pouco têm que ver com a noção de Pátria, tão complexa ela é.

O meu escrito, há mais de 20 anos pode reproduzir um pouco do que lá escrevi, que tão bem se enquadra neste tema.

 

“Como disse Victor Hugo, se “Não se pode viver sem pão, nem se pode viver sem pátria”, para alguns, mesmo tendo pão continuam a viver sem pátria, a saudade que brota, ainda contra sua vontade, tem que se direcionar para algum lugar.

Não posso cantar como o brasileiro do Maranhão, António Gonçalves Dias (1823-64), quando com vinte anos, a estudar em Coimbra, escreveu a maravilha que é básica na cultura brasileira:

 

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá;

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

 

Nosso céu tem mais estrelas,

Nossas várzeas tem mais flores,

Nossos bosques tem mais vida,

Nossa vida mais amores.

 

Em cismar, sozinho, à noite,

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o sabiá.

 

Minha terra tem primores,

Que tais não encontro eu cá;

Em cismar - sozinho, à noite -

Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

 

Não permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para lá;

Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;

Sem qu'inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabiá.

 

nem como Francisco Gomes de Amorim (1827-91), poveiro de Averomar, jovem imigrante, com quinze anos, perdido no interior da Amazônia, na Foz do Rio Negro

 

Como são brancas as flores

Deste verde laranjal!

É doce a sua fragrância

Como a d’este roseiral...

Mas têm mais suave aroma

As rosas de Portugal!

 

O solo destas florestas

O brilhante e o oiro encerra;

São imensos estes rios,

Imensos o vale e as serras;

Porém não têem a beleza

Dos campos da minha terra!

 

Estes astros são mais belos?

É mais belo o seu fulgor?

Mas luzem no céu do exílio;

Não lhes tenho igual amor.

Ai! Astros da minha terra!

Quem me dera o vosso alvor!

 

De amores embriagada.

A rôla suspira aqui;

Com estes vivos perfumes

Tudo ama, folga, e ri;

Mas oh! que tem mais encantos

A terra aonde eu nasci!

 

Lá era a lua mais linda;

Mais para os olhos as flores;

As noites da primavera

São ali mais para os amores;

E nos bosques de salgueiros

Também há meigos cantores.

 

Oh! não; não é belo o sítio

Do meu desterro infeliz,

Onde tudo - a toda a hora -

Que sou proscrito me diz!

Não; não há terras formosas

Senão as do meu país.

 

Ou como disse Ulisses, depois de tantas odisséias já vividas, ainda que jamais me tenha instalado em qualquer palácio, muito menos que meu fosse, os sonhos, acordado, repetem-se. São novas partidas para aquelas terras que não só visitei, mas vivi intensamente e jamais desprezei.

Ao contrário do grande navegador homérico, jamais senti o prazer de ter retornado, mas “Para a saudade não se transformar em decepção, é preciso manter a expectativa do retorno”.

Retornar para onde?  Retornar. Somente.

Plagiando o grande poeta de Angola, Agostinho Neto, que disse:

O oceano separou-me de mim!

eu posso dizer que

O oceano separou-me duas vezes!

E continuo sem saber o que é a Pátria. Onde nasci e onde tão mal me trataram? No país que me acolheu e não consegue transformar um monte de gente, misturada, milionários e bilionários, brancos e escuros, uma imensa maioria sem educação, cultura nem perspectivas de vida, e outros, que têm fome ou deficiente alimentação.

Onde não há história do país a sério, mas heróis pouco mais do que inventados, onde os professores primários ganham miseravelmente e são de cultura a baixo de crítica (salvo algumas RARAS exceções), onde hoje quem TUDO manda é o tráfico, que tem imensidão de dinheiro e armas de última geração, com o beneplácito de altas figuras onde entram senadores e, segundo consta, até generais!

Por muito bem que me tenha acolhido, viver aqui é como não conseguir livrar-se da dor de uma lança espetada nas costas, onde todos os responsáveis pelos governos, desde coloniais até hoje não souberam ou não quiseram preocupar-se em dar ao povo uma noção de pátria em que todos deveriam ter os seus direitos e obrigações, onde o, agora presidente, manda fechar a transposição de água de um rio que tinha começado a abastecer milhares, milhares de moradores de região da seca, dos “Flagelados do Nordeste”, porque assim, sem água, eles continuam na maior pobreza sendo obrigados a estender a mão ao governo, que os esmola, para depois obter o tão almejado voto. Mais um crime... impune.

Pátria tem um pouco, não onde nascemos, mas onde vivemos a nossa mocidade e adolescência, onde ficaram muitos amigos, onde ainda há um cheirinho que nos faz recuar no tempo, mas para quem saiu cedo dessa área do nascimento e se instalou em África, onde lhe nasceram os filho, onde viveu intensamente, onde andou por vezes sozinho no meio dos povos nativos que sempre o receberam bem, onde se juntaram tantos amigos que ou eram também já conhecidos do mesmo torrão natal, ou que se conheceram lá em África, quer seja Angola, sobretudo, e em Moçambique, e que nos ligou tanto àquele chão, que passei, aliás passamos, muitos a ter um autêntica segunda Pátria.

Hoje, no terceiro país, no terceiro continente, apesar do caloroso acolhimento, as raízes custam a penetrar, porque os governos que se sucedem desde os primórdios nunca manifestaram interesse, vontade, em transformar estes hoje mais de duzentos milhões em uma sociedade com espírito de união, sem fome nem muita inveja.

Por isso lamento mas não posso considerar o Brasil como 3ª Pátria. E eu que muito tenho batalhado podendo afirmar que até por minha iniciativa consegui derrubar três decretos do governo central!

Resumindo: Pátria é algo que se traz no coração, misturada nos dois ventrículos e duas aurículas!

Sempre há um pouco de Pátria em cada lado.

 

13/04/2023

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