PÁTRIA
Muito
se tem escrito já sobre o significado ou a noção de “Pátria”, prevalecendo, desde
sempre, para encurtar razões, a frase de Fernando Pessoa: “A minha Pátria é a
Língua Portuguesa”.
Muito
bonito, muito poético, mas não diz nada.
Eu
mesmo escrevi já sobre isso e, sobretudo transcrevi um belíssimo texto escrito
por Abdelmalek, em 1996, um sociólogo argelino, com o título “O País onde nunca
se chega”. Um texto profundo carregado de verdades sobre a tal Pátria.
Em
2008 um grupo de escritores criou uma revista (de Cultura para o Século XXI) – “Nova Águia”, dedicando o primeiro
número à ideia de Pátria.
E
nela se espraiaram filósofos, professores, poetas, e outros, pintando a Pátria com
lindas palavras, rimas a musicar, até com passarinhos em cimo dos telhados e o
verde nas encostas das montanhas, e outras liberalidades que pouco têm que ver
com a noção de Pátria, tão complexa ela é.
O
meu escrito, há mais de 20 anos pode reproduzir um pouco do que lá escrevi, que
tão bem se enquadra neste tema.
“Como disse Victor Hugo,
se “Não se pode viver sem pão, nem se
pode viver sem pátria”, para alguns, mesmo tendo pão continuam a viver sem
pátria, a saudade que brota, ainda contra sua vontade, tem que se direcionar
para algum lugar.
Não posso cantar como o
brasileiro do Maranhão, António Gonçalves Dias (1823-64), quando com vinte
anos, a estudar em Coimbra, escreveu a maravilha que é básica na cultura
brasileira:
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
nem como Francisco Gomes
de Amorim (1827-91), poveiro de Averomar, jovem imigrante, com quinze anos,
perdido no interior da Amazônia, na Foz do Rio Negro
Como são brancas as flores
Deste verde laranjal!
É doce a sua fragrância
Como a d’este roseiral...
Mas têm mais suave aroma
As rosas de Portugal!
O solo destas florestas
O brilhante e o oiro encerra;
São imensos estes rios,
Imensos o vale e as serras;
Porém não têem a beleza
Dos campos da minha terra!
Estes astros são mais belos?
É mais belo o seu fulgor?
Mas luzem no céu do exílio;
Não lhes tenho igual amor.
Ai! Astros da minha terra!
Quem me dera o vosso alvor!
De amores embriagada.
A rôla suspira aqui;
Com estes vivos perfumes
Tudo ama, folga, e ri;
Mas oh! que tem mais encantos
A terra aonde eu nasci!
Lá era a lua mais linda;
Mais para os olhos as flores;
As noites da primavera
São ali mais para os amores;
E nos bosques de salgueiros
Também há meigos cantores.
Oh! não; não é belo o sítio
Do meu desterro infeliz,
Onde tudo - a toda a hora -
Que sou proscrito me diz!
Não; não há terras formosas
Senão as do meu país.
Ou como disse Ulisses,
depois de tantas odisséias já vividas,
ainda que jamais me tenha instalado em qualquer palácio, muito menos que meu
fosse, os sonhos, acordado, repetem-se. São novas partidas para aquelas terras
que não só visitei, mas vivi intensamente e jamais desprezei.
Ao contrário do grande
navegador homérico, jamais senti o prazer de ter retornado, mas “Para a saudade
não se transformar em decepção, é preciso manter a expectativa do retorno”.
Retornar para onde? Retornar. Somente.
Plagiando o grande poeta
de Angola, Agostinho Neto, que disse:
O oceano separou-me de mim!
eu posso dizer que
O oceano separou-me duas
vezes!
E continuo sem saber o que
é a Pátria. Onde nasci e onde tão mal me trataram? No país que me acolheu e não
consegue transformar um monte de gente, misturada, milionários e bilionários,
brancos e escuros, uma imensa maioria sem educação, cultura nem perspectivas de
vida, e outros, que têm fome ou deficiente alimentação.
Onde não há história do
país a sério, mas heróis pouco mais do que inventados, onde os professores
primários ganham miseravelmente e são de cultura a baixo de crítica (salvo
algumas RARAS exceções), onde hoje quem TUDO manda é o tráfico, que tem
imensidão de dinheiro e armas de última geração, com o beneplácito de altas
figuras onde entram senadores e, segundo consta, até generais!
Por muito bem que me tenha
acolhido, viver aqui é como não conseguir livrar-se da dor de uma lança
espetada nas costas, onde todos os responsáveis pelos governos, desde coloniais
até hoje não souberam ou não quiseram preocupar-se em dar ao povo uma noção de
pátria em que todos deveriam ter os seus direitos e obrigações, onde o, agora
presidente, manda fechar a transposição de água de um rio que tinha começado a
abastecer milhares, milhares de moradores de região da seca, dos “Flagelados do
Nordeste”, porque assim, sem água, eles continuam na maior pobreza sendo
obrigados a estender a mão ao governo, que os esmola, para depois obter o tão
almejado voto. Mais um crime... impune.
Pátria tem um pouco, não
onde nascemos, mas onde vivemos a nossa mocidade e adolescência, onde ficaram muitos
amigos, onde ainda há um cheirinho que nos faz recuar no tempo, mas para quem
saiu cedo dessa área do nascimento e se instalou em África, onde lhe nasceram
os filho, onde viveu intensamente, onde andou por vezes sozinho no meio dos
povos nativos que sempre o receberam bem, onde se juntaram tantos amigos que ou
eram também já conhecidos do mesmo torrão natal, ou que se conheceram lá em
África, quer seja Angola, sobretudo, e em Moçambique, e que nos ligou tanto
àquele chão, que passei, aliás passamos, muitos a ter um autêntica segunda
Pátria.
Hoje, no terceiro país, no
terceiro continente, apesar do caloroso acolhimento, as raízes custam a
penetrar, porque os governos que se sucedem desde os primórdios nunca
manifestaram interesse, vontade, em transformar estes hoje mais de duzentos
milhões em uma sociedade com espírito de união, sem fome nem muita inveja.
Por isso lamento mas não
posso considerar o Brasil como 3ª Pátria. E eu que muito tenho batalhado
podendo afirmar que até por minha iniciativa consegui derrubar três decretos do
governo central!
Resumindo: Pátria é algo
que se traz no coração, misturada nos dois ventrículos e duas aurículas!
Sempre há um pouco de
Pátria em cada lado.
13/04/2023
Como o compreendo! Um abraço.
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