COMO DÓI A SOLIDÃO
É
muito difícil chegar a uma idade avançada e ver a velocidade em que os amigos
nos vão deixando porque alcançaram o merecido descanso.
Hoje,
logo pela manhã, recebi mais uma dessas notícias que me deixou extremamente
abalado, as lágrimas logo me encheram a cara, e conto agora por poucos dedos de
uma só mão, quantos ainda por aqui andam, longe, muito longe, em lugares que o
físico não me permite mais alcançar.
Ainda
há poucos anos conseguíamos reunir para um almoço trinta ou quarenta, daqueles
amigos que durante muitos anos foram como irmãos.
Mas
começaram a chegar aos implacáveis noventa e vão adormecendo na Paz Eterna.
Foi
hoje um dos últimos e dos mais chegados amigos, que nos conhecemos, bem meninos,
na entrada para a escola, 1ª classe, talvez em 1936 ou 37, já lá vão oitenta e
muitos anos.
Tivemos
uma adolescência e mocidade com frequentes encontros e brincadeiras.
Depois
fui estudar para longe de Lisboa, víamo-nos menos, mas não perdíamos a amizade.
A seguir serviço militar e não tardou a que eu realizasse o sonho de ir para
África.
Muitos
para lá foram também e uma maioria que ficou em Portugal perdi de vista,
simplesmente sabendo, de vez em quando, que estavam bem, tinham casado, etc.
Muito
mais tarde, os cabelos já esbranquiçados,
encontrei um desses primeiros amigos que, parece, não nos víamos desde que
fizemos uma viagem, de navio, a Roma, em 1950, e estávamos já em 1990. Talvez
uns 40 anos sem nos termos encontrado!
No “Carvalho Araujo” a caminho de Roma – 1950
Em pé, o último à
direita é o meu amigo e o 3° da esquerda sou eu
Um
forte abraço, uma imensa alegria com o encontro, logo combinamos um almoço de
quatro da mesma época. Três estão no Além.
Juntou-se
logo um outro que vive em Madrid (e acabei de saber que está muito bem) colegas
desde aqueles idos da 1ª classe, que durante as minhas posteriores idas à
Europa conseguia juntar e que passei a chamar o Trio Maravilha. O almoço mais
importante nessas idas!
O “Trio Maravilha” em Merida,
2006
Foram
almoços maravilhosos. Ríamos, contávamos passagens da vida e saíamos com as
baterias da amizade recarregadas.
Um
dia este amigo escreve-me a pedir que encontrasse um Professor brasileiro que
ele tinha conhecido lá em Lisboa... (já não lembro o nome) para lhe agradecer o
envio de um livro ou um dicionário que lhe tinha oferecido.
Consegui
localizar o Senhor, a quem transmiti os agradecimentos e expliquei a razão de
ele não o ter feito há mais tempo. Falámos um pouco e o Professor disse-me
então que o meu amigo tinha sido a pessoa mais bem educada que conhecera, um
verdadeiro nobre.
E
era. Sempre atencioso, simples, alegre e, sobretudo, amigo.
Quando
comecei a escrever, primeiro para um blog (que me “roubaram”) e depois até para
o jornal “O Dia” de Lisboa, além de permanente e “fiel” leitor dos meus
escritos, foi ele que fazia a ponte com a desorganização daquele jornal!
Escrevi
há pouco uma pequena história “Habemus Nigrus Papam”, que depois tive que
rever. Estava confusa.
Mandou
o seu filho Zé escrever para me dizer que estava à espera desse texto que
queria muito ler.
Já
estava corrigido, mandei logo. Não sei se teve tempo para isso.
Deixou
um vazio muito grande em todos que o conheceram, e eu choro a perda de um
amigo, irmão muito querido. Amigo raro e simples como são os Grandes.
Obrigado
Xico, Francisco de Novaes e Ataíde,
por teres sido tão amigo.
Em
breve vou ter contigo.
Retrato pintado em 2006
22/04/23