Encontros Conversados ‘1’
Aquele
jovem* que há poucos anos se lembrou de “organizar” um Encontro de Escritores”,
que foi um sucesso para quem teve o privilégio de nele participar e para os que
somente puderam servir de testemunhas, continuava com esse evento bem vivo na
sua cabeça, e pensava como poderia repetir tal acontecimento, mas com outras
personalidades. Quem haveriam de ser os próximos?
Seria
disparate plagiar ou repetir o que já fora feito. Começou a pensar em grandes
navegantes.
Mas
precisava de um patrono, de alguém que o auxiliasse em tão complexa tarefa.
Um
dia, descendo a pé a Avenida da Liberdade, devagar, para gozar um belo dia de
primavera, ia parando para contemplar cada uma das estátuas que ali se se
encontram, e que lhe lembrava o tempo de criança quando o pai lhe dizia que “as quatro estátuas da avenida representavam
as cinco partes do mundo que são fé, esperança e caridade”, brincadeira que
jamais esqueceu.
Lá
estava, e está, Almeida Garrett, que foi quase um segundo pai para o seu
bisavô! Já célebre no seu tempo, ministro, deputado, par do Reino, achou graça
ao jovem que, pobre, regressara do Brasil, dfeterminado cheio de vontade de
vencer e se instruir, que um dia, quando morava ainda num pequeno andar alugado
com um colega, onde a desordem e desarrumação eram gerais, no então bastante
sombrio e soturno Largo do Regedor, recebe a inesperada visita do seu
“patrono”, sempre impecavelmente vestido.
Espantados,
assistem ao já Senhor Visconde, depois de os cumprimentar, começar ele, o
“grande senhor” a arrumar-lhes a casa! O “pupilo” e o colega, envergonhados,
tiveram que rapidamente começar a dar um ar de decência à habitação!
É
evidente que situações como esta, rara, raríssima tinha que ficar registada
para a história. E ficou.
Parado
em frente da estátua (que a Câmara Municipal devia mandar lavar com frequência,
porque não é lixo que dá grandeza) comecei a dizer para mim mesmo:
-
Ó, Almeida Garrett, que estátua feia lhe
fizeram, e ainda por cima não a lavam como deve ser! Apetece-me ir buscar uma
escova e uns baldes de água e dar-lhe um aspecto mais digno, que bem o merece!
Quando
me calei, senti como que um encolher de ombros que me dizia:
-
Isto é só uma pedra a que ninguém liga!
Fiquei
estarrecido! Garrett estava a falar comigo, ou eu estava a ficar louco? E
insisti:
-
Ainda por cima viraram a sua cabeça para
o alto! Com que ideia? Como se os olhos da estátua pudessem ver o Além. E há
tantos anos na mesma posição deve dar um violento torcicolo. Também Alexandre
Herculano está cheio de sujeira! Desleixo da Câmara.
Nessa
altura ouvi uma risada. Garrett estava mesmo a falar comigo.
- Estando Lá no Alto devem saber tudo, e
talvez até saiba quem eu sou. Mas que tenho muita admiração e reconhecimento
pelo que fez pelo meu bisavô.
Pelo
sussurro pareceu-me que ele não me conhecia e aventurei:
-
Sou bisneto e homónimo do seu pupilo e
biógrafo, com quem sempre procurei, modestamente, me identificar. Como sabe não
se pode admirar o meu bisavô esquecendo o que o Mestre fez por ele.
De
repente eu já ouvia, distintamente, uma voz, e o choque era tão grande que me
sentei aos pés da estátua.
-
Esse meu pupilo foi um jovem
extraordinário. Gostava muito dele, e considerei-o como uma espécie de filho
adotivo. E quando fechei os olhos as minhas últimas palavras foram para ele.
- Mestre Garrett, estar
a conversar consigo, deixa-me confuso, sinto-me um anão a seu lado. Mas é um
dom que me está a ser concedido, e vou aproveitar para lhe fazer um pedido.
- Continua. Estou a
gostar de falar contigo. Passam aqui nesta avenida milhares e milhares de
pessoas e jamais alguém me dirigiu a palavra! Nem o olhar, para saberem o que
diz o pedestal.
- Vou voltar mais vezes
quando, e se, voltar a Portugal. Talvez possamos continuar a conversar mesmo
longe daqui, porque eu vivo muito longe, no Brasil. Não na majestosa Amazónia
do seu pupilo, mas no Rio de Janeiro. Fica no entanto o pedido: em vez de organizar
um novo Encontro de gente célebre, eu prefira ensaiar, quando estiver só, em
silêncio e sossegado, conversar, como agora, com cada um. Mas os escolhidos
para estas conversas, não serão escritores, mas navegadores. E para isso irei
pedindo o seu apoio e conselho.
- Francisco, conta
comigo, mesmo que pouco possa ajudar. Mas estás a recordar-me o meu querido
pupilo, e isso é muito bom para mim, e para ele, a quem vou contar este nosso
encontro.
- Obrigado. Já vou
embora e aproveito para dar uma palavrinha ao Alexandre Herculano mais uma
figura que tanto estimo e admiro.
- Podes dar-lhe um
abraço da minha parte, e que não esqueça de me perdoar de o ter levado ao meu
encontro com a Viscondessa da Luz. Ele ficou danado comigo. Mas passou-lhe.
Éramos amigos e respeitávamo-nos muito. E olha, ele é quem mais te pode ajudar.
O mais profundo conhecedor da nossa História.
- Mestre Almeida
Garrett, saio daqui com a cabeça a mil, e não posso contar isto a ninguém. Não
acreditariam! Até breve.
Ali
perto, lá estava o Grande Alexandre Herculano. Olhar grave, para baixo, fazendo
sentir que não gosta de ser importunado, ele que muitas vezes durante a vida esteve
de mau humor. Mas a minha admiração por ele foi mais forte e arrisquei:
-
Mestre Alexandre Herculano, não pretendo
incomodá-lo, mas simplesmente lhe render as minhas homenagens.
Estava
atento! E tinha ouvido toda a conversa que eu tivera com Almeida Garrett.
-
Eu também conheci bem o teu bisavô. Foi-me
apresentado lá em casa por outro jovem brilhante, o Raimundo Bulhão Pato. Dois
jovens cheios de vida. E vejo que tu tens um dom: o respeito pelos mais velhos.
Olha podes dizer ao Garrett que aquele passeio a que ele me levou e depois me
deixou na caleche para ir ver a desavergonhada Viscondessa, foi o que hoje se
chama uma molequice. Mas que, evidente, esqueci logo. Quando quiseres alguma
coisa podes sempre falar comigo.
- Como me honra e o
quanto lhe agradeço. Vou ver se a Câmara Municipal também vem limpar esta sua
estátua.
Saí dali com a cabeça a zoar. Parecia que um
enxame de abelhas tinha tomado posse do meu cérebro. Tão baralhado estava que
corri para o Café Martinho d’Arcada. Ali estiveram Garrett, Herculano e Bulhão
Pato mais de um século atrás. Sentei-me na primeira mesa, queria refletir sobre
o acabava de viver, mas era difícil. Mais ainda sabendo que continuava rodeado
pelo espírito dos grandes homens que frequentaram este Café. Ao fim de meia
dúzia de copos de cerveja a zoada foi embora, e eu... tonto. Não sei da cerveja
se das conversas.
Arrastei-me
depois, sempre a pé, até ao hotel onde estava hospedado, junto ao Marquês de
Pombal, mas pelo lado esquerdo da avenida. Não queria voltar a encarar os
Mestres.
Dormi
mal, e de manhã não sabia se tinha sido um sonho, se realidade, nem me atrevi a
ir testar.
Poucos
dias depois regressei a casa.
Já
no sossego do lar, a área externa tranquila, muita sombra, muita árvore e muito
verde, sentei num canto a continuei a pensar no que me tinha sucedido, que não
me saía da cabeça.
E
a pensar em “chamar” o próximo para a conversa. Quem, para falar sobre
navegantes?
O
pensamento corre para o Infante Dom Henrique, mas não é persona com quem
simpatize muito. Fez muita coisa mas era super ambicioso, abandonou o irmão,
enfim, o grande filho de Filipa de Lencastre de quem dou fã é o Dom Pedro,
Duque de Coimbra. Este virá mas um pouco mais pardiantemente.