Dom Raimundo e Dom Urbano
(Do Cancioneiro
de Amigo do Pau Ferro – Século ... ?)
(Arquivo
Histórico de FGA)
Venham todos! Venham todos!
Olhem quem está chegando!
Dom Raimundo, nosso amigo.
Nós
dele sempre falando,
Vem
curvado, encanecido,
Parece
muito cansado.
Estará
envelhecido?
Dom Raimundo! Meu amigo.
Tanto
tempo já passou
Quando
de todos sumiste.
Por
onde andaste? O que viste?
Conta,
conta, dom Raimundo,
Se
é que podes falar!
Mas
antes vou-te abraçar.
Não
sei como começar
A
história da minha ausência.
Mas
como é bom te abraçar.
Os
tempos passados contar,
Foram
de grande sofrer
Passou
ano após ano,
E
eu sem te ver, dom Urbano.
Uma
noite, madrugada,
Não
sei o que aconteceu.
Levantei-me,
noite escura,
Corri
como louco pró cais,
Eu
sei que ninguém me viu,
Sem
saber o que fazer
Entrei
no primeiro navio.
Já
tinham solt’as amarras
Quando
o capitão me viu.
Perguntou-me
quem eu era,
Que
serviço ali fazia.
Era
fim da Primavera.
Não
soube dizer meu nome
Nem
o que me acontecia.
Mandou-me
então descansar
E
voltar quando pudesse.
Adormeci,
a sonhar
Pensando que em casa estivesse.
Mas
era um sonho diferente,
Perturbado
e agitado,
Estava
muito inconsciente.
Os dias passavam calmos,
Só
mar à volta se via,
Que
rumo e destino tinha
Eu
nem ideia fazia.
Um
dia os céus se zangaram
Um
forte trovão se ouviu.
As
tempestades chegaram.
Durou
dias a tormenta
O
navio se destroçava.
Sumiam
mastros e velas,
A
água tudo inundava.
Descansar
não se podia,
E
se algum sobrevivia
Nem
para comer já havia.
Procurei
o capitão,
Não
encontrei mais ninguém.
Sozinho
naquele inferno
Só
a chorar mais água vem.
Encostei-me
lá num canto
Esperar
que o mar me levasse
E
me afogasse também.
Penso
ter adormecido.
Senti-me
até afogado.
Ao
abrir um dia os olhos
O
mar era um rio, parado,
O
navio uma montanha
De
restos de paus, aos molhos.
Nem
me sentia acordado.
Ali
não longe avistei terra
Com
gente na praia olhando
Para
os destroços. Desfeitos.
Com
muito esforço ergui-me
E
acenei àquele povo.
Não
tardou a que viessem.
Para
eu viver, de novo.
Era
terra nunca vista.
Nem
entendi seu falar.
Gente
nova, de outras cores.
De
tão cansado dormi
E
quando voltei a acordar
Olhei
à volta, sorri,
Sem
saber se era a sonhar.
Passou
tempo, muito tempo,
De
lá não podia sair.
Arranjei
quem me abrigasse
Parecia
quase feliz
No
meio de gente amiga.
Mas
só na praia vivia
E
nem um barco se via.
Sofri
muito, envelheci.
Um
dia a esperança chegou
Quando
ao longe se avistou
Era
um navio, que eu vi!
Fiz
um fogo que se alastrou.
Ao
longe o capitão viu
E
o seu navio virou.
A
terra foi um escaler,
No
comando, uma mulher!
Era
ela o capitão.
Aos
seus pés ajoelhei.
Emocionado
chorei
E
pedi que me levasse
Sem
saber onde aportasse.
Abracei
a gente amiga
Que
me havia recolhido,
E
voltei de novo ao mar.
Quantos
dias se passaram
Sou
incapaz de contar.
Logo
que vi terra antiga
Pedi
para desembarcar.
Já
não cheirava Pau Ferro
Desde
o dia que partira.
Este
cheiro tão gostoso
Que
me traz de volta ao lar.
Dom
Urbano, meu amigo
Nem
quero nisto pensar
Após
viver tanto perigo.
Dom
Raimundo, receber-te
Hoje
é um dia de festa.
Venham
todos festejar,
Tragam
vinho, acendam brasa.
Venha
alguém para cantar
Reencontramos
um amigo
Que voltou pra sua casa.
Notas:
1.-
URBANO: o nome de um pequeno mercado no Rio de Janeiro
2.-
PAU FERRO: nome da Estrada onde se situa o mercado
3.-
RAIMUNDO: o encarregado do açougue (talho) do mercado
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