Os velhos Amigos que vão
descansando
1961
– No último dia do ano, último dia de caça, que a seguir entrava o defeso, com
o grande Zé Neto, fomos dar uma volta pelos arredores de Luanda. Caçámos um
belo e velho antílope, macho solitário, sempre com carne saborosíssima.
Dia
4 de Janeiro, batizado de um dos nossos filhos. O João. Uns quantos amigos se
juntaram e ficaram para à noite comermos uma das pernas do dito antílope,
cozinhado pelo grande cozinheiro
Miguel – que um dia teve que ser dispensado porque, por vezes bebia o vinho que
sempre estava arrumado na cozinha, para eu beber e para os cozinhados, e
“esquecia-se” de fazer o almoço para as crianças (e já eram cinco) – grande Miguel, do alto do seu metro e
cinquenta, e no máximo uns quarenta quilos de peso, sob orientação técnica dum
belo livrinho de receitas que até hoje a dona da casa religiosamente guarda,
esmerava-se no fogão.
A
cena era simples. Miguel ar compenetrado e atento, perfilava-se para ouvir a
dona da casa, que abria o livrinho, discursava a receita, uma vez só, e no fim
perguntava:
- Miguel! Você ficou a saber? Não esqueceu
nada?
- Sim, senhora. Não esqueceu.
E
partia para a lide.
Pois
a perna do bicho ficou uma delícia.
No
fim do jantar, num lado da sala, uma mesa de canasta para as senhoras e na
varanda outra de bridge para os homens. Esta teve nesse dia a personagem que
operou o batismo. O padre António... (?), bon vivant, frequentador da
alta sociedade, e... metido a esperto.
Seu
parceiro numa das mãos, um primo,
sempre alegre, ótimo companheiro. Não era nenhum campeão de bridge, mesmo sendo
muito melhor do que eu.
Começaram
a perder, porque a dupla Zé Neto e Fernando Fezas jogavam a sério.
Padre
António, irritado por estar a perder, começa a dar sentenças: “em vez de jogar a Dama você devia ter jogado
o Valete.” Pouco depois ao darem as vozes de marcação: “Em vez de três ouros devia ter marcado Três
Sem Trunfo”, e outras semelhantes.
E
continuou a encher o saco do parceiro que de repente, já saturado, vira-se para
ele e diz:
- Ó padre António, vá “berdamerda!”
E
logo a seguir solta uma daquelas suas gargalhadas, contagiosas, que só ele
dava, deixando todo o mundo à gargalhada também!
O
padre António engoliu.
Um
copo à tua forte saúde de quase 95 anos. Medalhista Olímpico de vela em
Helsínquia, 1952.
Meu
primo Francisco Rebelo de Andrade. O
Xico d’Água! E a Gracinha Sousa Coutinho (Funchal) querida amiga de muitos anos
* * * * *
Há
três anos comecei a escrever sobre Os Meus Amigos. Quase todos tinham já “ido”
e era só este que primo “teimava” em permanecer entre nós, sempre com uma boa
disposição contagiante. A companheira, e muito querida amiga de infância, já
tinha partido para o descanso eterno em 2007, depois de ter passado os últimos
tempos com um mal incurável. E escrevi o que está acima.
Descansa em Paz meu querido
primo e amigo. Podes ter a certeza que não te esqueceremos.
06/05/2021
Querido Tio... estou mesmo a ver o Pai, ah ah ah! Nao conhecia esta história (nem tinha lido este seu texto em homenagem à Mãe e Pai). Um grande beijinho com saudades. Até breve ;)
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