O Tempo e os Alicerces
Há
algum tempo, sem quase nada em que ocupar o espírito e o tempo, lembrei-me que
era bom recordar aqueles amigos que mais marcaram as nossas vidas. Aliás é
sempre uma benção recordar os amigos.
E, à
medida que me fui lembrando, fui colocando os seus nomes em duas listas. Uma,
daqueles que ainda por aqui estão, e que esperamos estejam ainda muito tempo, e
outra dos que nos deixaram já.
Não
tardou começar a transferir alguns nomes duma lista para a outra, e hoje essas
listas mostram um tremendo desequilíbrio! Uma vai aumentando e a outra, mesmo
com alguns bons amigos que o “virtual” da internet proporcionou, encurta! E
agora são raros os e-mails dos que ainda por aqui andam!
Ainda
agora só alguns. E como é difícil falar deles! Rememorar tempos de juventude,
de adultos, de avós, a simpatia e o verdadeiro sentido de irmandade que, por
bondade de tantos, me encheram a vida, que agora, mesmo que não queira, se vai
esvaziando!
Lembro
com admiração e inveja (porque não?) as suas vidas sãs, corretas, humildes, e
ainda assim, praticamente todos alcançaram situações profissionais de destaque.
Um
deles passou uns muitos e últimos anos da sua vida preso a uma cama,
imobilizado por estranha doença, mas sempre com disposição positiva, não
falando de si, mas interessando-se pela saúde dos amigos.
O
outro, os achaques da avançada idade foram-se multiplicando, e o corpo não
agüentou mais. Ambos exemplares pais de família, amigos de longas datas, uma
simplicidade de vida e ao mesmo tempo uma atividade notável, almas grandes.
Cada
vez que um amigo se vai, uma vontade imensa de estar com os que ainda por cá
peregrinam, não dá sossego. Mas a distância é muito grande e cada vez mais
difícil de a vencer.
A
internet veio unir-nos um pouco mais, mas essa troca de notícias, por muitas
que sejam, sabem sempre a pouco; apesar das palavras amigas que por vezes nos enternecem
e comovem, o contato pessoal não existe. E faz tanta falta!
A vida
terrestre, de todos, tem prazo para terminar. Ninguém sabe quando, mas com o
avançar, e pesar, dos anos, não é difícil imaginar que já pouco falta.
Às
notícias, tristes, que de vez em quando nos chegam, soma-se a catarata de
notícias que nos afogam em desumanidade. Pelos jornais, TV, internet, parece
que os jornalistas fazem gala em nos colocar frente a um mundo horroroso! A
política mundial que se baseia na guerra, quer de tiros quer de finanças, as
crises criadas por irresponsáveis desonestos, a fome que grassa em bilhões de
infelizes, a insegurança, sobretudo nas grandes cidades, as drogas, os
assaltos, estupros e inacreditáveis casos de pedofilia de pais com filhos, os
filmes com sexo mais que vivo, não só entre os dois sexos, mas entre
homossexuais, homens ou mulheres, mostrados em horários de dia quando qualquer
criança pode assistir, e demorando em detalhes nojentos, a violência exibida na
sua mais profunda aberração, a mentira e traição, atributos de filmes das
sociedades mais financeiramente abonadas, enfim, tudo isto leva a equacionar se
vale a pena continuar a viver num mundo de tal forma depravado.
Chega-se
a idade avançada, e todas essas violências e aberrações cada vez mais nos
magoam. Será por estarmos mais frágeis, ou porque estamos super carregados com
a insensibilidade e vergonha que grassam nas manchetes?
Futebolistas
a ganharem por mês o que um engenheiro, bem pago, não recebe em doze ou mais anos!
Uns pseudo artistas que se exibem escandalosamente, muitos deles também
analfabetos a fazerem fortunas com o dinheiro dos basbaques, ou mesmo um outro
analfabeto, que chega a presidente dum país, e que depois o mundo inteiro se digladia
para lhe conceder honoris causas!
Está
tudo invertido. Os valores que me foram passados durante a infância e
adolescência, o empenho e preocupação em levar uma vida íntegra, sem me desviar
dos princípios éticos e sociais, parece que de pouco valeram.
Bandido,
político, berrador de microfone, falso e covarde, é o grande atrativo da
juventude de hoje.
Mas,
vão ter amigos? Vão talvez ter dinheiro, e uma vida interior vazia.
Não se
interessam por se debruçarem, mesmo um instante sobre alguns princípios, como
esta máxima de Maomé: “Se tivesse só dois pães, daria um para alimentar o meu
espírito!”
Os
amigos, os verdadeiros, sempre foram um dos grandes alicerces da nossa vida.
Não pelas suas qualidades externas, mas da alma. E agora, da minha geração, só
cá estão uma meia dúzia. E alguns muito caídos.
À
medida que os vamos perdendo, o nosso edifício vai desmoronando.
Está
cada vez menos sólido.
Nota: - Texto escrito há dez anos, revisto e atualizado.
09/05/21
Querido tio Chico,continuo a ler com vontade os seus escritos.Tambem eu de uma geração mais nova me comove ver tantos amigos dos pais que apesar de uns há muitos anos não os ver,fizeram parte de uma família mais alargada .... obrigada por contar tantas histórias que nos fazem conhecer melhor estes tios que aos poucos nos vão deixando.Um abraço grande para si e para a linda tia Bela .
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