terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 

Grandes Marinheiros

 

Não é meu hábito dedicar os textos. Mas desta vez...
Não posso esquecer os tantos marinheiros que conheço.
Amigos, muitos e o “meu” Comandante.
Para ele, e eles, esta bonita História.
 
1807.
Em Lisboa o Tejo fervilhava de embarcações. A Família Real estava a sair de Portugal a caminho do Brasil.
Duas esquadras: uma portuguesa, e outra inglesa bloqueando a entrada do Tejo a possíveis embarcações de guerra francesas.
Sir Sidney Smith, (o comandante inglês que não seguiria para o Brasil - estava a bordo da Nau Hibernia), ao despedir-se do príncipe regente (D. João VI) para regressar ao bloqueio do Tejo, e vê-lo sair borda fora, em Novembro de 1807, deixando às ordens de Sua Alteza o comodoro Moor com as quatro naus - Malborough, London, Monarch e Bedford - disse-lhe que se apartava muito pesaroso, não por não haver meio de botar um escaler fora, pelo mau tempo que fazia, senão por não oferecer-lhe um brinde que tinha preparado para esta ocasião.
Depois de outros cumprimentos, o comandante da nau portuguesa, Príncipe Real, o já almirante, José Caetano de Lima (o almirante-chefe era Manuel da Cunha Souto Maior), pedindo licença ao príncipe, disse para a nau Hibernia (navio maior, de primeira classe com 110 canhões) que, se mandassem pôr o brinde no lais grande, ele lá o iria receber. O tempo era tal que o afamado inglês não se resolvera a arrear um escaler, pelo que ficou maravilhado com a ideia e o atrevimento de quem se propunha levá-la à execução; mas procedeu nessa conformidade com aquela delicadeza que o distinguia.
José Caetano regulou o seu andamento de tal modo e manobrou tão fina e oportunamente com a Príncipe Real, que o seu lais grande roçou pelo lais da Hibernia, e o presente para o príncipe recebeu-se de mão para mão.

Nau Príncipe Real (Já no Rio de Janeiro). Vê-se o lais saído, usado também para carga e descargas.


Isto à vista das duas esquadras e das dez a doze mil pessoas que navegavam nas quarenta e cinco velas que as seguiam, as quais reconheceram por este facto a possibilidade de se aproximarem dois navios daquela grandeza, debaixo de um temporal desfeito, sem haver atracação, avaria ou desastre! E um deles levava uma dinastia! Num deles iam os destinos de um novo Mundo e talvez do mundo inteiro! Levava a Família Real.
E José Caetano de Lima estava tão certo da sua ciência, tão sabedor do que devia fazer, e tinha tanta confiança na destreza das suas manobras e na gente que as havia de executar, que não duvidou em dar aquela prova singularíssima do que então era a Marinha Portuguesa, a um dos mais acreditados almirantes da Inglaterra, e à gente da formidável e numerosa esquadra que ele comandava.
Tais manobras porém não se aprendem a bordo de navios de transportes nem a bordo de navios mal armados, onde não há nem pode haver disciplina; onde ninguém se entende, todos gritam, todos mandam e ninguém se escuta nas ocasiões críticas; manobras destas excutam-se a toques de apito e por acenos ao leme, bem como por monossílabos, no meio do mais rigoroso silêncio, preparado por muitos meses de exercício discreto e metodicamente aprendido, como se usava a bordo das nossas naus e fragatas, e como ainda se fazia em Brest, em 1826, a bordo da nau D. João VI, comandada pelo insigne Vasconcelos, merecendo que o almirante Duperré, logo que o mesmo comandante começava os exercícios, fizesse sinal à esquadra de “Atenção às manobras da nau portuguesa”, indo muitas vezes a bordo dela cumprimentar Vasconcelos pela boa gente que guarnecia o seu navio.

Nau D. João V

Marinha de grandes tradições foi desbaratada com uma caneta pós 25/Abril.
Manteve alguns navios de guerras, mas acabou com os navios de passageiros e de carga, E até na pesca tem sido segregado pela União Europeia, tornando Portugal mendigo de transportes que, até hoje lhe custam caro.
Mas há notas curiosas. Quando se relegou, ou quis relegar e enxovalhar toda a história ultramarina de Portugal, a marinha continua a ostentar nos seus navios de guerra nomes de Grandes Portugueses, como Vasco da Gama, Álvares Cabral, Corte-Real, Diogo Gomes, Bartolomeu Dias, Diogo Cão, João Roby, até alguns que nem da marinha foram, o guineense Honório Barreto (este já abatido), António Enes, e mais uns quantos.
É de esperar que a gloriosa Marinha Portuguesa não alinhe com os torpes governantes e não cuspa na História. Tem muito de que se orgulhar. Que se mantenha altiva e independente.
 
Notas:
1.- Sir Sidney Smith, almirante inglês com uma brilhante e destacada folha de serviços. (1764-1840) Dizem que há provas de se ter envolvido (e muito bem envolvido!!!) com  a Princesa Caroline de Brunswick, a “esquecida” esposa do Príncipe de Gales, futuro Jorge IV, que se envolveria com vários outros “navegadores” de lençóis! Parece até que o almirante a deixou com um filho na barriga!
2.- Almirante José Caetano de Lima: quando o Príncipe Regente chegou ao Brasil em 1808, o então Chefe de Divisão José Caetano de Lima era o Chefe de Esquadra graduado e juntamente nomeado Intendente do Rio de Janeiro, já promovido em 17 de dezembro de 1802 a Chefe de Esquadra efetivo. ( ?-1821)
3.- Almirante Victor Guy, barão de Duperré. (1775-1846)
4.- O “insigne” Vasconcelos, terá sido Joaquim Epifânio de Vasconcelos (1777-1836)? Comandou um dos navios que acompanhou a Família Real ao Brasil. Capitão de Fragata. Faleceu no Canal de Moçambique em 1836 quando comandava a charrua (navio de três mastros) Maia e Cardoso. Esta charrua foi construída em Bengala, Índia, e oferecida ao Estado português em 1822.

5.- A nau D. João VI foi construída no Brasil em 1821, e foi quem levou D. João VI de volta a Portugal.

 26/11/2020


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