Grandes Marinheiros
Não
é meu hábito dedicar os textos. Mas desta vez...
Não
posso esquecer os tantos marinheiros que conheço.
Amigos,
muitos e o “meu” Comandante.
Para
ele, e eles, esta bonita História.
1807.
Em Lisboa o Tejo fervilhava
de embarcações. A Família Real estava a sair de Portugal a caminho do Brasil.
Duas esquadras: uma
portuguesa, e outra inglesa bloqueando a entrada do Tejo a possíveis
embarcações de guerra francesas.
Sir Sidney Smith, (o
comandante inglês que não seguiria para o Brasil - estava a bordo da Nau Hibernia),
ao despedir-se do príncipe regente (D. João VI) para regressar ao bloqueio do
Tejo, e vê-lo sair borda fora, em Novembro de 1807, deixando às ordens de Sua
Alteza o comodoro Moor com as quatro naus - Malborough, London, Monarch e
Bedford - disse-lhe que se apartava muito pesaroso, não por não haver
meio de botar um escaler fora, pelo mau tempo que fazia, senão por não
oferecer-lhe um brinde que tinha preparado para esta ocasião.
Depois de outros
cumprimentos, o comandante da nau portuguesa, Príncipe Real, o já
almirante, José Caetano de Lima (o almirante-chefe era Manuel da Cunha Souto
Maior), pedindo licença ao príncipe, disse para a nau Hibernia (navio maior, de primeira classe com 110 canhões) que, se mandassem pôr o brinde no lais
grande, ele lá o iria receber. O tempo era tal que o afamado inglês não se
resolvera a arrear um escaler, pelo que ficou maravilhado com a ideia e o
atrevimento de quem se propunha levá-la à execução; mas procedeu nessa
conformidade com aquela delicadeza que o distinguia.
José Caetano regulou o seu
andamento de tal modo e manobrou tão fina e oportunamente com a Príncipe
Real, que o seu lais grande roçou pelo lais da Hibernia, e o
presente para o príncipe recebeu-se de mão para mão.
Nau Príncipe
Real (Já no Rio de Janeiro). Vê-se o lais saído, usado também para carga e
descargas.
Isto à vista das duas
esquadras e das dez a doze mil pessoas que navegavam nas quarenta e cinco velas
que as seguiam, as quais reconheceram por este facto a possibilidade de se
aproximarem dois navios daquela grandeza, debaixo de um temporal desfeito, sem
haver atracação, avaria ou desastre! E um deles levava uma dinastia! Num deles
iam os destinos de um novo Mundo e talvez do mundo inteiro! Levava a Família
Real.
E José Caetano de Lima estava
tão certo da sua ciência, tão sabedor do que devia fazer, e tinha tanta
confiança na destreza das suas manobras e na gente que as havia de executar,
que não duvidou em dar aquela prova singularíssima do que então era a Marinha
Portuguesa, a um dos mais acreditados almirantes da Inglaterra, e à gente da
formidável e numerosa esquadra que ele comandava.
Tais manobras porém não se
aprendem a bordo de navios de transportes nem a bordo de navios mal armados,
onde não há nem pode haver disciplina; onde ninguém se entende, todos gritam,
todos mandam e ninguém se escuta nas ocasiões críticas; manobras destas
excutam-se a toques de apito e por acenos ao leme, bem como por monossílabos,
no meio do mais rigoroso silêncio, preparado por muitos meses de exercício
discreto e metodicamente aprendido, como se usava a bordo das nossas naus e
fragatas, e como ainda se fazia em Brest, em 1826, a bordo da nau D. João VI,
comandada pelo insigne Vasconcelos, merecendo que o almirante Duperré, logo que
o mesmo comandante começava os exercícios, fizesse sinal à esquadra de “Atenção
às manobras da nau portuguesa”, indo muitas vezes a bordo dela cumprimentar
Vasconcelos pela boa gente que guarnecia o seu navio.
Nau D. João V
Marinha de grandes tradições
foi desbaratada com uma caneta pós 25/Abril.
Manteve alguns navios de
guerras, mas acabou com os navios de passageiros e de carga, E até na pesca tem
sido segregado pela União Europeia, tornando Portugal mendigo de transportes que,
até hoje lhe custam caro.
Mas há notas curiosas. Quando
se relegou, ou quis relegar e enxovalhar toda a história ultramarina de
Portugal, a marinha continua a ostentar nos seus navios de guerra nomes de
Grandes Portugueses, como Vasco da Gama, Álvares Cabral, Corte-Real, Diogo
Gomes, Bartolomeu Dias, Diogo Cão, João Roby, até alguns que nem da marinha
foram, o guineense Honório Barreto (este já abatido), António Enes, e mais uns
quantos.
É de esperar que a gloriosa Marinha Portuguesa não alinhe com os torpes
governantes e não cuspa na História. Tem muito de que se orgulhar. Que se
mantenha altiva e independente.
Notas:
1.- Sir Sidney Smith,
almirante inglês com uma brilhante e destacada folha de serviços. (1764-1840) Dizem que há provas de se ter envolvido
(e muito bem envolvido!!!) com a Princesa Caroline de Brunswick, a “esquecida” esposa do Príncipe de Gales, futuro Jorge IV, que se envolveria com vários outros
“navegadores” de lençóis! Parece até que o almirante a deixou com um filho na
barriga!
2.- Almirante José Caetano
de Lima: quando o Príncipe
Regente chegou ao Brasil em 1808, o então Chefe de Divisão José Caetano de Lima
era o Chefe de Esquadra graduado e juntamente nomeado Intendente do Rio de
Janeiro, já promovido em 17 de dezembro de 1802 a Chefe de Esquadra efetivo.
( ?-1821)
3.- Almirante Victor Guy,
barão de Duperré. (1775-1846)
4.- O “insigne”
Vasconcelos, terá sido Joaquim Epifânio de Vasconcelos (1777-1836)? Comandou um dos navios que acompanhou a
Família Real ao Brasil. Capitão de Fragata. Faleceu no Canal de
Moçambique em 1836 quando comandava a charrua (navio de três mastros) Maia e
Cardoso. Esta charrua foi construída em Bengala, Índia, e oferecida ao
Estado português em 1822.
5.- A nau D. João VI foi construída no
Brasil em 1821, e foi quem levou D. João VI de volta a Portugal.
26/11/2020
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