CONGOS, ex francês e ex belga, o ZAIRE
Deixemos
o Covid a fazer os seus estragos, fechemos um pouco os ouvidos
à canalha jornalística luso e brasileira e ao vergonhoso
STJ,
totalmente
empenhados em destruir o Brasil no seu Presidente,
e
vamos, sem máscara, dar um giro por África.
Em
1962 ou 3, por sugestão do distribuidor da cerveja Cuca em
Cabinda, foi decidido fazer um rápido estudo de mercado para a eventual
exportação de cerveja para o Congo, ex-francês, e da decisão de gabinete à ação
foi um instante.
A
viagem revestiu-se de algumas situações hoje caricatas, mas cansativas. Começa
com a saída de Luanda, num vôo da Air Congo, uma subsidiária da Air France, num
avião DC-4 quadrimotor. Dois passageiros para embarcarem para Brazzaville. O
avião, quase o único ali estacionado em frente ao edifício do aeroporto,
horário de saída de acordo com o previsto, tudo aparentemente em ordem, vou
aguardar na esplanada, onde havia um pequeno bar. Só outra mesa ocupada, com o
outro passageiro. Chegada a hora vêm avisar que o vôo ia sair um pouco
atrasado. Uns trinta minutos. Depois destes trinta, mais trinta, e outros
trinta, e...
Da
esplanada via-se algum movimento em volta do avião. Um ou dois mecânicos e mais
uns tripulantes, o que pressupunha problema técnico.
- Afinal o que se passa? Já estamos com três horas de
atraso e nada?
- É o motor de arranque que não funciona, mas já estão a
terminar.
Mais
uma hora.
- Então?
- Quebrou-se a corda.
- Essa agora! Quebrou-se a
corda? Qual corda? Não me diga que aquilo é como os motores “outboard” que
pegam com uma corda?
- Não sei. Mas foi o que me informaram.
Nessa
altura os dois únicos passageiros para aquele vôo, e também únicos clientes no
bar naquela esplanada, já conversavam e dividiam cervejas que iam bebendo em
conjunto, e quando olham para o avião, vêem, com espanto q.b. um pequeno trator
a ser engatado a uma corda, por sua vez enrolada à volta do motor do avião!
- Querem ver que é
verdade! Que aquilo pega mesmo como os motores dos barcos!
Azar
o nosso, porque o tratorista não era marinheiro, e arrancando de repente,
voltou a quebrar a dita corda. Matámos a charada, continuámos esperando, já se
fazia quase noite e no aeroporto não havia mais cordas! Foram comprar mais
cordas! Decidi intervir.
- Se vocês continuarem a
usar o trator de esticão, não há corda que aguente!
Expliquei
a complexa tecnologia da corda! Passado um bocado chegou outra corda, e
eu gritava do alto da esplanada:
- Cuidado. Devagar.
Devagar.
Duvido
que tenham ouvido alguma coisa, corri para lá, assumi o controle marítimo
e o motor pegou. Repassámos o controle (só havia dois a controlar e já tínhamos
sido convenientemente controlados), e levando um monte de vento e poeira no
nariz, porque o motor ficou ligado, logo o que ficava do lado da porta do
avião, e nos acomodámos.
O
vôo fazia escala em Pointe Noire, na costa, um pouco ao norte de Cabinda, onde
aí sim, entrou um bom número de passageiros, sem que o motor fosse desligado.
Chegámos, só com seis horas de atraso a Brazzaville!
O
hotel, reminiscência do savoir vivre
francês nos trópicos, era uma delícia. Fora da cidade, no topo de um morro, uma
maravilhosa vista sobre o rio Zaire, enorme, larguíssimo, caudaloso, vendo-se em
baixo a cidade e na outra margem a capital do ex Congo Belga, Leopoldville,
hoje Kinshasa. Quartos amplos, confortáveis, muito bom gosto, bela sala de
jantar, larga varanda em toda a frente sobre o rio... Muito bom.
Sair
dali só de taxi. A pé até à cidade não era nenhuma viagem, atravessava-se uma
parte de estrada sem casas, só mata, depois a área suburbana e finalmente o
centro onde habitualmente se encontram, ou encontravam, os lugares de decisão
económica, e além disso, África é quente! A nossa pele, segundo os
especialistas e nós mesmo constatamos, aguenta mal o calor, pior ainda quando
se tem que aparecer vestido minimamente decente para tratar de negócios. Não
necessariamente de casaco e gravata, mas pelo menos que não se esteja coberto
de poeira e suor!
Nas
andanças pela cidade cruzei-me com um angolano, de Benguela, que eu conhecera
no meu primeiro ano de Angola. Espanto mútuo, o que faz você aqui, quando
chegou, etc. Ele estava ali refugiado. Perseguido pela famigerada PIDE,
trabalhava como locutor da Rádio Brazzaville nas suas emissões em língua
portuguesa dirigidas aos povos de Angola, mentalizando-os, incitando-os à luta
contra o colonialismo. Já não me lembro, nem um pouco, do seu nome. Só tenho
idéia que era bem mais velho do que eu, (uns dez ou quinze anos?) baixinho,
entristecido por viver longe da terra de que tanto gostava, apesar de não ter,
que me lembre, quase cor alguma nas veias. Tinha, sim, amor à terra. Mas...
Ficou
entusiasmado com a minha presença e com a idéia de Angola, a sua terra, ter já
uma indústria capaz de exportar. Bebemos umas cervejas e pediu-me para me
entrevistar lá na Rádio.
- Com uma condição. Nada de políticas.
- Só quero falar da nossa terra, e mostrar aos angolanos
que até temos uma companhia que pode exportar cerveja para aqui. Se eu sinto
orgulho disso, penso que todos os angolanos gostarão de saber.
Combinámos os tópicos
da conversa e no outro dia lá fui. Meia hora de conversa radiodifundida, sobre
Angola. Verdade, verdadinha, fiquei com receio de após o meu regresso a Luanda ser
chamado à PIDE. Não fui, mas os gajos não devem ter deixado de vasculhar a
minha vida!
Perguntei-lhe
se correria algum perigo em atravessar o rio e visitar Leopoldville. Eu era
português, vivia em Angola, e do Zaire saíam muitos guerrilheiros para ali
combaterem. Podia ir descansado.
Dia seguinte, sábado, cauteloso, desconfiado, e,
por que não?, receoso, lá fui. Atravessei aquele imenso e caudaloso rio e, uma
vez na outra banda achei que a melhor maneira de visitar a cidade seria de
taxi. Foi. O motorista era um sujeito novo, simpático pra caramba, muito
prestável.
- Onde o senhor quer ir?
- Eu não conheço nada, nada, de Kinshasa. É a primeira
vez que aqui venho, estou de passagem em Brazzaville, e vim fazer um pouco de
turismo. Você vai ser o meu cicerone. Leva-me onde quiser, demora o tempo que
quiser, e vai-me explicando o que achar que vale a pena.
Olhou
para mim com ar de espanto e lá vamos nós beirando o rio, acompanhando a
corrente. Via-se na outra margem, altaneiro, o hotel onde eu estava hospedado
e, agora do nosso lado, numa imensa fortaleza em posição igualmente altaneira,
fortemente guardada por soldados, a residência de sua majestade o dono do
Zaire, Joseph Kasavubu.
Muito
mal dele falou o motorista! Como todos, tinha esperado que a independência
trouxesse uma melhoria generalizada para o povo! Coitado.
Seguimos
um pouco por fora da cidade, que como qualquer cidade, em qualquer parte do
mundo, pouco tem para mostrar! No regresso, numa praceta no meio dum cruzamento
de duas ruas, ou avenidas, dois carros chocados e uma meia dúzia de homens
discutindo.
Fomo-nos
aproximando e já em cima diz-me o eficiente cicerone:
- Isto é normal. Esta
gente conduz de qualquer modo e depois de chocarem saem dos carros e
esmurram-se. Mas este acidente é melhor! Um dos carros é de um ministro que
está apanhando porrada do outro que não quer saber se ele é ministro!
Deixámos
a caricata refrega acesa! No meio dum cruzamento um ministro sai do carro,
depois de chocar com um cidadão comum, para reclamar sem razão, só porque se
investia na dignidade de ministro, e apanha uns chapadões no focinho! Quem dera
que essa moda chegue ao Brasil! Ou a Portugal. Vamos em frente. Voltámos ao
ponto de partida. Paguei a corrida, e dei uma boa gratificação ao simpático
motorista, africano puro, mas gente muito boa. Gente simples.
Faltava
ainda meia hora para o ferry sair de volta a Brazza. Numa praceta perto do cais
um vigarista sacava dinheiro aos simplórios que se atreviam a apostar
adivinhando onde estava estaria uma moeda escondida debaixo de um de três copos
invertidos. Conhecem aquele jogo, não é? O famoso jogo da Laranjinha. O sujeito
coloca a moeda debaixo de um dos
copos, troca a sua posição com bastante velocidade de um lado para o outro, a
gente segue com a vista o copo debaixo do qual ele colocou a moeda, aposta que está lá, mas não está. Não está nunca
em lugar nenhum porque aquilo é um truque de mãos e a moeda fica sempre
escondida na mão do habilidoso vigarista, que assim, ganha sempre. Rouba
sempre. Uns dez ou quinze de volta do vigaristazito, largando algumas notas
sempre acompanhadas dum Ooh! de espanto, porque de fato a moeda nunca fica onde
todos tinham a certeza que devia estar!
Aproximei-me,
já conhecia o truque, e fiquei um pouco a ver e divertir-me a ver aquelas caras
quando perdiam! O vigarista quando me viu achou que tinha ali pato mais rico, o
único claro no meio de tantos escuros, e insistia para que eu apostasse também.
Não. Só ver. Quase a hora da saída do barco, achei então que para despedida, e
retribuir um pouco pelo espetáculo que me tinha ocupado os últimos momentos
naquela cidade e país, decidi também pagar uma nota para ver. Ainda nem tinha
perdido, como todos os outros, quando surge a polícia para prender o vigarista
e mais os que estavam jogando! O meu coração bateu com força, tanto mais que
não era fácil disfarçar-me sendo o único facilmente diferençável! Aquela gente
foi sensacional. Rodearam-me, procurando interpor-se entre mim e os polícias
que corriam na nossa direção, e diziam-me:
- Foge, foge depressa!
A
uns vinte metros dali havia um café, bar. Eu não podia correr porque ainda mais
nas vistas daria. Rabo entre as pernas virei costas e consegui entrar no café,
de onde através das janelas podia acompanhar o que se passava. O vigarista
apanhado, discutia com a polícia que acabou por levá-lo. Os apostadores e meus
protetores mostravam-se satisfeitos por me verem a salvo, e faziam-se sinal
para que me mantivesse ali escondido ainda um bocado. Pedi uma cerveja que bebi
com a mão trémula e deixei-me ficar até que a vida naquela praça e os
batimentos do meu coração voltassem ao normal. Logo que pôde fui para o cais e
no primeiro barco voltei para Brazzaville, para o hotel! O susto foi forte!
Ficou-me
de Kinshasa a saudade daquela atitude do povo que, parecendo impossível,
protegeu o único branco que por ali se tinha arriscado a “jogar” com eles!
Já
de volta a Brazzaville, onde reinava a tranqüilidade, a seguir ao jantar no
hotel, noite escura, decidi ir dar uma volta a pé. Depois de atravessar aquele
pedaço de estrada ou caminho deserto em que me cruzei somente com meia dúzia de
pessoas que me ignoraram, cheguei a um cruzamento onde havia uma espécie de bar
com boate. Povo. Aproximo-me, o que espanta aquela gente, talvez porque ali
nunca tivesse entrado europeu algum, e pergunto se posso entrar e tomar uma
cerveja.
- Bien sur! Porquois pas?
Lá
dentro, muita conversa e muita dança. Dizer que a dança estava animada seria
pleonasmo porque em África dança e música são a vida daquela gente. Em pé, no
bar, sob o olhar curioso dos presentes, fui apreciando o ambiente e bebendo
devagar a minha cerveja. Não tardou que me viessem perguntar o que eu fazia ali
naquele lugar, parecendo perdido.
- Nada.
De
fato tudo quanto fazia era passear um pouco. E ver. Ver o que se passava à
minha volta. Acabei
por dizer quem era, onde vivia, o que estava a fazer no Congo, como era a vida
em Angola, e não tardou que tivesse razoável auditório à minha volta. Eu era,
naquele meio, a avis rara.
Conversámos, bebemos mais uma ou outra cerveja e quando achei que era hora de
me ir deitar, a conta estava paga!
Esta
era a África que eu conheci e amei.
Como
a viagem ainda teve algumas peripécias mais, vamos seguir. Domingo, dez horas
da manhã no aeroporto para apanhar o vôo para Pointe Noire.
- O vôo está atrasado,
porque só sai depois que chegar o vôo de Paris.
- Quanto tempo de atraso?
Não
sabiam. Comprei um livro qualquer e sentei-me ali, a ler e olhar para um
pequeno avião de vôo à vela, que descia daqueles céus com uma calma
impressionante. Sempre me atraiu o vôo à vela. E nunca fiz!
Encurtando
a história, o vôo de Paris chegou com seis horas de atraso! Seis. Deu para ler
o livro todo e ainda tive tempo de o oferecer à moça da companhia aérea a quem
entretanto perguntei cem vezes se ainda faltava muito para sair!
Finalmente
em Pointe Noire a estadia prevista era de dois dias. O suficiente para contatar
possíveis clientes, e a saída de regresso a Luanda prevista para quarta-feira
seguinte às nove e meia da manhã. O aeroporto era a cinco minutos do hotel, e
bastava lá estar com meia hora de antecedência porque normalmente não embarcava
vivalma! No dia do regresso saí cedo do hotel para ir comprar alguma recordação
para os filhos, já que em Pointe Noire os artigos de importação, sobretudo
franceses quase não pagavam direitos alfandegários, e quando voltei bem antes
das nove horas o gerente do hotel, aflito:
- Telefonaram do aeroporto
a dizer que mudou o horário do vôo e vai sair uma hora mais cedo!
- Meu Deus! Está na hora.
Peguei
nas malas e corri para um taxi. Quando este começa a andar, por cima de nós
passou o avião! Perdido! Depois de ter esperado seis horas em Luanda e mais
seis em Brazzaville, agora perdia o vôo, único semanal, porque adiantaram o
horário sem me darem conhecimento! Fiquei com uma raiva...
Esperar
uma semana em Pointe Noire, terra de mais ou menos nada... não era programa que
me interessasse. Fui procurar saber como sair dali.
- Há sempre carros-tanques
de gasoil (óleo diesel) a sair daqui para Cabinda. Procure informar-se ali na
Mobil.(O ali era mais ou menos no fim da rua do hotel)
Por
sorte ia sair um, que se prontificou a levar-me, avisando que parecendo ser
perto, em linha reta talvez menos de cinquenta quilómetros, até à fronteira de
Cabinda, a estrada daí para a frente seguia pelo interior, pela floresta, e
naquela época, Abril, de muita chuva, o tempo de viagem seria o que fosse!
Antes um dia de viagem de caminhão do que uma semana em Pointe Noire.
Lá
fomos. Dia seguinte, de manhã, bem cedo, já muitas horas de viagem no lombo,
estrada esburacada e conforto de caminhão, já em Cabinda a uns escassos trinta
quilómetros de Lândana, a que houve pretensões de chamar Vila Guilherme Capelo
em homenagem ao oficial da marinha portuguesa que assinou pelo rei de Portugal
o Tratado de Simulambuco, e que já se chamou Cacongo, as chuvas tinham cortado
a passagem no meio da floresta.
Carros
querendo seguir para o interior, atravessar o lago que se formara, e nós na
nossa “margem” sem podermos passar para a costa.
Mas
valeu a pena atravessar, mais uma vez a floresta do Maiombe! É uma beleza,
imponente.
Agradeci
muito a boleia que me deram, arregacei as calças, mala e sapatos na mão,
atravessei o lamacento lago e convenci um outro caminhão a regressar a Lândana,
onde apanhei um taxi que, voando, me levou a Cabinda. No último minuto,
já o avião a fechar as portas, consegui entrar no vôo da DTA para casa. Foi uma
odisséia e tanto.
Mas
África tinha destas coisas (e muitas outras) que são páginas inesquecíveis da
nossa história, e muitas delas, apesar da idade, gostaria de repetir.
Mais
ou menos na mesma época, quando proibiram a TAP de sobrevoar países africanos,
a primeira solução encontrada foi voar pela Suissair que saía de Leopoldville,
hoje Kinshasa, que dali ia direto a Lisboa. Primeiro pela DTA, de Angola, de
Luanda a Leopoldville.
Tive
que ir a Portugal falar com a administração da Cuca.
A
guerra estava brava em Angola e muitas famílias de militares, em missão no
interior foram aconselhadas a regressar a Portugal. O avião não ia muito cheio,
mas umas quantas jovens mães, todas com filhos muito pequenos.
Uma
delas ia com três, irrequietos como todos, e eu “assumi” o controle de um
deles, talvez com uns 3 anos, que foi tranquilo, ou no meu colo ou a dormir ao
meu lado! Coisa de papai treinado – naquela altura eu já tinha 5 filhos!
Em
Leopoldville, fomos aguardar a transferência para o novo vôo no edifício (velho)
do aeroporto, muita confusão, e aquelas mamães estavam aflitas. O Congo tinha
sido um imenso desastre na sua independência.
Finalmente
nos chamaram, eu feito guardião daquelas famílias, quando ao descermos as
escadas para ir embarcar, um oficial congolês (zairense), baixinho, cheio de
dragonas e condecorações, seguido de uns quantos “às ordens”, ao ver-me passar,
perfila-se, em sentido faz-me uma aparatosa continência ao que eu correspondi
com um “Olá meu rapaz”, que ele não entendeu, e a partir daí toda a gente abria
passagem para o nosso grupo.
As
senhoras loucas para saberem como eu conhecia um tão medalhado general zairense.
Não sabia, nunca soube, nem consegui saber por que fui tão militarmente
saudado!
Só
dentro do avião pude confessar a minha ignorância!
E
chegámos a Lisboa sãos e salvos!
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